Naquela última quarta-feira de outubro, o eletricista João Terba dos Santos se espremia em uma galeria de paredes apertadas, sem janelas, tomada pela escuridão. Acima da cabeça, ouvia o passar abafado dos veículos que saíam apressados da Ilha, no alto da Ponte Colombo Salles. Santos estava logo abaixo, na galeria onde se escondiam os cabos da Celesc que abasteciam Florianópolis. O único sinal de luz vinha da lanterna que levava nas mãos.

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Passava pouco do meio-dia. Ele e o colega Mário César de Matos organizavam cabos novos que substituiriam os antigos. A 100 metros dali, outros três colegas já davam início ao trabalho. Os cinco formavam uma equipe havia cinco anos, desde que a energia elétrica da Capital começara a ser operada por rede subterrânea – o que obrigou a Celesc a criar, em 1998, um grupo especializado neste tipo de atendimento. Estavam sempre juntos. E juntos compartilhavam a experiência pioneira em Santa Catarina de trabalhar com cabos escondidos nos subsolos mais profundos do Estado. No fim do serviço, quando se preparavam para ir ao encontro dos colegas, Santos e Matos ouviram um grito, ao longe:

– Corre, que pegou fogo!

Em uma fração de segundos, tudo aconteceu. De repente, viram-se iluminados no meio do breu. Bem na frente, uma chama crescia e se alastrava com rapidez. No meio do caos, avistaram o colega Sydney Vasquez correr na direção contrária. Os outros dois caíam de costas em um vão de ferro da ponte e, dali, involuntariamente, eram lançados ao mar, 12 metros abaixo.

Não havia tempo para pensar. Eles deram a volta e correram pela galeria ao lado de cabos de alta tensão que não haviam sido desligados. A morte estava a um pisão em falso. Ao chegarem ao vão que os tiraria de lá, pularam de uma altura de dois metros, quando, enfim, chegaram à passarela sob a ponte. Dali, ouviam o barulho dos cabos dos alimentadores se desligando em um baque surdo, assustador. A fumaça já tomava conta do ambiente, mas a energia ainda não havia cessado por completo. Os mais de 300 mil habitantes da cidade, número da época, nem desconfiavam que começava ali uma saga de 55 horas.

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O pavor chegava a doer, descreve Santos, mas eles não estavam machucados. Do celular, ligaram para a sala de comando da Celesc, onde são controlados todos os alimentadores da cidade, avisando o que havia acontecido. Era tudo tão improvável que os colegas nem acreditaram.

– Como assim, a Ilha vai ficar sem luz? – disse o colega do outro lado da linha.

Não levou muito tempo para descobrirem que não era brincadeira. Em poucos minutos, os computadores da central desligaram. Na Ilha, cada casa, cada loja, cada semáforo, supermercado ou escola, também ficava às escuras. Sem ter noção da dimensão do problema, Santos e Matos caminharam pela passarela até o lado continental, onde já os esperavam integrantes da Celesc. Queriam entender o que havia ocorrido, como tudo acontecera e em qual situação se encontravam os outros. Seria a primeira das muitas reuniões que aconteceriam nas próximas 55 horas que mudariam a história da Ilha de Santa Catarina.

Naquele dia, Santos não veria mais os colegas. Saberia apenas que estavam bem. Jacques Nachweng e Evaldo Rocha Floriano, que se atiraram ao mar, haviam sido resgatados por agentes do Grupo de Busca e Salvamento. Eles voltariam a trabalhar juntos uma última vez, até que a Ilha voltasse a estar iluminada. Nas semanas seguintes, dois deles pediriam para mudar de setor – Floriano passou para a iluminação elétrica e Matos agora trabalha com emergências.

Dez anos depois, com mais de 20 de Celesc e 62 de vida, Santos pouco vê os antigos colegas. Voltou a falar com eles ao longo desta semana diante da insistência de jornalistas em função do aniversário de 10 anos do Apagão. Por telefone, os cinco reforçaram o pacto de permanecer em silêncio. Mas começam a romper o silêncio. Aposentado há oito anos, Santos resolveu contar, pela primeira vez, tudo o que viu dentro da galeria na tarde daquele 29 de outubro de 2003.

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Sidney Vasquez, às 22h de sexta-feira, também resolveu falar. O relato dos dois eletricistas, somado aos depoimentos concedidos pelos outros três técnicos durante interrogatório na época do acidente, esclarecem o caso.

É o fim do silêncio.