O secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano de Florianópolis, Michel Mittmann, diz que a revisão do Plano Diretor proposta pela prefeitura, processo no qual ele aparece à frente, pretende corrigir um modelo de cidade falido. O município cresce com construções irregulares e em bairros espalhados, o que o plano hoje em vigor, com confusões jurídicas, não consegue conter, segundo ele. 

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Em entrevista ao Hora de Santa Catarina, Mittmann afirma que a solução para lidar com o problema é promover o que urbanistas chamam de novas centralidades.

Para isso, a gestão Topázio Neto (PSD) propõe incentivar a construção de prédios de uso misto, que sirvam para moradia e atividades econômicas, e com dois pavimentos a mais do que hoje é permitido em ruas de maior circulação de transporte público. Bairros pouco diversos passariam a ter centros próprios mais adensados e com maior oferta de serviços, o que desafogaria o trânsito que sempre busca a região central da Ilha.

Isso se daria mediante um mecanismo chamado de outorga onerosa, que permitiria prédios mais altos ao mesmo tempo em que exigiria contrapartidas para o município.

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A ideia é a única que ganhou maior detalhamento até aqui da prefeitura, que é criticada por só ter divulgado diretrizes e não ter levado uma minuta para ser debatida nas audiências púbicas — a prefeitura confirmou na sexta-feira (22) que fará um evento aberto à população para apresentar o texto completo.

Mittmann rebate, além dessas contestações, as que colocam como fundamental corrigir problemas de infraestrutura, como de saneamento básico, antes de tratar de adensamento e verticalização, termo que ele diz não caber à proposta da prefeitura.

A diretriz sugerida de promover centralidades mediante incentivos a construtores vai deixar mais barato corrigos problemas históricos, segundo o secretário.

Confira a íntegra da entrevista

Qual balanço a prefeitura faz das audiências públicas até aqui?

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Até o momento tivemos bastante participação, com um expressivo número de falas. Muitas delas se repetem, de atores que vão em diferentes audiências. Mas isso também não é problema. Pelo contrário, é salutar. A gente tem que conseguir pelo menos transmitir a mensagem da necessidade de mudança do plano diretor. Isso é unânime.

O plano diretor atual apresenta evidências de que precisa mudar, para atender diferentes necessidades. E estamos ouvindo elas das comunidades, não só nas audiências, mas também com a consulta pública. Isso vai ser avaliado pela equipe técnica, para, aí sim, compormos a proposta de revisão do plano diretor. 

Surgiu algo nas audiências e na consulta que não estava nas diretrizes da prefeitura e que vai ser acolhido?

Na realidade, os temas que surgem são evidências de que nós precisamos melhorar o atual plano diretor. Por exemplo, um dos itens mais falados é a questão da infraestrutura, especialmente o saneamento básico, a rede de esgoto. Embora não seja atribuição específica do plano diretor, já que existe um plano de saneamento e um serviço a ser cumprido, ele dá diretrizes para que possamos ter melhorias.

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Nós não podemos tapar o sol com a peneira e achar que o modelo atual, de uma ocupação irregular, vai resolver o problema do esgoto, pelo contrário. Quanto mais regularidade a gente trazer, mais infraestrutura e mais adequação do território vai ser feita. O que nós não podemos ficar é amarrados ao modelo de passado, que comprovadamente não deu certo e não está trazendo a infraestrutura que as comunidades necessitam.

O senhor avançou sobre a questão do saneamento básico e da infraestrutura, era algo sobre o que eu queria perguntar…

Mas eu te dou um outro bônus. Existe a falsa percepção de que a solução da mobilidade vai se resolver ao não se permitir que a gente tenha centralidades, pelo contrário. Isso é outra evidência de que o modelo atual está falido. Ele só joga todas as demandas para as áreas centrais, gerando um movimento de milhares de pessoas todos os dias, se deslocando na cidade e gerando problemas de mobilidade.

Então é falso o discurso de que organizar as centralidades vai piorar a mobilidade dos bairros, pelo contrário. Vai favorecer o morador a resolver várias atividades dentro do bairro. A própria pandemia trouxe novos modelos de trabalho, online por exemplo. As pessoas estão ficando nos bairros, mas elas não encontram os serviços. Até para compras do dia a dia, comprar pão e leite, o morador depende do uso do automóvel. 

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Claro, não se muda uma cidade do dia para a noite, mas a gente tem que começar a caminhar para um planejamento, para uma cidade sustentável, organizando centralidades em escalas adequadas, para que a gente mude o panorama de deslocamentos gerais e também tenha uma articulação com a região metropolitana. 

Quais são as garantias de que essa verticalização e esse adensamento vão ser acompanhados de melhorias na infraestrutura, de que vai haver, por exemplo, água para um maior volume de moradores em uma região?

Eu vou responder ao contrário. A gente não está prevendo um maior número de moradores em uma região, a gente está absorvendo a tendência natural do crescimento. Ou seja, esses moradores, querendo ou não, eles vão ocupar essas regiões, já estão ocupando elas. Senão, a gente não teria problemas, não é? O que acontece é que a gente construiu bairros que vão se expandindo a cada ano de forma irregular, e a conta fica mais cara exatamente por ser irregular, por não ser organizado.

Então a gente precisa criar as condições de uma regularidade maior. Aí sim, com essa regularidade, a gente pode ter contrapartidas de investimentos em melhorias em infraestrutura. O que acontece é que não dá para se enganar. Não dá para achar que as coisas não vão acontecer só se a gente dizer ‘aqui não pode’. Senão não teríamos problemas de esgoto, de água, de falta de luz, ou de mobilidade e infraestrutura.

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A cidade irregular e espalhada tem cobrado o seu preço. A gente precisa trazer mais gente para a regularidade, buscar mecanismos eficientes de redução de preços de imóveis. Isso pode ser feito através de instrumentos de controle, de gestão, e isso pode ser revertido para habitação social, por exemplo.

Contrapartidas que o bairro precisa podem vir dessa conta de investimento imobiliário, o que a gente não vai ter se os bairros continuarem se expandindo do jeito que está, fora de qualquer organização e de forma completamente irregular. Vai ficar mais caro levar o esgoto para essas regiões, botar as ruas, levar o transporte. O que a gente quer é trazer para o modelo mais sustentável, ou seja, não há saída para a cidade sem integrar a noção de centralidade dos lugares. 

O próprio prefeito Topázio chegou a falar nas audiências da dificuldade de pôr em prática a fiscalização, que é inviável cobrir toda a cidade. A prefeitura vai conseguir, com esse plano revisto, fiscalizar as contrapartidas que ela estabelece, exigidas dos edifícios que teriam mais pavimentos?

Se a gente parte do princípio de regularidade, a gente já começa bem, porque aí existe um procedimento, um processo. Os edifícios que são aprovados passam por um processo bastante complexo para isso — que, inclusive, temos que simplificar, é uma necessidade para que mais gente venha procurar a construção regular.

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O que nós não conseguimos ter é o controle sobre o irregular, porque todo dia pipocam de 30 a 50 unidades, ou mais, sendo construídas. Não somos nem notificados ou não passa por nosso processo de controle.

Agora, se é um processo regular, ele vai ter que atender as demandas que estão estabelecidas de infraestrutura e outros elementos. Ou seja, a irregularidade e a promoção deste modelo baseado em não alterar, porque acha que o bairro não vai crescer, é uma ilusão que vai cobrar o preço de cada morador que está insistindo nesse modelo fracassado. E a conta vai ficando pior. 

Então só vai existir fiscalização se nós conseguirmos reduzir a carga de trabalho, saber que o que é feito está dentro de um processo legal. E a gente tem absoluta confiança nos técnicos da prefeitura, que fazem um papel excelente no controle daquilo que é protocolado e é colocado para avaliação. O que acontece é que 90% das coisas não passam pela mão da prefeitura, só chegam quando o fato está consumado, ou seja, na hora de demolir, aí é tarde demais, né? 

A prefeitura fala muito sobre a insegurança jurídica do atual plano e de que ele tem diretrizes que não estão necessariamente acompanhadas de instruções para serem colocadas em prática. O senhor pode dar exemplos que evidenciem isso?

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A gente tem insegurança jurídica em várias situações, tem dispositivos que se contradizem. Uma das coisas mais comuns que temos é o cidadão nos procurar por conta de um sistema viário, de uma rua que está prevista no mapa, mas que é evidente não vai acontecer, ou que pode ser construída em outros caminhos. Não existe segurança jurídica para o nosso técnico reorganizar aquela via, porque ela está cravada na pedra da lei como algo que sugere uma obrigatoriedade.

Então a gente precisa criar mecanismos que permitam essa liberdade técnica, para que possa dar segurança ao cidadão sobre sua propriedade. Existem delimitações, por exemplo, de áreas verdes de lazer em áreas privadas. É um erro evidente. E a gente não tem um instrumento específico que permita a adequação, baseado em análise técnica, análise de domínio, de quem realmente é o proprietário da área. Isso pode ser corrigido criando um instrumento dentro do plano diretor.

São exemplos de conflitos jurídicos que a gente lida quase que todo dia, o cidadão sai daqui sem uma resposta, sem um direito garantido, porque a gente fica de mãos amarradas ou dependendo de elementos judiciais de outros esferas, que são demorados.

Pode dar também exemplos de quais empreendimentos ou equipamentos públicos poderiam ser construídos com esse plano revisado?

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A gente vai conceder o direito de construção a mais do que o que o índice permite, a outorga, a partir de uma troca. Um exemplo: se a gente precisar de espaço em frente a um terreno, em vez de desapropriar, colocar dinheiro, a gente diz contrário: ‘tu constrói naquela área com um bônus, um prêmio, mas abre espaço para algo que seja bom para o bairro’. É um espaço público que pode servir para melhorar a mobilidade, para criar uma praça, para ampliar o passeio, para criar conexões entre vias. 

Isso pode servir para um bairro que não tem áreas para criar uma creche ou um hospital. Se isso é uma necessidade daquela região, a gente pode esperar a Reurb [Regularização Fundiária Urbana], que pode demorar a criar essas áreas, porque ali é tudo irregular, e essa conta continua, ou a gente pode adequar a lei para que novos loteamentos sejam gerados, para que se crie essas áreas de forma mais rápida. 

Se uma comunidade entende que há necessidade de criar essa área, por que não pegar um pouco da outorga para garantir essas áreas ou permutas de troca? Então a ideia é fazer essas trocas inteligentes, para que a gente possa conquistar mais espaço na cidade, para ter os equipamentos necessários.  

Uma outra situação que está prevista no plano diretor hoje é o fomento ao desenvolvimento econômico dos bairros mediante trocas de incentivos de índice, de gabarito, de taxa de ocupação. Então se, por exemplo, a comunidade do norte da ilha, lá na Cachoeira, identifica que falta algum hospital, até mesmo privado, que está tentando construir, mas é não viabilizado porque existem problemas de zoneamento ou de índice, essa edificação, ela tem que ser incentivada a acontecer lá.

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Ela pode receber incentivos contributivos para que essa conta feche e atenda o cidadão também. Então isso é um outro exemplo de contrapartida em equipamentos que podem beneficiar a comunidade. 

Queria voltar um pouco às audiências. Há uma crítica comum sobre não ter sido disponibilizada uma minuta até aqui. Só foram colocadas as diretrizes e se avançou um pouco mais nesses incentivos para promover a verticalização e novas centralidades…

Não, vamos trocar o termo. Eu não vou admitir chamar de verticalização um lugar que sai de dois para quatro pavimentos, que é um modelo de cidade bastante afável, ou até de seis pavimentos.

Isso é um erro conceitual e grosseiro que a imprensa não pode levar para frente. Isso não é verticalização, verticalização é outra coisa. Isso é reordenamento territorial e ocupação mais inteligente do território, em escalas bastante humanizadas e coerentes.

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Tudo bem, mas ainda sobre as críticas de só terem sido divulgadas diretrizes nas audiências…

Esse é o processo adequado e mais coerente de construção. Nós já colocamos, no passado, estratégias iniciais em uma minuta para fazermos a discussão e fomos criticados por isso. Agora que queremos colher mais informações para compor uma minuta, também somos criticados. 

Então me parece ser crítica de quem só quer barra o procedimento. Se essas pessoas têm tanto a colaborar, que coloquem suas ideias, falta colocarem ideias. Senão só fica o não pelo não, só uma discussão sobre um processo que a gente entende que está sendo conduzido de forma adequada, inclusive com o monitoramento e a parceria do Ministério Público. 

Mas uma vez consolidada essa minuta da proposta de revisão, ela volta a ser apresentada em uma nova audiência? Quando ela será consolidada?

A gente vai pegar todas as contribuições, vai organizar por tema, por demanda, ver se é pertinente ou não. Às vezes, a pessoa faz uma sugestão para uma área, mas a solução está em outro campo. ‘Meu problema é o trânsito, a mobilidade.’ Às vezes, a solução se encontra em outros instrumentos, em um plano de mobilidade, embora esse seja um plano de gestão territorial vinculado a ações futuras de mobilidade.

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Isso tudo vai ser tabelado e vai ser apresentado a toda a sociedade no momento em que conseguirmos terminar a compilação, somente depois da última participação na consulta pública, que acaba em 12 de agosto. A gente ainda vai ter bastante trabalho para compilar e produzir a minuta.

Ela vai ser apresentada no Conselho da Cidade, que é um fórum legítimo e fundamental, onde novamente o cidadão vai poder participar, observando a minuta apresentada e também acionando a representação do conselho, seja ela da parte municipal ou dos representantes comunitários, das representações de entidades. O Conselho vai apreciar a minuta, vai propor melhorias, e ali a participação cidadã vai constar de novo. 

E depois disso, ainda tem a instância da Câmara de Vereadores, que é representação legitima do população. Ela elegeu esses vereadores, que, conforme acreditamos, vão ter a maturidade de envolver novamente a população se for o caso.  

Existe hoje um cronograma até o fim da consulta pública. Existe algo para além disso, a prefeitura já trabalha com um prazo para quando quer entregar?

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Fica difícil determinar isso porque a gente depende do volume de informações que ainda virá da população, porque temos que medir, avaliar e classificar isso. 

Então vai existir o tempo hábil para ser considerado de fato tudo o que foi dito nessas audiências?

A gente não pode se imiscuir do prazo do Conselho. Ele vai ter o seu tempo, e a Câmara terá dela, assim como teremos o nosso. A gente tem um compromisso de ser rápido e assertivo.

O senhor mencionou a questão da mobilidade. O Estatuto da Cidade fala da obrigatoriedade de existir um plano focado nisso. Ele vai existir?

As diretrizes do plano diretor tem princípios baseados no transporte sustentável, na formação de centralidade, na reorganização dos bairros, tudo isso afeta diretamente a mobilidade. A partir dessas premissas, estamos trabalhando em paralelo na reavaliação do nosso plano de mobilidade e em consonância com o que prega o Plamus [Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis]. Agora, como é que a gente vai trabalhar um plano de mobilidade sem dar esse passo de organização das centralidades? Eu não consigo alterar e promover eficiência de mobilidade se não organizar o território a partir dos usos e da ocupação. 

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O senhor entende que é algo equivalente a questão do saneamento, que viria depois?

É primordial que o plano diretor incorpore uma revisão, sob a pena de não permitir a possibilidade de resolver a mobilidade nesta cidade. Ou vai tentar se empurrar um plano de mobilidade impraticável. Não se mudará a cidade se não mudarmos um pouco os bairros, deixarmos eles mais inclusivos, para mais pessoas, com mais oportunidades econômicas neles. Sem isso, o plano de mobilidade fica afetado.

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