Agarra, chuta, rola, soca, quebra garrafa na cabeça…E tudo termina bem. Eram assim as lutas de Telecatch que dominavas as telas brasileiras nos anos 1960 e hoje praticamente caiu no esquecimento. Em Santa Catarina, no quarto dos fundos de uma casa no loteamento Ceniro Martins, em São José, resiste a indumentária do telecatch manezinho Flecha Dourada, que após 45 anos continua na ativa.

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Capa, máscara e calção estampando a pele de uma onça trazem a origem do Flecha: as matas. A primeira pessoa a assumir o personagem foi Germinal Moreira, um índio que andava entre os brancos vestido como se estivesse na aldeia. Desse cenário surgiu o apelido que virou nome do lutador e que batizou este personagem que já tem 45 anos.

– Ele ouvia no rádio as lutas de telecatch do México e resolveu que queria fazer aqui também – conta Cairê Piragibe Barcelos, filho de Germinal.

Germinal nasceu em Mato Grosso e seguiu como Flecha até os 62 anos, idade que seu filho, Cairê Piragibe Barcelos, tem hoje. Cairê deu sequência ao telecatch manezinho, mas este segundo Flecha teve que parar de lutar aos 54 anos por conta de problemas em uma das pernas e uma cirurgia no coração.

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Agora o papel do telecatcher fica com Jean Piragibe Barcelos, um garoto que ainda precisa crescer para caber na grande fantasia de Flecha. Mas ele já foi responsável pela última luta, a de número 1004 na carreira do personagem, que aconteceu em Palhoça no ano de 2007.

A sucessão do lutador lendário

Para vestir a máscara do Flecha Dourada, o candidato tem que aprender tudo o que o antigo Flecha sabia. Germinal, sabia lutar desde criança e também possuía conhecimento sobre medicina natural e sua existência é envolta em lendas. Cairê conta que a avó dele morreu e mesmo já tendo ido ao necrotério, o Flecha Dourada usou de suas artimanhas para ressuscitar a mulher.

Depois foi a vez do próprio Cairê, que com sete anos ganhou seu atestado de óbito após uma convulsão. O primeiro Flecha novamente usou seus conhecimentos indígenas para trazer o garoto de volta à vida, com algumas lesões devido à uma paralisia infantil. As sequelas também foram tratadas por Germinal.

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Na história oficial do Flecha Dourada, se conta que, além de ressuscitar pessoas, o lutador foi delegado de várias cidades do interior de Santa Catarina, além de ter lutado na Revolução de 1930 e servir como enfermeiro do Exército anos depois, mesmo tendo apenas conhecimentos não oficiais de medicina. Já o segundo Flecha usou seus conhecimentos para fazer projetos sociais em cursos profissionalizantes e apresentações gratuitas que serviam como fonte de renda para projetos sociais. Aprendeu judô, caratê, boxe, tae-kwon-do, capoeira e kung-fu, apesar de fazer parte dos Telecatchs, onde nenhum golpe era real.

_ Tem que se aprender a bater e a receber os golpes sem machucar _ conta Cairê.

Entre os truques usados estava uma garrafa com um recipiente interno que possuía sangue falso. Para a plateia, parecia apenas água, mas quando quebrava na cabeça do adversário, o rosto enchia de suco de groselha e mel.

_ Todo mundo pensava que o lutador se machucava muito, mas ele saía rindo _ relembra Cairê.

História telecatcher

Telecatch era um estilo de luta onde os atletas faziam piruetas e um teatro para simular brigas em um ringue. O espetáculo ficou famoso com os lutadores mascarados mexicanos. No Brasil, os telecatchs ficaram famosos na década de 60 e passavam na televisão. Alguns nomes ficaram famosos, como Ted Boy Marino, Mister Argentina e Aquiles.

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Em Santa Catarina, a TV Coligadas era onde estrelavam os telecatchers. Segundo Cairê, até 1976 haviam patrocínios de várias empresas e bancos que viabilizavam viagens pelo estado. Os responsáveis pelo programa eram os integrantes do Mercury Ring (fundado pelo pai de Cairê), que incluía 24 lutadores. Com o fim do programa, as apresentações se restringiram à promoções para entidades beneficentes.

Cairê reclama que em um documentário que mostra a história do Telecatch brasileiro, lembraram de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná, deixando Santa Catarina de lado.

Curiosidades

Como as lutas eram ‘de mentirinha’, a definição de quem ganha é feita no vestiário:

– Já está tudo encenado, aí no vestiário decidimos na moeda quem vai ganhar. Quem ganha, geralmente começa apanhando muito – conta Cairê.

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Durante as viagens por Santa Catarina, a roupa do Flecha Dourada se perdeu e as apresentações estavam comprometidas. No dia 24 de maio de 1968, Manoel de Menezes, pai do colunista Cacau Menezes, doou a roupa para o pai de Cairê. A vestimenta é a mesma utilizada hoje por Jean.

Não existe um lugar para assistir Telecatch em Santa Catarina. No auge dos espetáculos, o Mercury Ring não tinha sede própria e as lutas aconteciam em ginásios ou salões. Toda a estrutura era carregada, assim como acontece com um circo. Para se ver uma luta hoje, somente em locais que contratam a atração.