À flor da pele é uma expressão usada como metáfora para quando as sensações e emoções superam a razão. Tem o sentido literal também: imagine ampliar em 200% o sentido do tato, da visão, da audição? Pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tendem a ter hipersensibilidade e por isso atividades de lazer rotineiras, como ir ao cinema ou a um parque de diversões, por exemplo, podem ser estimulantes demais. Um som que para alguém passa despercebido, para o autista pode causar até dor física.

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Desde setembro, Florianópolis se junta a outras cidades do país, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, com sessões de cinema exclusivas para pessoas com TEA e outras deficiências, a Sessão Azul. Durante as exibições, a sala fica mais iluminada e o volume é mais baixo que o usual. A experiência é emocionante: pode levantar, pular, correr, gritar. Tudo é permitido. No penúltimo sábado de outubro, na segunda edição do projeto na Capital, as cerca de 50 pessoas que assistiram à animação As Aventuras do Capitão Cueca no Cinemark do Floripa Shopping se sentiram acolhidas e, o principal, livres para se expressar sem a preocupação de julgamentos.

– Como mãe, a gente sonha em ter um lazer com os filhos, igual a todo mundo. Em razão da hipersensibilidade, lugares que têm muito estímulo podem provocar uma crise. E nem todo mundo conhece. Tem gente que acha que é birra, criança mal educada, que o pai não dá limite. E a gente acaba passando por constrangimento – diz Dayane Francine Schwitzer, 28 anos.

Dayane teve o filho Leonardo, de 8 anos, diagnosticado com TEA ao dois anos e meio. Hoje, como mãe e alguém que dedica a vida ao cuidado e à pesquisa sobre educação especial, ela defende a importância da inclusão:

– Muitas mães entram em depressão porque acabam se isolando. A gente recebe um bloqueio da sociedade. E é essencial para a criança o envolvimento com outras da mesma idade, a troca de experiências, o passeio em ambientes novos como todo mundo gosta. No cinema adaptado, os responsáveis sabem que podem levar o filho. Ele não irá se sentir incomodado, e caso isso ocorra, vai ter alguém para nos acolher. E se por acaso alguns dos filhos tiver uma crise nervosa, a gente sabe que todo mundo vai entender e ficaremos em paz sabendo que não seremos julgados – desabafa.

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Projeto foi criado depois de petição online

A implantação do projeto em Florianópolis foi graças à iniciativa da designer Carine Amidianski, mãe do Pedro Amidianski Haensel, de 4 anos. Ela criou uma petição online que teve grande repercussão em Santa Catarina.

O pedido foi atendido por um cinema da Capital. O objetivo principal é que as sessões funcionem como uma extensão ao trabalho terapêutico realizado em crianças com TEA, e aumentem o engajamento dos pais no processo de tratamento e a adaptação dos pequenos a novos ambientes.

– As crianças podem se expressar, caminhar pela sala, ir até o telão. Tudo que eles precisam é de acolhimento. E lembrando que é um projeto aberto a todas as pessoas com alguma deficiência – diz Andrea Monteiro, 50 anos, diretora da ONG Autonomia, instituição que acolhe famílias de pessoas com TEA e outras necessidades especiais e é parceira da Sessão Azul na Capital.

Carine Amidianski, mãe de Pedro, criou abaixo-assinado que deu origem à iniciativa na capital de SC
Carine Amidianski, mãe de Pedro, criou abaixo-assinado que deu origem à iniciativa na capital de SC (Foto: Diorgenes Pandini / Diario Catarinense)

Entre os espectadores mais risonhos da última edição, estava Milton Almeida, 46 anos. Ele tem Transtorno do Espectro Autista e é famoso na cidade pelo trabalho como músico. Pedro Henrique Leite Cortez, 12 anos, curtiu a sessão com o pai e o irmão. Ele tem síndrome de down e ficou superconcentrado no filme, embora tenha gastado toda a energia correndo pelos corredores do cinema antes da obra começar.

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— O Pedro tinha medo da sala escura e som alto e fazia até xixi na calça. Começamos a trabalhar isso. Mas não dá para segurar muito. Eles prestam atenção por um tempo e depois já querem levantar. Na Sessão Azul, levantou, dançou na frente. Tudo o que em tese não se pode fazer num cinema comum – diz o engenheiro Carlos Eduardo Cortez, 50 anos, pai do Pedro.

A proposta

O projeto começou em 2015 no Rio de Janeiro, graças a uma iniciativa de duas psicólogas, Carolina Salviano de Figueiredo e Bruna Manta, e do gerente de projetos, Leonardo Bittencourt Cardoso, que perceberam durante atendimentos que muitas famílias, de tanto se dedicarem aos filhos com TEA, perderam hábitos de lazer. Tudo isso por medo de serem julgadas em razão de um comportamento que não é socialmente aceito. Hoje as Sessões Azuis ocorrem em cinemas no Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Vila Velha, Goiânia e Brasília. Em Florianópolis, ocorre uma vez por mês. As próximas edições estão programadas para 11 de novembro e 9 de dezembro.

Transtorno do Espectro Autista

De acordo com o Manual de Saúde Mental (DSM-5), o autismo e todos os distúrbios, incluindo o transtorno autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado (PDD-NOS) e Síndrome de Asperger, fundiram-se em um único diagnóstico chamado Transtornos do Espectro Autista, o TEA.

De acordo com a psicóloga Carolina Salviano de Figueiredo, as três principais características são:

1. Dificuldade na comunicação

2. Interações sociais são alterados

3. Comportamentos repetitivos, que pode ser também no campo das ideias e não apenas motor

Serviço:

O quê: Sessão Azul

Quando: próximas edições em 11/11 e 9/12

Horário: 11h

Onde: Floripa Shopping (Rod. SC-401, Saco Grande)