O momento que enfrentamos serve também para refletir sobre a política habitacional, sobretudo para as famílias de baixa renda, das quais muitas são empurradas para construções clandestinas, ocupações irregulares ou em situação de risco. Estima-se que o déficit seja de cerca de 17 mil unidades.
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Um dos exemplos do perigo a que estão expostos os mais vulneráveis foi o que aconteceu com a família Lopes Machado. A mesma chuva que provocou o desastre ambiental na Lagoa da Conceição também fez com que Amauri, 53 anos, e o filho Victor Lopes Machado, 17 anos, sofressem um golpe.
Na tarde do dia 24 de janeiro, um dia antes da barragem na Lagoa da Conceição alagar uma parte do bairro, um deslizamento causado pelo grande volume de chuva atingiu o local onde a mãe e a irmã de Victor estavam. Ana Cristina Machado Lopes, 49 anos, e Letícia Lopes Machado, 21, morreram dentro de casa, no bairro Saco Grande. Amauri estava separado da ex-mulher, mas mantinha uma relação próxima com ela e com os filhos. Após a tragédia, ele e Victor encontram forças juntos para continuar.
— Estamos bem. Deus dá forças para seguir em frente – relata Amauri.
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O homem, que trabalha como vigilante e agora mora com o filho em outro bairro da cidade, conta que na próxima semana deve voltar ao Saco Grande. O plano é morar de aluguel em um lugar mais perto para terminar de retirar o entulho da antiga casa, e começar a construir um novo lar para ele e o filho.
A dupla conta com o apoio de amigos e vizinhos. Uma vaquinha on-line foi criada para arrecadar dinheiro e ajudar com os gastos de aluguel até erguer a nova casa. Apesar dos desafios, Amauri e o filho estão confiantes.
— Temos a vaquinha e tem gente nos ajudando, mas também tô na luta para construir tudo de novo. Eu e meu filho, sozinhos, não iríamos conseguir, mas com a ajuda de outras pessoas estamos conseguindo.
Famílias que, às vezes com dificuldades parecidas, mas que se mobilizam pelo outro. É o que observa Cauane Maia, doutoranda em Antropologia Social da UFSC, bacharel em Administração e graduada em Ciências Econômicas. Para ela, a cidade está marcada por uma série de lutas nascidas nas periferias, como no Monte Serrat, onde focou a pesquisa para o mestrado sobre a organização da comunidade:
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— Vejo como um olhar positivado, mas sem romantizar as trajetórias. Existe uma séria de episódios que marcam o quanto as pessoas desta cidade, especialmente mulheres negras e pobres, buscaram estratégias de sobrevivência.
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Como reflexo disso, diz, hoje se pode encontrar também uma rede de solidariedade que age em situações como no ciclone bomba – onde casas precisaram ser reconstruídas – e na arrecadação de cestas básicas para as famílias que perderam o emprego e de computadores para que as crianças e jovens pudessem ter aulas virtuais.
Quem quiser colaborar com Amauri e o filho pode acessar tinyurl.com/vaquinha-vitoreseuamauri
Diagnóstico para inspirar
Ainda no primeiro semestre deste ano deve ser lançada a nova edição de “Sinais Vitais”, pesquisa que tem como foco a presença de adolescentes e jovens no mundo do trabalho em Florianópolis. Produzido pelo Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICOM), o diagnóstico social participativo dá visibilidade ao atual contexto e ajuda a subsidiar políticas públicas.
O levantamento também apresenta dados que revelam como é esta cidade em que esses jovens estão crescendo e quais são as iniquidades sociais a serem enfrentadas. Os dados evidenciam um aumento da concentração de renda na capital.
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As desigualdades também podem ser observadas analisando as Áreas de Interesse Social (AIS), que em 2016 somavam 67 assentamentos precários de posse de terra irregular, sem infraestrutura urbana e com problemas sociais. Mas é verdade que os indicadores relacionados à raça também revelam diferenças estruturais. A remuneração da população negra chega a ser 40% menor do que a da população branca.
O rendimento médio mensal da população branca em Florianópolis é de R$ 3.594, enquanto o de pessoas que se declaram pardas é de R$ 2.559 e de pessoas pretas de R$ 2.158. Brancos trabalham em média 33,2 horas semanais, pardos trabalham 34,6 e pretos 37,8.
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Uma cidade para todos
Realidade que Azânia Mahim Jeruse Nogueira, doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia acompanha. Integrante do Núcleo dos Estudos Negros e da Frente da Juventude Negra Anticapitalista de Florianópolis, considera inegável a existência de uma segregação racial e uma acumulação de privilégios pela população branca. Mas mantém a esperança de uma cidade para todos:
— Florianópolis é uma cidade de muita resistência. Se convivemos com diferenças entre quem mora em Jurerê Internacional e Monte Cristo, por exemplo, é verdade também que os jovens estão nas ruas com as batalhas de rap, com os coletivos de artes, com saraus, participando do movimento social, nas ONGs e nas manifestações políticas.
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Para Azânia, que estuda a construção do negro a partir da geografia, é necessário pensar que Florianópolis e a expressão Ilha da Magia – muito explorada turisticamente – são também um território de possibilidades para, aproveitando o que diz o rap Lucas Menezes, da Batalha da Costeira, se dispor à construção de uma outra ilha, talvez não tão mágica, a Ilha das Mandingas, mas necessária.
— Isso é Florianópolis – conclui.