No domingo, o lateral do Barcelona e da Seleção Brasileira Daniel Alves teve uma reação surpreendente ao ser vítima de racismo. Diante de um estádio lotado e com a partida transmitida para o mundo inteiro, comeu a banana atirada na direção dele e tocou o jogo como se nada tivesse acontecido. Ainda no domingo à noite, o atacante Neymar, companheiro de Daniel Alves, lançou uma campanha nas redes sociais de combate ao racismo com a hashtag #somostodosmacacos, criada pela agência de publicidade Loducca, após pedido do pai do atleta.
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:::Neymar publica foto com banana e inicia campanha contra racismo
:::Torcida joga bananas em Daniel Alves, que tem resposta inusitada
– Tá na hora de a gente dizer um chega pra isso! A forma de me expressar para ajudar que um dia isso acabe de uma vez por todas é fazer como o @danid2ois fez hj!! Se vc pensa assim também, tire uma foto comendo uma banana e vamos usar o que eles têm contra a gente a nosso favor #somostodosmacacos (sic) – escreveu.
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A repercussão foi imediata. Celebridades como Angélica, Luciano Huck, Ivete Sangalo, Michel Teló e Alexandre Pires aderiram ao protesto, seguidos por milhares de fãs. Outros jogadores como Fred e David Luiz também foram às redes sociais publicar suas fotos. Até a presidente da República, Dilma Rousseff, utilizou as redes sociais para expressar apoio à atitude de Daniel Alves.
Confira uma entrevista com Carmen Sílvia Rial presidente da Associação Brasileira de Antropologia e professora do Departamento de Antropologia da UFSC.
Diário Catarinense – Os casos de racismo estão mais frequentes no futebol?
Carmen Rial – Não, o racismo no futebol sempre existiu. É bom não esquecermos que o futebol começou como esporte de elite, proibido às camadas populares. Depois passou a aceitar brancos das camadas populares, enquanto os negros tinham um campeonato separado. A integração do negro ao futebol tem sido um processo muito lento, mas que está avançando.
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DC – Por que temos essa sensação?
Carmen – O que acontece hoje é que os episódios de racismo têm mais visibilidade. Antigamente, uma atitude racista em um jogo do Barcelona seria vista apenas pelos torcedores do estádio. Hoje, chega ao mundo todo. Claro que, em momentos de crise econômica, como a que se passa na Europa, a tendência é aumentar a discriminação aos imigrantes, que concorrem diretamente a vagas de emprego, salários. Isso também contribui para essa agressão aos jogadores estrangeiros.
DC – Há a impressão de que dentro do estádio vale tudo, xingamentos, agressões. Por que isso é tolerado quando se trata de torcida?
Carmen – O estádio tem mesmo essa característica de ser um espaço mais liberado. É um ambiente para extravasar emoções, tanto positivas quanto negativas. A sociedade precisa desses espaços, mas não podem ser transformados em plataformas para o preconceito. Tem muito a ver também com o comportamento de massas. As pessoas se transformam quando estão em grupo e tomam atitudes que não teriam coragem de tomar se estivessem sozinhas.
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DC – Qual o caminho para mudar?
Carmen – O posicionamento da mídia é fundamental. Na publicidade os negros ainda aparecem pouco. No jornalismo esportivo, é preciso preparar melhor os comentaristas, para que não disseminem conceitos preconceituosos. Há também a questão legislativa. As leis existem, mas não são aplicadas dentro do estádio. Isso precisa mudar. Quando os jogadores combatem o racismo, compram essa briga, também ajudam a transformar a realidade fora dos estádios. Antigamente os jogadores negros sofriam racismo e ficavam em silêncio. Tinham medo. Hoje eles assumem a negritude, valorizam as raízes e respondem às agressões.
DC – O que achou da atitude do Daniel?
Carmen – Foi uma ação de grande eficácia simbólica. Quando o torcedor joga a banana quer chamá-lo de macaco, primitivo. E o que ele faz? Come a banana e transforma esse significado. Ele recebe a fruta como um presente do torcedor. A banana é apenas uma banana. Foi uma atitude bem-humorada e inteligente do Daniel.
DC – E a campanha lançada por Neymar ?
Carmen – Foi outra sacada incrível. Se “somos todos macacos”, todos temos as mesmas origens. Ele retoma o movimento de maio de 1968, em Paris, quando estudantes, revoltados com a expulsão de um de seus líderes de origem judia-alemã, evocaram: somos todos judeus alemães.
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