Entre homicídios, latrocínios (roubos seguidos de mortes) e confrontos com a polícia, pelo menos 79 pessoas perderam a vida em 2016, em Florianópolis. A realidade aponta um quadro de escalada da violência na Capital em comparação com os últimos anos e desperta preocupação de promotores e juízes que atuam na área criminal.
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Os números são da Polícia Civil e Secretaria de Segurança Pública (SSP). A quantidade ainda será maior, pois houve mais duas mortes nos últimos dias que não foram contabilizadas nas estatísticas oficiais, no Morro do 25 (Agronômica) e na quarta-feira à tarde no bairro Capoeiras.
O levantamento da reportagem aponta o bairro Monte Cristo, na parte Continental, como o mais violento com 13 mortes este ano, segundo dados da Polícia Civil. Em média, a constatação diz ainda que a vítima em geral de crimes contra a vida este ano na Capital catarinense é homem, com faixa de idade entre 20 e 25 anos, foi morta em via pública e a grande maioria tinha passagem policial.
No Monte Cristo, conforme as autoridades, a explicação para a violência seria a disputa entre duas facções criminosas por território do tráfico de drogas. Ao andar pelo local e conversar com parentes de pessoas mortas este ano, a reportagem ouviu que inocentes também estão morrendo. Uma delas foi Ezaías de Jesus Silveira, 22 anos, morto em março em um tiroteio. Assim como o pai, ele trabalhava em uma serralheria. Ao ir para a casa, atiradores o viram no caminho e o confundiram com alvos que procuravam.
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Para os policiais da Delegacia de Homicídios, o cenário revela a banalização da vida em uma tendência nacional que afeta outras cidades pelo País. Entre promotores e juízes que atuam junto à Vara do Júri há preocupação com o crescimento da violência (leia entrevista abaixo do promotor Andrey Amorim).
O juiz da Vara do Tribunal do Júri, Marcelo Volpato, afirma que a quantidade de mortes assusta este ano e também se mostra preocupado com a efetividade dos processos vindos da Polícia Civil. Na avaliação dele e da promotoria, se houvesse mais policiais na Delegacia de Homicídios o resultado poderia ser melhor, tanto na quantidade de processos quanto na busca de provas. Com base em depoimentos obtidos em audiências, Volpato afirma que moradores das comunidades amedrontadas pela violência se dizem apavorados com a situação e que não encontram respaldo do poder público.
Em 2015, até 23 de novembro foram 43 homicídios, quatro latrocínios e oito mortes em confronto com a polícia, totalizando 55 mortes violentas. Entre 2013 e 2014, a quantidade de homicídios em Florianópolis também não ultrapassou 52 casos por ano.
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“Há um aumento considerável”
Entrevista: Andrey Cunha Amorim, promotor de Justiça
Há um surto de homicídios em Florianópolis?
Não diria um surto, mas há um aumento considerável, algumas causas e talvez a maior delas seja o tráfico de drogas, a disputa entre facções criminosas. Percebemos no MP que o tráfico é quase sempre o pano de fundo da maior parte dos homicídios na Capital.
No Monte Cristo e morros do maciço os números ficam muito evidentes. O que acontece nesses locais?
No Monte Cristo é briga entre facções rivais, a própria topografia, geografia do lugar, a dificuldade de acesso da polícia, a falta do Estado naquela determinada região são causas que fazem com que os crimes dolosos contra a vida proliferem.
O que o poder público tem que fazer ou tinha que ter feito para que não houvesse esse domínio das facções?
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Sempre defendi a ideia que segurança pública não se combate apenas com mais policiais. O aumento da criminalidade se deve a um número grande de fatores: falta de educação, saúde, das condições básicas das pessoas. É preciso que haja repressão do aparato policial e ocupação do Estado nesses serviços. Há lugares em que oficiais de Justiça que fazem intimação às pessoas se negam a ir (em razão do domínio do crime).
Quais os riscos para a cidade e à população ocasionados por uma guerra de facções?
Em primeiro momento a pessoa pode pensar assim: ‘é briga de facções, eu tô longe disso’. Mas esse raciocínio não é correto. Primeiro porque vai haver uma dominação de uma facção sobre a outra. Segundo, a condição de o crime naquela região venceu o próprio Estado e o Estado não pode permitir uma onda de violência e criminalidade como essa, sob pena de daqui a pouco nós não podermos andar na cidade. A facção resolve explodir ônibus, fechar estabelecimentos comerciais. O Estado tem que dar resposta rigorosa para combater e prevenir.
Há inocentes que podem ser vítimas?
Muitos. Esse ano mesmo fizemos julgamento que isso ficou evidente. As pessoas que entregam informação à polícia muitas vezes são punidas com a morte nessas comunidades. Num morro próximo do Fórum (Mariquinha), por uma denúncia inconsistente de eventual estupro, uma pessoa foi condenada à morte pela facção e foi assassinada. O número de inocentes que venha a ser vítima desses crimes é relativamente grande.
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Há relatos que a Delegacia de Homicídios tem hoje estrutura menor a de anos atrás. O senhor acredita que está havendo mais dificuldade da polícia em investigar esses casos?
Os números mostram. Embora tenha havido um agigantamento do número de homicídios, houve proporcionalmente uma diminuição da solução do número de homicídios e as razões são várias, a precariedade do policial, a prova dá mais trabalho. É muito comum que aconteça um homicídio em plena luz do dia em Florianópolis e ninguém vê nada. Ou seja, a prova testemunhal está prejudicada. É preciso que a polícia lance mão de outros meios de prova, mais precisos até, para fazer a prova e descobrir a autoria desses crimes.
Violência atinge oficiais de Justiça
Oficiais de Justiça estão sentindo no dia a dia o tamanho dos efeitos da violência imposta por criminosos nas comunidades onde há ação de traficantes. Um servidor foi baleado na perna no Monte Cristo, outros ameaçados de morte com arma apontada para o peito e cabeça. Eles também são revistados por traficantes na chegada aos lugares mapeados como sendo críticas pela Polícia Militar, incluindo morros do Maciço e norte da Ilha.
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Em razão da ação dos criminosos, afirmam atuar com medo na entrega das intimações e muitas vezes adotam o caminho de volta sem entregá-las para garantir a própria segurança.
Vidas perdidas
Boa parte dos assassinatos este ano teve como motivação algum tipo de desavença, disputa ou vingança relacionada ao tráfico. Mas também houve vidas perdidas por outras razões e alguns crimes que tiveram repercussão pelas circunstâncias, lugares ou a forma trágica da violência nas comunidades.
O vendedor ambulante Jadson da Silva Pereira foi morto em plena tarde de janeiro na praia da Lagoinha, norte da Ilha, após uma briga, expondo a violência a quem frequentava o local. Ex-cidadão-samba da Consulado, Edemar da Costa Pereira, o Ninho do Pandeiro, 37 anos, morreu na Ilha-Continente (Maloca) com dez tiros de pistola.
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Um dos crimes mais revoltantes teve como vítima o estudante de direito e segurança Camilo Cabral Barboza, 28, torturado e morto no Morro da Mariquinha, área central de Florianópolis, em fevereiro deste ano. Camilo foi cruelmente assassinado após uma sessão de tortura, julgado e condenado a morte pelo poder do tráfico local depois de uma falsa acusação de que teria molestado sexualmente uma menina filha de uma vizinha, que foi presa. Ele foi jogado de um precipício.
Na denúncia criminal contra os acusados, o promotor Andrey Cunha Amorim fez duras críticas à segurança na Capital: “A presente denúncia infelizmente é fruto da angústia pela qual atravessa a segurança pública da nossa cidade, refletindo de certa forma a falta de soberania do Estado em determinadas regiões carentes”.
Com mais de 20 anos de profissão, casado, pai de dois filhos, o vigilante de carro-forte Éder James Correa da Silveira, 52 anos, perdeu a vida no trabalho: foi baleado por assaltantes em um ataque ao blindado, ao lado de um supermercado na Agronômica, em uma lateral da Avenida Beira-Mar Norte.
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Na Barra da Lagoa, em março, o assassinato da comerciante Eliana Borges dos Santos, 56 anos, morta a facadas pelo ex-namorado, causou comoção. Ela havia registrado três boletins de ocorrência contra o homem.
Priscyla Borges Barcellos, 37 anos, foi outra vítima de um crime bárbaro: morreu degolada pelo marido, Luciano Costa Barbosa, que a manteve em cárcere privado na casa do casal, no Campeche, em abril. Outra vítima foi o agente penitenciário Misael Baruffi morreu nos Ingleses por atiradores após uma colisão de trânsito.
O maquiador Norival Cardoso de Almeida, de 69 anos, foi assassinado em maio no Sertão do Ribeirão por homens que o assaltaram e levaram o cartão do banco.
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O que disse a Secretaria de Segurança Pública:
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP)disse que Florianópolis está em um grupo de 16 cidades com incidência de mais de dez casos de homicídios no Estado e que a Capital teve 68 registros até 23 de novembro, o que representa 25 casos a mais em relação ao mesmo período de 2015. Afirma que os casos decorrentes de confronto policial são tabulados à parte dos registros de homicídios e em relação a latrocínios, que a Capital registra até agora três casos, o que é menos do que no mesmo período de 2015 (4) e 2014 (5).
Para a SSP, a taxa de homicídios em Florianópolis está em 14,2 por grupo de 100 mil habitante e embora configure nível de ¿problema¿ não pode ser considerada ¿alarmante¿.
“Toda a estrutura da segurança pública em Florianópolis segue desenvolvendo os seus trabalhos com muito empenho, dedicação e competência. Casos graves e de grande repercussão recebem prioridade para esclarecimento e conclusão, o combate ao tráfico de drogas está sendo forte, as investigações criminais estão mais ágeis, há operações policiais regularmente, o nível de integração entre as forças é bastante positivo e os resultados visando estabilização e redução de indicadores criminais são perseguidos permanentemente”.
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Sobre a diminuição do efetivo na Delegacia de Homicídios da Capital, a SSP considera circunstância normal e episódica decorrente principalmente de pedidos de aposentadorias, mas que a Delegacia Geral fará as gestões necessárias para selecionar efetivo para as funções ao longo de 2017. Quanto à motivação dos crimes, afirma que são por disputas e desavenças entre integrantes de facções, principalmente por questões ligadas ao tráfico de drogas.