Capital com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), Florianópolis passou a viver situações que contrastam com esse título, como postos de saúde sem remédios e longas listas de espera para exames, ou escolas e creches com telefones cortados por contas atrasadas de 2013 a 2016.

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Não é para menos. A cidade fechou o ano passado com um déficit de R$ 107,5 milhões, o terceiro consecutivo e o maior, em termos reais, desde 2002, quando começou a valer a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a contabilidade do município passou a ser consolidada. As contas de 2016 foram fechadas apenas no final de setembro deste ano.

Para chegar ao déficit recorde, a cidade vem, há anos, aumentando gastos sem que isso seja acompanhado de um incremento proporcional da arrecadação. Enquanto as despesas do município cresceram 21%, em termos reais, de 2013 a 2016, as receitas correntes aumentaram 9,21%. Na gestão de 2009 a 2012, o aumento foi de 18% e 13.7%, respectivamente. Ou seja, antes da crise já havia uma desproporção. Nesses últimos quatro anos, foi a segunda capital brasileira que mais elevou despesa, mas apenas a sexta que mais avançou em arrecadação.

— Não podemos afirmar ainda que houve um problema de gestão. Mas é algo que também não pode ser descartado — diz o diretor de controle de municípios do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC), Moisés Hoegenn.

As contas de Florianópolis referentes ao ano passado estão em análise na Corte.

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Repasses para a saúde encolhem

Do lado das despesas, a própria máquina pública é um dos grandes pesos nesta balança. Figura como o terceiro maior gasto, atrás de saúde e educação. Foram desembolsados, em 2016, R$ 289 milhões com a administração. Em quatro anos, essa despesa teve alta de 56%. Só não foi maior do que o aumento do gasto com Previdência, que inflou 58%.

A lista de cargos comissionados alcançava 600 nomes em 2016.

— O maior gasto é com folha. Quanto a isso, não há muito o que fazer, no máximo dá para não dar reajuste. Por outro lado, tem uma questão séria que são os cargos comissionados, que, além de tudo, reduzem muito a eficiência do governo — avalia o professor do departamento de Economia da Esag/Udesc Arlindo Rocha.

Enquanto o gasto com a administração cresceu dois dígitos, a saúde teve um aumento real de despesa de 2,92% entre 2013 e 2016. Foi o setor que mais sofreu. Nos últimos anos, os repasses para a pasta foram encolhendo. Em 2012, Florianópolis consumiu 21% da receita com saúde. Em 2016, foram de cerca de 16%.

Embora o Executivo tenha cumprido o mínimo definido pela Constituição Federal no ano passado _ repasse de 15% da receita para a Saúde _, na avaliação do vice-presidente do Conselho Municipal de Saúde, Marcos Pinar, a situação é crítica:

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— A rede veio crescendo e o orçamento diminuiu, é insustentável. Apesar de cumprir a lei, a Saúde em Florianópolis já gastou 21% em anos anteriores, caiu muito. Fizemos uma conferência em 2015 e propusemos um aumento gradual, de 2% ao ano. Não é uma coisa fora do normal, outras cidades gastam mais do que nós. Em Blumenau, o repasse para a saúde é de 25 a 30% da receita. Em Joinville, 30%.

O secretário municipal da Fazenda, Constâncio Maciel, garante que neste ano o mínimo constitucional será atingido, uma vez que até agosto a saúde havia recebido mais de 14% da receita. A meta é alcançar os 19%.

 

Arrecadação deficiente

Do lado da receita, a crise fez encolher a arrecadação. Mas o município também ficou décadas sem reajustar impostos ou mexer na forma de cobrança. O ex-prefeito Cesar Souza Jr. (PSD) acabou instituindo um aumento do IPTU, imposto que, segundo ele, não tinha reajuste desde 1997. A alteração, no entanto, ficou abaixo do proposto. Há que se considerar também o volume sonegado. IPTU e ISS são as principais fontes de receitas municipais.

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— Deveria ter dialogado mais para reestruturar a planta genérica do IPTU. Os grandes especuladores pagam pouco em relação ao cidadão médio — critica Cesar Souza Jr.

Em seu governo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) apurou irregularidades no recolhimento do imposto. No entanto, a investigação acabou enterrada.

Para o professor Arlindo Rocha, a cidade tem um histórico de gestores que deixaram de propor reajustes pequenos ao longo dos anos com medo da reação da sociedade.

— Aprovar aumento de imposto agora é uma coisa muito complicada. Mas o fato é que (os prefeitos) vieram empurrando com a barriga o reajuste, até porque politicamente é difícil conseguir apoio — diz.

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O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutor em Política Tributária, Pedro Humberto de Carvalo Jr., defende que o ciclo ideal de revisão da planta do imposto territorial seja a cada quatro ou cinco anos. E não é só uma questão de aumentar receita:

— Quando a planta fica um período longo sem atualização, algumas partes da cidade podem ter apreciado e outras, depreciado. Então pode gerar injustiça: contribuintes podem estar pagando muito alto para morar em áreas que desvalorizaram e outros pagando um valor baixo para áreas que se valorizaram.

Para o diretor de controle de municípios do TCE-SC, é preciso, antes de pensar em aumento de alíquotas, otimizar a capacidade arrecadatória, revisando cadastros, cobrando de quem de fato deve e de quem deveria estar pagando e não está.

A taxa de lixo é outro imbróglio na cidade. Hoje, grandes empreendimentos e residências pagam o mesmo, mas demandam, obviamente, serviços diferentes. O ex-secretário da Fazenda André Bazzo, último a ocupar a pasta na gestão Cesar Souza Jr., advogava em favor da mudança, mas aumentar taxas demanda apoio político.

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Segundo a atual gestão, “a prefeitura está discutindo e construindo com a sociedade uma nova forma de cobrança da taxa de resíduos sólidos”. A previsão é que se tenha, até março de 2018, uma nova proposta para a cobrança da taxa, com tempo hábil para tramitar na Câmara e passar a valer a partir de 2019. Quanto ao IPTU, a prefeitura prevê reajustes de acordo com a inflação.

Gestão corta gastos, mas não cumpre todas as promessas

Gean Loureiro (PMDB) assumiu a prefeitura de Florianópolis com um déficit recorde e um discurso de enxugamento de gastos. Distribuiu promessas e tomou medidas que fizeram barulho. Logo no começo do ano, aprovou um pacotão de mudanças que chegou a provocar a saída do seu então secretário de Cultura, Esportes e Juventude, o vereador Lela (PDT), que discordava das alterações.

Com mudanças substanciais, o pacote acabou indo adiante. As principais alterações aprovadas se referem ao plano de carreira de servidores públicos municipais, que teve limitações em licenças e gratificações. Também em nome do ajuste de contas, a atual gestão transformou a Comcap em autarquia.

A administração se envolveu recentemente em uma polêmica, quando se tornou público um documento assinado pelos presidentes do Conselho de Administração do Regime Próprio de Previdência dos servidores municipais. O relatório, com data de 28 de setembro, demonstra que a prefeitura descontou, em vários meses, o percentual da previdência dos funcionários sem o devido repasse. O Executivo nega que não tenha feito os depósitos patronais. O caso está sob análise do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Santa Catarina.

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A gestão da saúde também tem sido foco de críticas, por parte de vereadores da oposição e de entidades. Nos primeiros quatro meses do ano, a pasta recebeu cerca de 12% da receita municipal, e até o segundo quadrimestre pouco mais de 14%.

O secretário municipal da Fazenda, Constâncio Maciel, garante que o mínimo constitucional, de 15%, será cumprido até o final do ano com tranquilidade. A meta é chegar aos 19%.

Fazenda garante que não haverá déficit em 2017

A preocupação do Conselho Municipal de Saúde, no entanto, é que a rede vem crescendo e os repasses, encolhendo. Há cinco anos, a pasta recebia cerca de 21% da receita. No ano passado, foi pouco mais de 16%. Cidades maiores do Estado gastam mais. Blumenau, por exemplo, transferiu, 26,16% de sua receita para a Saúde em 2016.

Em meio a pacotes, polêmicas e promessas, o Executivo garante que as contas do município, ao final deste ano, fecharão no zero a zero, sem superávit, mas sem déficit. Para isso, vários esforços estão sendo feitos, afirma o secretário da Fazenda, especialmente para cortar despesas. Alguns desses ajustes foram parte da lista de promessas do prefeito, anunciada logo que assumiu a gestão.

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Ex-prefeito diz que assumiu com dívida de R$ 94 milhões

Responsável por gerir a cidade de 2013 a 2016, Cesar Souza Jr. (PSD), o atual secretário de Estado para Assuntos Estratégicos, foi questionado por possíveis erros de sua gestão. Defendeu-se ao dizer que assumiu a prefeitura com uma dívida auditada de R$ 94 milhões e que conseguiu reduzi-la.

“Paguei cada centavo do que herdei. Tudo. Conseguimos o Programa BID Educação, que avaliou a solvência da prefeitura, e nos deu nota positiva, tanto que aprovamos no Banco Central e no próprio BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O atual governo diz estar aprovando empréstimo de R$ 600 milhões para obras no BID. Alguém empresta essa fortuna para uma prefeitura quebrada? O que estão fazendo é, como diz o ditado, torturar os números para que eles confessem uma mentira”, disse Cesar Souza, por e-mail.

O ex-prefeito da Capital também afirma ter cortado cargos comissionados, reduzido o valor de contratos de serviços terceirizados e atualizado a planta de valores do IPTU e do ISS pago pelas construtoras.

O ex-chefe do executivo municipal diz que deveria ter dialogado mais para reestruturar a planta genérica do IPTU, defasada, segundo ele, desde 1997.

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Em resposta às declarações de Cesar Souza, a atual gestão da prefeitura negou fazer artimanhas contábeis.