Blumenau foi pioneira nas comunicações em Santa Catarina. Teve a primeira emissora de televisão oficialmente instalada no Estado e o primeiro jornal impresso em offset, revolucionando o mercado editorial. Por trás desta história está o empresário Flávio de Almeida Coelho, que dirigiu o Santa durante 15 dos 45 anos de existência do jornal.
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Para esta edição comemorativa, ele conversou com os alunos da disciplina de Laboratório de Escrita Jornalística Colaborativa, do 6ª período do curso de Jornalismo da Furb, e contou como foi enfrentar os desafios de montar um jornal que levasse a riqueza de Blumenau para toda Santa Catarina. Flávio, que também foi presidente da Embratur na década de 1990, falou sobre o futuro do jornalismo e sobre
o atual momento político e econômico do Brasil
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O senhor teve um papel fundamental para a comunicação de Santa Catarina e fez de Blumenau a primeira cidade a ter um canal de televisão no Estado. Depois, criou o Jornal de Santa Catarina, com uma proposta inovadora. Como foi fundar um jornal naquela época?
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Nós tivemos tanto sucesso com a televisão que inauguramos em 1969 e fizemos um trabalho jornalístico de tal forma que a gente tinha sucursal em Chapecó, Joaçaba, Lages, Joinville, Itajaí. E houve um momento que a gente chegou à conclusão que os jornais em Santa Catarina, a mídia impressa, estava acabando. O maior jornal, o Estado, de Florianópolis, estava perto de seus 90 anos. O proprietário era o saudoso Aderbal Ramos da Silva, que foi governador. Ele era o chefe político do PSD e então o jornal já tinha essa marca da chapa branca. Em Joinville tinha o A Notícia. Aqui tinha A Nação, dos Diários Associados, que já começava a entrar em processo de falência, e o jornal A Cidade. Então resolvemos criar o Santa e foi um negócio muito bem-sucedido. Foi o primeiro jornal em offset do Estado de Santa Catarina.
Mas era uma época em que o Brasil vivia momentos conturbados.
Naquele tempo nós vivíamos um período difícil. Havia um regime forte, militar, e a gente tinha que tomar cuidado porque realmente tinha uma pressão sobre a mídia. Um dia tinha uma encrenca entre o ministro da Educação e o Pelé. Eles mandavam um telex sobre o assunto da briga e diziam que era melhor não comentar. Quem não quisesse aceitar ia se entender com eles (militares). Mas nunca entrou uma pessoa da censura no jornal.
Qual o papel do Santa na história do jornalismo catarinense?
É um patrimônio da sociedade de Blumenau, e, sobretudo, um patrimônio de Santa Catarina. Foi o Santa que ensinou a fazer jornalismo no Estado. Naquela época, apesar de ter vínculo político, de ser amigo do governador, a gente procurava fazer uma coisa sem constrangimento e medo. Um exemplo: naquele tempo, concordata de empresa grande era uma coisa horrível. A Electro Aço era uma das maiores empresas daqui e entrou em concordata. Nós fizemos uma reunião para saber como a gente ia dar isso, porque não podia deixar de dar. Então dei uma ideia: vamos lamentar o fato, botar uma chamada discreta. Assim o leitor não vai ser sonegado da informação. “Eletroaço lamentavelmente teve que usar do recurso legal da concordata para sobreviver”. Na matéria explicamos o porquê. Porque se não fosse a concordata, iria fechar, deixar desempregados. Então todo mundo ficou sabendo daquilo que já sabia! Se o jornal não desse, ia todo mundo ficar sabendo do mesmo jeito! Isso a gente se preocupava em fazer. Era o nosso estilo.
O Santa foi pioneiro em diversos aspectos. Como era inovar nos anos 1970/1980?
O Jornal de Santa Catarina tinha um equipamento de telefoto. Hoje você tira uma fotografia e manda pelo WhatsApp e ela está na minha mão em 30 segundos, ou menos. Aquele tempo eu fui nos Estados Unidos e comprei um telefoto. Quem tinha isso era o New York Times. O nosso concorrente estava em Florianópolis. Só que se um fato ocorria em Florianópolis às 16h, às 16h30min eu tinha a foto aqui. Tinha que revelar a foto, e depois mandar pelo telefoto. Era tipo um telex, um fax, e a foto vinha.
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Em 1980, o Santa começou a usar a cor azul nos títulos. Até então os jornais eram em preto e branco. De onde vinha a inspiração para estas novidades?
Isso (da cor azul) foi outra pessoa, nem me lembro, que olhou e disse: nós podemos fazer mais um pouco com essa máquina que nós temos. A gente testou e deu certo. Não chegamos às quatro cores. Quatro cores chegou depois. No meu tempo eu cheguei no máximo ao título azul.
O Santa também foi um jornal premiado.
Nós ganhamos dois prêmios Esso, que era a maior comenda do jornalismo brasileiro, uma coisa disputadíssima. Uma foi da enchente de 1983, quando o rio chegou a quase 18 metros*, e outra foi da matéria de uma polêmica na construção da Ponte do Salto. Quando houve a enchente de 1983, na Rua XV, onde hoje tem o HSBC, só passava de canoa. Mas o Santa, na Rua São Paulo, não pegou água. Naquela enchente não faltou luz. Mandei chamar os funcionários que tivessem como chegar à sede do jornal. Eles vinham pelo trilho da estrada de ferro. Fizemos matérias de bateira pela cidade. E sabe como os assinantes receberam o jornal? De bateira.
Qual será o futuro dos jornais impressos diante da internet?
Hoje ninguém ganha da internet. Estão todos migrando. Eu assino a Folha e o Estadão digital. Pronto! Eu saio pelo mundo e tenho tudo o que eu quero ler. Mas eu acho uma pena essa coisa de a internet estar se apropriando de tudo. Eu acho que hoje o Diário Catarinense é um jornal da região de Florianópolis, que ainda tenta ser um jornal estadual. O Jornal de Santa Catarina tem um comportamento, na minha opinião, absolutamente correto. Ele é um jornal regional. Ele pega de Itapema até aqui o Vale.
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Como você vê hoje a questão do denuncismo no jornalismo de hoje?
A denúncia é um fator primordial do jornalismo. Agora, tem que ser uma denúncia responsável. Não é simplesmente assim, o filho do cônsul tomou um porre, atropelou um cara e matou. Vamos ver até onde podemos chegar. Que mal nós podemos fazer à família dele? E hoje é diferente, hoje em dia ninguém está mais ligando para nada, porque ninguém mais sabe quem é quem.
Como o senhor compara a busca pela informação naquele tempo e hoje, em que a informação está em todo lugar?
Hoje você não vê eles (jornalistas) andarem atrás do furo. Eu, pessoalmente, ia para casa às 23h pensando na notícia que eu podia dar, na denúncia.
Se na época o negócio era o furo, qual é o negócio hoje? O que se quer do jornalismo?
Informação e análise. Você vê, essa Renata Lo Prete, da Globo News. Ela tem uma capacidade e uma competência para analisar o atual momento político que o dia que eu perco o jornal dela eu fico de mau humor. Ali tenho um comparativo do que está se passando.
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No início do Santa, o Brasil passou por momentos delicados, tanto politicamente quanto economicamente. O que o senhor vê de diferença na crise daquela época com a crise atual?
A crise atual é burra. A crise atual é ética. Naquele tempo havia um baita combate à ideologia do comunismo, e ela foi firme e foi forte. Não me cabe aqui dizer se acertou. Hoje, se a Petrobras quebrar, não é por falta de competência no mercado. É pela falta de ética do administrador. Porque roubaram, porque assaltaram. Vocês assistiram o dia do impeachment na Câmara? O que a gente tem aí de deputado nesse país? Essa é a crise do Brasil.
Nesses 15 anos à frente do Santa, o que mais lhe marcou?
Cada conquista. A enchente de Tubarão, em que se enterrou pessoas em vala comum. O Santa fez uma campanha social muito interessante, grandiosa. Por exemplo, os gerentes chegavam para mim e perguntavam: o que você quer a partir desse réveillon? Eu dizia: eu quero a diminuição das desigualdades sociais. E o Jornal de Santa Catarina ia lá e fazia matéria sobre isso e acho que a gente conseguia. Por exemplo, a fundação da Furb foi uma parceria. E eu tenho muito orgulho de ter sido fundador do Santa.