Os debates sobre uma proposta que pede o fim da escala 6×1 — com seis dias de trabalho e um de folga na semana — ganharam as redes sociais nos últimos dias e se fortaleceram com o anúncio da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) de que o texto conseguiu assinaturas suficientes para avançar no Congresso. A iniciativa traz curiosidade, também, de exemplos onde a redução de jornada já ocorreu, ou ao menos é menor do que a brasileira.

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A PEC que foi apresentada pela deputada e atingiu o número necessário de assinaturas traz como alternativa uma proposta de semana de trabalho com quatro dias por semana, conhecida como escala 4×3.

Além disso, o texto propõe que a jornada não seja superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, “com jornada de trabalho de 4 dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Atualmente, a jornada semanal permite até 44 horas de trabalho.

— Na Europa de modo geral, as pessoas trabalham cinco dias por semana. Não é frequente a semana de seis dias — disse à BBC Brasil Thomas Coutrot, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, em Paris, e ex-economista do Ministério do Trabalho e Emprego da França.

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Ele destaca, contudo, que uma semana com quatro dias de trabalho ainda não foi implementada com sucesso em nenhum país, e enfrenta resistência de empresários.

— É um movimento minoritário, com poucas empresas e serviços públicos que implementaram a semana de quatro dias. Mas existe uma certa popularidade da opinião pública, na Europa pelo menos — explica.

Na França, poucas empresas decidiram adotar a escala 4×3 por conta própria. É o caso do setor de restaurantes de alta culinária, que usaram a medida para atrair mão de obra.

— Nesse setor, muitos têm dificuldade de achar pessoal qualificado. Para atrair esses profissionais, eles decidiram fechar três dias por semana — afirma.

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Testes de redução da jornada de trabalho ao redor do mundo

A entidade internacional “4 Day Week Global” tem realizado projetos pilotos de semanas de trabalho de quatro dias. Um dos experimentos no Brasil, feito com 22 empresas, foi citado na proposta de Erika Hilton.

“É possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa”, diz o projeto da deputada.

Projetos pilotos da escala 4×3 foram testados em outros 13 países: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Holanda, África do Sul, Índia, Chile, Itália, Noruega, Bélgica e Suíça. Na Bélgica e no Chile houve passos mais concretos rumo a tornar esse novo formato uma realidade.

A Bélgica foi o primeiro país da Europa a ter uma legislação sobre o tema. Em fevereiro de 2022, ficou definido que os trabalhadores do país podem realizar uma semana de trabalho completa em quatro dias ao invés de cinco, sem perda de salário.

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Contudo, não há redução da carga horária semanal. Assim, eles podem condensar as horas em menos dias da semana, o que pode significar quatro dias com 9,5 horas de trabalho. No final de outubro de 2023, segundo dados da consultoria Acerta, apenas 1,9% das empresas contratavam pessoas com uma semana de trabalho de quatro dias.

Desde 2017, os trabalhadores do Chile podem ter semanas de trabalho com quatro dias. Porém, é preciso um acordo entre empregadores e sindicatos que representem mais de 30% dos trabalhadores da empresa.

A Grécia, por outro lado, aprovou leis que permitem a escala 6×1, discutida no Brasil. Por lá, contudo, os trabalhadores ganham 40% a mais por hora trabalhada no sexto dia de trabalho.

Trabalhadores de outros países pressionam por mudanças com redução na jornada de trabalho, porém os resultados ainda são pouco expressivos.

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Em outros países, existe uma pressão maior por parte da classe trabalhadora, mas isso não tem se traduzido em mudanças na lei.

— Na Alemanha, os sindicatos têm pleiteado a semana de quatro dias com bastante força nos últimos meses. Mas o governo não tem respondido com nenhuma política pública nesse sentido — afirma o economista francês.

Exemplo da França

O economista relembra que em 1998 o governo francês reduziu a jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas semanais. Na época, não houve alteração no número de dias trabalhados, que continua sendo de cinco dias por semana.

O empresariado do país apresentou resistência à mudança, com o argumento de que haveria prejuízo a economia. As empresas passaram a conceder aumentos salariais abaixo da inflação como forma de amenizar e diluir o impacto da redução nos custos.

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— O que aconteceu entre 2000 e 2002 foi um congelamento de salário, que chamamos de moderação salarial. Os aumentos não acompanharam a inflação, o que ajudou as empresas a financiarem a redução da jornada. Mas os salários nominais ficaram constantes — conta Coutrot.

Depois de ajustes para aumentar a produtividade e estímulos às empresas, houve um aumento de 300 mil empregos na economia francesa quatro anos após a reforma, de acordo com estimativa oficial.

— Houve um aumento da produtividade. As empresas se ajustaram, mudaram os tempos de intervalo. Elas conseguiram absorver o custo da redução da jornada com aumento da produtividade. E houve aumento muito grande de isenções de contribuições previdenciárias, que o governo reduziu — destaca.

Maiores economias com menores jornadas

Alemanha, Itália e França, três das maiores economias do mundo, estão entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com as menores jornadas de trabalho, com média semanal abaixo de 37 horas.

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— À medida que a renda aumenta, a jornada de trabalho vai diminuindo. Isso costuma acontecer nos países mais ricos — afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre.

Já a China, segunda maior economia do mundo, é conhecida pelas longas jornadas de trabalho, com um regime conhecido como 996 – trabalho das 9h às 21h, seis dias na semana. O tribunal superior do país passou a notificar empresas que implementam esse formato, e os mais jovens tem protestado nos últimos anos contra essa cultura de longas jornadas. Por lá, a média semanal é de 48,8 horas de trabalho, segundo o Departamento Nacional de Estatísticas do país.

— Gradativamente, a jornada também vem diminuindo. Como eles começaram em um ponto muito pior que outros países, a carga horária vai continuar sendo elevada. Mas isso tem a ver com a política e o processo legal chinês — diz o pesquisador do FGV Ibre.

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*Com informações de BBC Brasil e Forbes

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