Uma das mais recentes descobertas dos pesquisadores de Santa Catarina é uma planta de três pétalas que vive nos vassourais, aglomerados de arbustos, do Parque Nacional de São Joaquim. Ela recebeu o nome de Prosopanche Demogorgoni, por uma homenagem ao monstro Demogorgon da série “Stranger Things”, pois tem pétalas que parecem com a boca dele. As Prosopanche vivem em quase toda a América Latina, mas foi descrito pela primeira vez na Mata Atlântica.

Continua depois da publicidade

> Receba as principais notícias de Santa Catarina no WhatsApp

Segundo o biólogo mestre em botânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), consultor em curadoria do Herbário Barbosa Rodrigues em Itajaí, Luís Adriano Funez, a espécie retira todos os nutrientes do seu hospedeiro e não precisa fazer fotossíntese.

– Ao contrário das ervas-de passarinhos por exemplo, que sugam apenas água e sais minerais, mas fazem a própria fotossíntese, a Prosopanche pertence a família Aristolochiaceae, a mesma das jarrinhas, cipós-mil-homens e do papo-de-peru e à subfamília Hydnoroideae, um dos grupos de plantas mais estranhas que existem – explica.

> Conheça os benefícios da ora-pro-nóbis para a saúde

Continua depois da publicidade

O pesquisador afirma que a planta passa a vida toda debaixo do solo.

– Elas sugando a seiva das raízes da sua hospedeira, a vassoura (Baccharis uncinella), espécie muito comum na Serra catarinense. O único momento que sai do solo é quando emite suas flores, entre janeiro e março. As flores são grandes com cerca de três centímetros de diâmetro, com três pétalas que elevam-se do solo por uma estrutura elástica, enquanto o ovário (que guarda seus preciosos óvulos, que posteriormente se desenvolvem nos frutos) fica enterrado cerca de cinco centímetros de profundidade no solo – explica.

As flores da espécie emitem um aroma característico que atrai besouros específicos ao seu encontro.

– Em algumas espécies sabe-se que as flores também produzem calor, mas para P. demogorgoni isso ainda não foi testado – afirma.

> Brasil tem 3,3 mil espécies de animais e plantas ameaçadas

Funez explica que os pequenos insetos conseguem entrar na planta por três poros que a flor apresenta nas laterais das pétalas:

– Uma vez dentro da flor, eles se alimentam dos seus tecidos, encontram parceiros sexuais e depositam ovos. Pelo terceiro dia, a flor começa a murchar e deixa de ser atraente aos besouros, é nesse momento que ela libera o pólen, cobrindo-os quando saem da flor, na esperança que estes vão para a próxima. Após isso a flor murcha, e as larvas de besouro se alimentam dos seus restos, sem comprometer o ovário.

Continua depois da publicidade

> Plantas medicinais: como usar, quais benefícios e as mais comuns em Santa Catarina

Outra característica da planta é que os frutos quando maduros, como forma de se comunicar com seus dispersores, emitem um intenso aroma.

– Este aroma guia animais orientados pelo olfato [roedores, graxiam, tatus, porcos, quatis e provavelmente outros mamíferos] aos carnosos frutos, que assemelham-se a pequenas “pitayas”, com polpa abundante e muitas sementes diminutas em seu interior – explica o biólogo.

A seguir, você confere mais detalhes sobre a Prosopanche Demogorgoni.

Novas plantas endêmicas foram descritas nos últimos anos no Estado. A série “Flores de SC” mostrará ao longo de junho algumas destas espécies.
PROSOPANCHE DEMOGORGONI
Descoberta em 2019 no Parque Nacionalde São Joaquim, ocupa uma área de apenas 0,25 km². É o primeiro registro do gênero, não somente em Santa Catarina, mas na Mata Atlântica
ONDE FOI REGISTRADA
Urubici
A Prosopanche demogorgoni ocorre em uma área de transição entre pastagens conhecidas como “vassoural”, uma formação dominada por espécies arbustivas.
GÊNERO PROSOPANCHE
6
3
1
espécies
no mundo
espécies
no Brasil
espécie
em SC
A PLANTA
A Prosopanche demogorgoni é uma espécie parasita que vive embaixo da terra. Não realiza fotossíntese, pois não possui clorofila.
Flores em processo
de abertura
Solo
Caule
Longo e triangular, cada ângulo projeta uma fileira de haustório.
Haustórios
São os mecanismos que se conectam às raízes dos arbustos vizinhos para retirar os nutrientes que necessita.
Caule
triangular
FLOR
Floresce entre fevereiro e março, quando a planta pode ser encontrada. Cheirosa ao anoitecer, aumenta a temperatura para atrair insetos polinizadores.
3 a 4 cm
A camada externa se rompe, expondo a estrutura interna esbranquiçada.
Pólen
É essa estrutura, mais elástica, que eleva a flor acima do nível do solo.
Quando a flor morre, o ovário começa a inchar e se converte em um fruto esférico.
FRUTO
Se desenvolve entre 5 cm e 10 cm de profundidade. Suspeita-se que os frutos sejam bem aromáticos, pois mamíferos orientados pelo olfato escavam a terra para dele se alimentar.
3 cm
Internamente, o fruto se assemelha à pitaya, branco e cheio de sementinhas.
A POLINIZAÇÃO
Sabe-se que o polinizador é um besouro. Ainda que o mesmo não tenha sido identificado, a chance de a polinização ocorrer como as outras plantas da família Prosopanche são consideráveis.
Pronta para a polinização, a flor passa a emitir forte odor e começa a elevar a temperatura.
Besouros específicos são atraídos pelo cheiro e calor, entrando pelas apertadas aberturas da flor.
Os besouros passam dias se alimentando da flor e colocando ovos na planta.
Lá pelo terceiro dia, a desgastada flor passa a murchar, e os insetos começam a sair.
Ao sair, os insetos carregam o pólen para a próxima flor apta para recebê-los, e o ciclo continua enquanto houver flores.
INFOGRAFIA: Ben Ami Scopinho, NSC Total
FONTE: Luís Adriano Funez, consultor em curadoria do Herbario Barbosa Rodrigues, em Itajaí, e doutorando na UFSC, onde trabalhou no projeto Peld-Bisc.

Leia também:

> Como cuidamos da nossa flora em Santa Catarina

> Como SC avança na proteção e enfrenta o desmatamento