Um dos principais destinos de brasileiros em férias ou em busca do sonho de trabalhar nos Estados Unidos, recanto tranquilo escolhido por muitos americanos para viver depois da aposentadoria, a Flórida reúne ricos e pobres, nativos e imigrantes. Concentra o que o país tem de mais atraente, mas também o que tem de pior – criminalidade e desemprego. Por isso, é um microcosmo da América cindida ao meio nesta eleição. ZH mostra nesta reportagem por que a disputa por seus 29 delegados no colégio eleitoral virou uma batalha crucial para Barack Obama e Mitt Romney.
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Na 8th Street, também chamada Olga Guillot Way, centro de Little Havana, há um sofisticado café que mistura decoração cubana e espanhola. Nestes dias de início de novembro, no Casa Panza, apetitosas peças de pernil e coloridos copos de mojitos ganharam a companhia de bruxinhas, aranhas e outros adereços. É Halloween.
Filha de pais cubanos, a proprietária, Yadira Fernandez, 27 anos, morou na Espanha e há cinco deixou um dos epicentros da crise econômica europeia para viver com a mãe nos EUA. Jovem e cosmopolita, ela contradiz anos de comportamento eleitoral dessa parcela da população hispânica que se tornou decisiva no jogo eleitoral da Flórida.
– Apoio Obama – diz Yadira.
Enclave da oposição ao governo de Fidel Castro, Little Havana era, até poucos anos, um tradicional gueto republicano. Para os mais velhos, os democratas eram associados à esquerda, ao comunismo que deixaram na ilha do Caribe. Isso começou a mudar em 2008, quando os jovens, já desprendidos das amarras familiares presas à Revolução Cubana ou à invasão da Baía dos Porcos, foram atraídos pelas promessas de mudança de Obama. O democrata venceu John McCain em 2008 com 57% dos votos entre os hispânicos da Flórida.
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Roberto, que chega ao café, é um deles. Há 16 anos nos EUA, o cubano com cidadania americana integra a nova geração da família Rodriguez, que não herdou o comprometimento político dos pais com os republicanos.
– Não existe mais esta de todos os cubanos serem republicanos.
Os cubanos uniram-se a outros hispânicos – colombianos, porto-riquenhos, salvadorenhos – que votaram em Obama com a expectativa de que tirasse das profundezas da clandestinidade milhares de imigrantes ilegais.
O presidente democrata cumpriu parte das expectativas: a promessa de reduzir de três para um ano o intervalo em que os cubanos radicados nos Estados Unidos pudessem visitar seus parentes em Cuba. Yadira agora pode ver com mais frequência o pai, que ficou na ilha. Mas ela e Roberto ainda esperam a reforma na lei de imigração, um dos maiores fracassos admitidos pelo próprio Obama.
– Little Havana está mais bonita – tenta me convencer Yadira.
Tive mesmo esta impressão inicial, comparando o quadro atual ao de 2008, quando ZH esteve no bairro. Mas, deixando para trás as quatro quadras que formam o eixo turístico do local, é possível ver casas à venda, terrenos abandonados, bêbados e moradores de rua pelas calçadas. Há também muitos cartazes de políticos com sobrenome latino, evidência de que a comunidade está conquistando espaço na política. Mas a pobreza persiste. O índice de desemprego, que no país é de 7,9%, aqui chega a 9%.
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Um oceano ideológico
A Praça Maximo Gomez e o café de Yadira Fernandez ficam a menos de 300 metros de distância entre si. Um oceano ideológico. Na praça, reduto de aposentados aficionados por dominó, está a velha guarda dos cubanos.
– Obama é comunista – acusa Fernando, republicano de carteirinha.
Para o aposentado, Obama jogou os EUA na depressão econômica e uniu-se aos “muçulmanos”. Enquanto Yadira acha que o presidente democrata reduziu o abismo que havia nos anos Bush entre os EUA e o resto do planeta, Fernando acusa:
– Obama só fica pedindo desculpas ao mundo. De joelhos.
Por antagonismos como esses, de gerações, mas também de ideologia, a Flórida é um microcosmo do que ocorre no país. Nenhuma outra unidade da federação americana resume tamanha diversidade racial, social e cultural – além dos hispânicos, com diferentes origens e tendências, dos ricos de South Beach aos miseráveis de Liberty City, todo o Estado está dividido.
Em 2008, Obama venceu John McCain aqui por diferença de 2,4% pontos. Mas em 2010, os republicanos ganharam força com a eleição do senador americano-cubano Marco Rubio e do governador Rick Scott, com grande apoio do Tea Party. Não é à toa que a convenção republicana foi realizada em Tampa. Também não é à toa que o último debate entre Obama e Romney foi neste Estado.
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Aqui, Romney lidera entre os eleitores independentes (44% a 36%), homens (50% a 37%) e brancos (56% a 33%). Já Obama é o preferido das mulheres (45% a 44%) e hispânicos (42% a 40%) e tem ampla vantagem entre os negros: impressionantes 85% dos eleitores desse grupo declaram voto no presidente, enquanto apenas 3% dizem querer Romney no comando do país.
Dificilmente um candidato vencerá a eleição na terça-feira sem ganhar na Flórida. Contando-se que o democrata tenha 237 votos garantidos hoje no colégio eleitoral, se conquistasse os 29 delegados da Flórida, Romney precisaria vencer em todos os demais Estados indefinidos. Ou seja, a Flórida, para Obama, é muito importante no caminho da reeleição. Mas, para Romney, é questão de vida ou morte.
O fantasma de Miami-Dade
Ao circular pela periferia do condado de Miami-Dade num final de tarde, entre casas para alugar e raros cartazes de candidatos locais, você tem a impressão de que um fantasma está à espreita.
Foi neste naco de terra, um dos 67 condados da Flórida, que ocorreram os principais problemas na votação de 2000. As arcaicas cédulas, nas quais os eleitores perfuravam o local correspondente ao nome do candidato para marcar o voto, abriram uma batalha jurídica que deixou os EUA, por mais de um mês, sem saber quem seria o presidente.
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É esse fantasma que, a cada eleição, ronda Miami-Dade. As polêmicas cédulas ainda são usadas em alguns centros de votação dos EUA. Não em Miami-Dade. Há, porém, outros detalhes da votação que deixariam qualquer brasileiro, acostumado à urna eletrônica, surpreso. Para não dizer orgulhoso.
Em um dos centros de votação visitados por ZH, a votação é manual. O eleitor marca com um “X”a opção: presidente, deputados, senadores, representantes distritais. E ainda responde a perguntas de referendos, como se um determinado juiz deve ser mantido na Suprema Corte – ao todo, 39 perguntas.
Alé do atraso na apuração, esse tipo de processo abre margem para suspeitas. Principalmente em uma eleição como a de 2012, na qual cada voto poderáfazer muita diferença. A disputa acirrada aumenta os receios de que o duelo Obama x Romney não venha a ter um vencedor claro nas horas seguintes ao fechamento das urnas. Os dois lados já prepararam um batalhão de advogados, sobretudo em Ohio e Flóida.