O nome era de um imperador chinês. A ascendência, grega. Hiroito de Moraes Joanides (1936 – 1992) foi dono de um verdadeiro império de prostituição e tráfico de drogas na Boca do Lixo paulistana nos anos 1950 e 60. Entre as muitas lendas que cercavam o chamado Rei da Boca, consta a de que sua ficha criminal, gravada sobre folhas corridas numa impressora matricial, somava mais de 20 metros.
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Boca, que estreia nesta terça-feira no CineBancários, é baseado nas memórias que ele escreveu, na cadeia, a partir da década de 1970. O filme tem a assinatura de um documentarista, Flavio Frederico, que, em sua incursão anterior pela ficção (Urbânia, de 2001), errou a mão justamente na mistura dos registros, ao inserir depoimentos reais no drama sobre o passeio de dois outsiders pela mesma região de São Paulo. Paradoxalmente, a reconstrução ficcional da capital paulista de anos atrás é o ponto alto do novo longa.
Ainda com o título Boca do Lixo, o filme foi finalizado em 2010, exibido e premiado no Festival do Rio daquele ano (melhor fotografia e montagem) e vendido para distribuidores de 15 países. O vazamento de uma cópia antes da estreia comercial, somado ao apelo da história, fez com que se tornasse hit nos camelôs cariocas, que o venderam como o “Poderoso Chefão brasileiro”. Em 2012, ressurgiu com nome abreviado e nova passagem por um grande festival brasileiro – o Cine PE, de Recife, de onde saiu com os prêmios de direção, trilha sonora, direção de arte e atriz, para Hermila Guedes.
Hermila e Leandra Leal, como duas prostitutas com as quais Hiroito se envolveu, são destaques do elenco. Daniel de Oliveira (ótimo em A Festa da Menina Morta, não tão bem em 400 Contra 1) tem performance enérgica como o protagonista. Às vezes, está num tom acima do que seria adequado. Em parte, devido ao artificialismo de alguns diálogos. Nada comprometedor: o personagem é complexo, mas está todo ali, em sua erudição, na violenta ousadia, no desprezo pelas regras sociais, principalmente depois que foi acusado de ter matado o próprio pai – o que serviu como elemento detonador de sua fúria criminosa.
Voltando pouco à infância e sem avançar aos anos de prisão de Hiroito, Boca funciona como um belo retrato de época. Tem seus defeitos, mas é bem-sucedido ao incorporar o estranho charme que seu anti-herói vislumbrava no gueto do qual se apropriou.
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Boca
De Flávio Frederico.
Com Daniel de Oliveira, Hermila Guedes, Leandra Leal, Milhem Cortaz e Paulo César Pereio.
Drama, Brasil, 2010. Duração: 100 minutos. Classificação: 16 anos.
Estreia nesta terça-feira no CineBancários, em Porto Alegre. Exibições diárias, às 15h, 17h e 19h.
Cotação: 3 estrelas de 5.