O enfraquecimento dos bloqueios em rodovias promovidos por manifestantes bolsonaristas descontentes com o resultado das eleições de 2022 abre caminho para as próximas etapas do processo eleitoral após a vitória do ex-presidente Lula (PT).
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A transição de governo na esfera federal teve início nesta quinta-feira (3), com uma reunião entre representantes escolhidos por Lula e o ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI). O mesmo processo deve começar nos próximos dias no âmbito estadual, com a definição dos nomes que vão compor o time de transição por parte do governador eleito de SC, Jorginho Mello (PL).
Enquanto começam as transições para os futuros governos, eleitos nas urnas no último domingo, os bloqueios nas rodovias perderam força no Estado. Nesta quinta-feira (3), a polícia aumentou as operações para desbloqueio. À noite, o Estado já não tinha mais pontos obstruídos nas rodovias.
A redução ocorreu após dias de transtornos em SC, com manifestações em frente a quartéis e consequências como paralisações de ônibus e caminhões, desabastecimento de combustíveis e produtos e ameaças a atendimentos e serviços ligados à saúde.
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O fim dos bloqueios sinaliza para o fim da tentativa ilegal de um “terceiro turno” por parte de bolsonaristas insatisfeitos e indica uma retomada da normalidade no campo democrático, com as instituições se adaptando para as mudanças nos governos.
Cientista político da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Julian Borba acredita que ainda possa haver algumas manifestações de rua em frente a quartéis, mas pontua que a tendência é de enfraquecimento dessas mobilizações.
O motivo disso seriam os sinais claros de reconhecimento do resultado da eleição dados após a votação, por chefes de Estado internacionais e pelos presidentes da Câmara e do Senado:
— Tudo isso colocou de saída o presidente em uma situação de isolamento, de tal forma que, qualquer tentativa de mobilizar o eleitorado descontente, a chance de fracasso neste momento é muito grande.
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A expectativa dele é de que a situação se normalize, ainda que com possíveis ações de rua nos próximos meses. A mobilização do eleitorado bolsonarista pode passar a ser direcionada à oposição às ações do futuro governo Lula.
— Obviamente, como foi uma eleição muito polarizada e ele (Bolsonaro) tem base social muito forte, eventualmente vão acontecer ações de rua nos próximos meses, mas eu apostaria em uma diminuição desses movimentos.
Para Eduardo Guerini, sociólogo e cientista político, as manifestações representaram o que ele chamou de “último suspiro do bolsonarismo radicalizado”. Ele reiterou o caráter golpista das manifestações que afetaram Santa Catarina por quatro dias. Isso porque os bolsonaristas pediam intervenção militar.
— É um processo de radicalização extremada que acabou nesse beco sem saída, um golpismo infantil. Uma infantilzação da extrema-direita catarinense, com uma série de crimes, primeiro o atentado contra o Estado democrático de direito e intervenção militar, isso depois de terem ido votar — fala.
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Segundo ele, o movimento foi baseado em fake news e mostrou pouco conhecimento do grupo sobre a Constituição. O cientista disse, ainda, que se trata de um “grupo restrito” de bolsonaristas que não aceitaram o resultado das urnas. As manifestações inclusive, podem ter ajudado a prejudicar a imagem de Jair Bolsonaro entre os que escolheram votar nele por aversão a Lula, afirma Guerini.
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Visão que o cientista político, Sandro Sell, compartilha. Segundo ele, a propaganda bolsonarista associava a “baderna” à esquerda. Ideia que se tornou confusa para os eleitores do atual presidente.
— Daí que esses bloqueios deixaram parte dos eleitores bolsonaristas confusos e divididos, já que a “baderna” não veio da esquerda. Isso atrapalhará por certo a manutenção da coesão que havia entre os eleitores de Bolsonaro até esta eleição — pontua.
Sobre os próximos meses, que antecedem a posse do petista, Guerini alerta:
— Eles vão continuar pregando o golpismo, mas de forma enfraquecida — pontua o cientista, que acredita que o cenário pode ajudar a entender a alterância de poderes.
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— Foi o último suspiro dos derrotados, agora vão ter que colocar a viola no saco e aprender a trabalhar em um cenário diverso — completa.
Já para Sell, ideias que alimentam o bolsonarismo mais radical iram enfraquecer ao longo do mandato de Lula.
— A força da ideologia bolsonarista de criar medo e raiva em relação a Lula ainda tem gás para mais algum tempo. Mas ela vai enfraquecendo à medida que o “apocalipse” de um fantasioso comunismo, de limitação da liberdade religiosa e de toda forma de “depravação petista”, que foi a base da campanha bolsonarista, não ocorrer.
Sell lembra do apelido de “mito” de Bolsonaro, e ressalta que ele não foi dado a toa. Isso porque, segundo o cientista, o mito é uma entidade que não precisa dar satisfação à realidade, pois ele cria sua própria realidade. Ele ressalta, que parte do compromisso do presidente eleito de unir um Brasil rachado por uma eleição polarizada, passa por desmistificar alguns destes medos.
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— Daí surge o dever do presidente eleito, que tem muito de mito também, desacreditar o medo e tentar unir com seu trabalho e ideias apaziguadoras o Brasil fraturado que essa eleição deixou.
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