Quando o haitiano Alexis Luckson, de 23 anos, chegou a Florianópolis no segundo semestre de 2015, ele não sabia onde ia morar. Sem amigos ou familiares por perto, manteve-se no abrigo improvisado no ginásio do Figueirense, usado pela prefeitura municipal para acolher os imigrantes caribenhos, que começavam a vir em maior escala durante aquele ano. Desempregado, o jovem filho de agricultores não tinha mais a quem recorrer. O poder público apenas lhe fornecia moradia e alimentação temporária.
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A ajuda veio da associação Kay Pa Nou, entidade que atua no acolhimento de haitianos na região da Grande Florianópolis, onde vivem cerca de 8 mil imigrantes do Haiti, segundo a Secretaria de Estado da Assistência Social. O fundador do grupo, Cherry Clarens, certo dia telefonou para a pessoa que poderia fornecer um quarto a Alexis, de graça, enquanto este ainda procurava emprego para conseguir pagar o aluguel.
Foi assim que a servidora aposentada da UFSC Angela Olinda Dalri recebeu mais um morador na casa localizada no bairro Carvoeira, onde também vivem outros 15 haitianos, alguns em situação semelhante ao de Alexis, que há poucos dias sofreu outro revés: perdeu a carteira de trabalho e agora enfrenta dificuldade para regularizar sua situação no Brasil e encontrar um posto de trabalho.
Alexis não é o primeiro haitiano que dependeu de uma rede atuante, mas dispersa entre iniciativas públicas, privadas e pessoais (como o de Angela), para encontrar moradia e resolver outros problemas como o desemprego. Diante disso, os governos federal, estadual e municipal formalizam nesta terça-feira (dia 12 de janeiro, quando o terremoto que devastou parte do Haiti completou seis anos) a criação do Centro de Referência e Acolhimento dos Imigrantes e Refugiados, cujo objetivo será centralizar num único local físico, em Florianópolis, as equipes que farão atendimento ao imigrante recém-chegado, ajudando-o a solucionar questões como moradia e trabalho, por exemplo. Atualmente, além das entidades como a Kay Pa Nou, os haitianos também procuram a Pastoral do Imigrante para obter auxílio.
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O convênio prevê a aplicação de R$ 1,058 milhão a serem usados nos próximos 24 meses para a instalação do Centro. Deste montante, R$ 1 milhão advém do governo federal e o restante fica como contrapartida do Estado. Os próximos passos são a abertura de um edital para a contratação de profissionais e a locação de uma sede no centro de Florianópolis.
O secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, esteve presente na assinatura do convênio e disse que o Centro de Referência de SC será o segundo do país – o primeiro está localizado em São Paulo. Adiantou que o terceiro está previsto para ser criado no Rio Grande do Sul.
– O Centro tem por objetivo prover acolhida, como casa de passagem, aos imigrantes e refugiados e garantir referências e informações sobre serviços públicos para eles. Lá eles poderão contar com apoio de funcionários especializados na área jurídica, social e psicológica – disse o secretário.
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Como lidar com as diferenças culturais?
Angela Olinda Dalri desde 2008 ajuda crianças carentes com moradia e alimentação em Florianópolis. Ano passado, após receber um pedido de ajuda da Pastoral do Migrante, que tentava resolver a situação do grande número de recém-chegados abrigados temporariamente no ginásio Capoeirão, recebeu também oito imigrantes haitianos num imóvel sob sua administração no bairro Carvoeira. Hoje este número já chegou a 16.
– Nem todos pagam aluguel, só aqueles que trabalham. Contamos também com doações de alimentos. Uma padaria da região fornece pães, mas eles não gostam do pão de trigo, por exemplo. Outra pessoa doa comida, mas nunca preparada. Os haitianos preferem cozinhar seu próprio alimento, com seus próprios temperos, que é bem diferente do nosso – explica Angela, que vez ou outra precisa lidar com este tipo de diversidade cultural.
Um dos objetivos anunciados com a criação do Centro de Referência na Capital é justamente facilitar a comunicação entre brasileiros e imigrantes no sentido de facilitar a compreensão de costumes diferentes. A gerente de políticas públicas da Secretaria de Estado de Assistência Social, Ivone Maria Perassa, afirma que a unidade não receberá só quem vem de fora, mas também brasileiros que lidam com imigrantes.
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– Empresas que contratam haitianos, por exemplo, precisam se informar dos costumes desse povo, bem como os grupos que atuam nessa área. Isso tende a facilitar o processo de adaptação que envolve a todos – disse a gerente.