2020 foi um ano terrível. Apenas em Santa Catarina, mais de 430 mil catarinenses foram diagnosticados com Covid-19 e mais do dobro de famílias foram afetadas pela maior pandemia que as nossas gerações já viveram. Enquanto esta lista é produzida, os dados do Governo apontam para a perda de cera de 4,5 mil pessoas no Estado de março até dezembro – e o número deve aumentar até a vacina.

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O mundo entrou em stand by.

O cinema, idem. Milhares de filmes foram adiados e muitos deles nem possuem um norte bem desenhado.

É desafiador, portanto, encontrar algo de bom no mundo cinematográfico que consiga apaziguar os últimos oito meses ferozes que vivemos. É difícil encontrar filmes que possam dizer que o ano foi bom no cinema. Pois, não, não foi.

Entretanto, a sétima arte não precisa ser “boa” ou “apaziguadora”. Ela pode (e deve) ser reflexiva. Nos agitar, propor mundos interessantes, contagiantes, esperançosos e maduros. Ou nem tão maduros.

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Essas narrativas podem surgir de onde menos se imagina, como na história de nômades contemporâneos ou na violência e na tristeza do mundo de uma mulher que tenta superar a perda da melhor amiga vítima de abuso sexual.

2020 não foi um bom ano. Mas ele foi capaz de nos pautar de formas variadas, de nos chocar de formas variadas e de nos fazer refletir de formas variadas.

Conheça a seguir, 20 obras que marcaram 2020:

Menção honrosa:

Jovem Ahmed, de Jean-Pierre e Luc Dardenne

20. O Que Ficou Para Trás, de Remi Weekes

O debut de Remi Weekes aproveita os fantasmas de uma guerra que não terminou para nenhum de seus personagens. Constrói uma tênue linha entre a realidade e o sobrenatural de sua obra, a qual é capaz de evidenciar o quão próximo pode ser o terror e, no caso daquelas pessoas, o quanto o é.

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19. Diabo de Cada Dia, de Antônio Campos

“Eu estou lhe dando uma coisa boa aqui, parceiro”, repete o personagem de Jason Clarke neste incômodo filme do excelente diretor Antonio Campos. A repetição da frase é capaz de frisar o desconforto que envolve uma maldade anunciada em forma de algo bom. O cineasta aponta a tênue linha que separa a adoração do fundamentalismo perverso, a conta-gotas, na narrativa. Seus personagens vagam pelo mundo entre seus pecados particulares num mundo inconsciente de sua própria natureza.

18. Casa Lobo, de Cristóbal León e Joaquín Cociña

Essa assustadora (e fascinante) animação chilena descreve a jornada de uma menina que se rebela contra o sistema fascista imposto por um fanático e se esconde numa casa em uma floresta que parece ter saído do livro A Revolução dos Bichos, onde pode se criar seu próprio sistema e ser confrontada com a lembrança de alguns dos mesmos gestos totalitários. É como se David Lynch dirigisse uma história de terror ilustrada por Dave McKean.

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17. Som do Silêncio, de Darius Marder

Há uma cena neste filme de Darius Marder que se passa numa cama em Paris. O personagem de Riz Ahmed olha para sua namorada e fala que está tudo bem, que ela ter estado em sua vida bastou. É um dos momentos que demonstram a força de uma atuação como a do protagonista. Algo que se torna forte não pelo diálogo, mas pela expressão dos envolvidos na cena. É um filme agitado, ao mesmo tempo que sensível – como o personagem de Ahmed.

16. First Cow, de Kelly Reichardt

A obra sensorial de Reichardt é tão simples quanto seus dois nômades protagonistas, que viram amigos e companheiros de jornada. Ambos apenas procuram algumas histórias pra contar e um lugar para deixar sua marca no mundo. É um filme belo, lento e triste.

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15. Destacamento Blood, de Spike Lee

O monólogo de Paul nas selvas é um daqueles manifestos cinematográficos que Lee sabe potencializar no consciente popular como poucos. Destacamento Blood é um retrato admirável da influência de mitos e de como o passado é capaz de se projetar continuamente no presente.

14. Mank, de David Fincher

É a história de uma Hollywood construída nos bastidores, longe do público e anestesiada por seu glamour. Gary Oldman é hilário, trágico e shakespeariano na pele do personagem-título.

13. Caminho de Volta, de Gavin O’Connor

O treinador interpretado por um excelente Ben Affleck passa a tornar o basquete como protagonista, a medida que o filme avança, e a própria obra de Gavin O’Connor espelha esse sentimento – cumprindo o rito de dedicação e superação. Ao abordar, afinal, o alcoolismo e o luto que passa o treinador, clamando por uma nova família, o cineasta repete momentos poderosos de Guerreiro.

12. On the Rocks, de Sofia Coppola

O novo filme de Sofia Coppola é fundamentado nas características da filmografia da autora – a banalidade da rotina, a urgência de antecipar um confronto e, claro, as relações entre personagens resignantes. Neste, Bill Murray (em uma das atuações do ano) interpreta um homem preso a uma necessidade de ressignificar seu passado, como homem e como pai. É um dos trabalhos mais sensíveis de 2020.

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11. Wolfwalkers, de Tomm Moore e Ross Stewart

Robyn é uma personagem doce e fascinante nesta história delicada (e profunda) de Tomm Moore e Ross Stewart. A riqueza desta animação é perceptível nos relacionamentos paternos e maternos de suas personagens principais tanto quanto nas metáforas alusivas à liberdade, ao medo e ao espírito aprisionado em nós.

10. 76 Days, de Hao Wu e Weixi Chen

A poderosa primeira cena deste documentário mostra uma pessoa paramentada chorando desesperada pela morte do pai. Ela nunca mais poderá ouvi-lo cantar, lamenta. 76 Days é um documentário que aborda os dias da pandemia da Covid 19 em Wuhan, dentro de um hospital, mostrando o trabalho dos médicos e as vítimas do Coronavírus.

9. Palm Springs, de Max Barbakow

E se pudéssemos repetir aquele dia em que tudo deu certo, podendo esquecer um pouco de tudo? O romance caloroso de Barbakow é divertido, mas nem por isso menos profundo e delicado.

8. Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin

“Do lado de dentro do bar, parece que os anos 60 não aconteceram. Fora do bar, os anos 60 eram encenados para quem olhasse pela janela.”

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Sorkin cria uma daquelas raridades na qual o sentimento de impotência diante de uma brutalidade é próxima e sufocante. O tom cômico no começo que se transforma no horror a partir da metade do filme evidencia o controle impecável de sua direção, que consegue espelhar a mesma ânsia por mudança política que ainda carregamos nos tempos modernos como sociedade. Com clareza, o filme nos denuncia a história e como continuamos aprisionados a vivê-la.

7. Nomadland, de Chloe Zhao

“O lugar deixado e depois reencontrado é o eixo em torno do qual oscila a agulha da bússola”, Michel Onfray.

A mesma diretora do bom longa-metragem Domando o Destino, agora, expõe a realidade dos nômades contemporâneos da América. A conversa sobre a estrada e sobre o adeus no terceiro ato é uma das cenas mais tocantes do ano.

6. Boys State, de Jesse Moss e Amanda McBaine

Boys State congrega uma visão fascinante sobre o processo democrático e suas respectivas representações. Da mesma forma, o documentário consegue evidenciar as transformações durante o percurso que afetam não só os partidos, mas a cada um dos envolvidos. Uma obra inesquecível.

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5. Gunda, de Viktor Kossakovsky

Enquanto se observa a vida harmoniosa, apaixonante e feliz de porcos, galinhas e vacas no campo, é quase impossível antecipar o verdadeiro terror que o diretor prepara para seu ato final de solidão. Um filme poderosíssimo.

4. Nunca Raramente Às Vezes Sempre, de Eliza Hittman

Ao deitar na cama de hospital para receber a anestesia, a protagonista segura com força a mão de uma das profissionais da clínica. Ali está uma mão que minutos antes não a julgou e apenas quis ouvi-la na rodada de perguntas que dá o nome ao filme. A violência da obra de Eliza Hittman jamais está no ato praticado pela personagem, mas, sim, no mundo nauseante que a cerca.

3. Promising Young Woman, de Emerald Fennell

– Eu sou um homem legal.

– Você continua repetindo isso.

Emerald Fennell cria uma das obras mais intensas e urgentes de 2020, onde se vai do thriller ao romance com uma segurança e qualidade notáveis. A diretora captura as diferentes nuances do abuso, da não admissão de culpa e de uma tentativa de reconstrução. Carey Mulligan é dona de uma das melhores performances de 2020.

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2. Corpus Christi, de Jan Komasa

Uma redoma de pecados, violência e culpa fazem parte deste impactante filme de Jan Komasa, que desponta como um dos nomes de maior potencial de sua geração. A história gira em torno de um jovem marginalizado que se passa por padre na paróquia de uma pequena comunidade.

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1. Estou Pensando em Acabar com Tudo, de Charlie Kaufman

Em uma das primeiras cenas da nova obra-prima de Charlie Kaufman, um emaranhado de flores num papel de parede é visto de cima a baixo, ao passo que a personagem de (uma fantástica) Jessie Buckley descreve que podemos esconder algumas coisas pelo nosso exterior, pela nossa face, pelo que dizemos; mas jamais podemos fingir um pensamento. Ele surge sem aviso. Ela pensa sobre isso, enquanto observamos traços de uma casa colorida, mas vazia e triste. Tudo nesta obra está “contaminado” pelo tempo. Onde estamos, onde nos sentimos, quem gostaríamos de ser e quem de fato somos. As lacunas são preenchidas por nossas percepções – sobre o tempo, sobre tudo. É o melhor filme de 2020.

E, para você, qual seu filme favorito de 2020?