Exibida em pré-estreia nesta quarta-feira na Sala P.F. Gastal, a produção gaúcha Dyonélio entra em cartaz nesta sexta-feira na Cinemateca Paulo Amorim. Trata-se de um ensaio de formato inusitado, que mistura ficção e documentário para estabelecer duas pontes, entre a vida e a obra do escritor Dyonélio Machado (1895 – 1985) e entre o universo habitado pelos personagens de seus romances Os Ratos (1935) e O Louco do Cati (1942) e o cenário contemporâneo.
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É a segunda vez que o autor inspira um longa local em dois anos – A Última Estrada da Praia (2011), de Fabiano de Souza, é uma livre adaptação de O Louco do Cati. Dyonélio, o filme, tem direção de Jaime Lerner, autor de diversos curtas e três documentários de longa-metragem, Harmonia (2000), Porto Alegre, Meu Canto no Mundo (2008) e Referendo (2012). Além da aproximação com a ficção, representa um passo adiante na descoberta da cidade que o cineasta escolheu para viver (Lerner é paulista e morou em Israel dos sete aos 24 anos antes de chegar à capital gaúcha).
– Li O Louco do Cati logo que cheguei (em 1985) – conta. – Achei estranho, mas muito interessante. Depois, filmando Porto Alegre, Meu Canto no Mundo (codirigido com Cícero Aragon), percebi o quanto o cenário urbano é importante em Os Ratos e o quanto o texto do livro permanece vivo como representação da cidade. Tudo o que está escrito continua ali.
Dyonélio é composto de três partes apresentadas ao espectador de maneira intercalada. Numa delas, o ator Clemente Viscaíno interpreta o escritor (que também foi psiquiatra, jornalista e militante comunista) tendo suas atividades políticas questionadas por um investigador (Carlos Cunha) e, diante dele, recordando passagens de sua vida. Nas outras duas, Leonardo Machado lê trechos de Os Ratos e Déborah Finocchiaro, de O Louco do Cati, enquanto o espectador vê imagens documentais de paisagens (atuais) representativas daquilo que se está ouvindo. É a ficção (de Dyonélio) ganhando ares de documentário e o real (Dyonélio propriamente dito) sendo recriado em um universo ficcional.
Especialmente nas passagens urbanas, algumas associações são bastante felizes, assim como a relação estabelecida entre as inquietações do escritor e as angústias de seus personagens. O que funciona menos é a parte encenada, sobretudo por conta da maneira empostada com que os atores dizem o texto, mais discursando do que propriamente conversando.
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Sobre Dyonélio, intelectual múltiplo
Natural de Quaraí, onde começou a exercer a profissão de jornalista, Dyonélio Machado estudou medicina em Porto Alegre e especializou-se em psiquiatria no Rio de Janeiro. Foi um dos responsáveis por divulgar a psicanálise no Rio Grande do Sul, a partir da década de 1930, quando também exerceu militância no Partido Comunista e foi preso após se envolver em greves e na Intentona Comunista. Em 1927 estreou com um livro de contos, Um Pobre Homem. Os Ratos, o primeiro romance, foi aclamado em 1935. O Louco do Cati (1942) foi incompreendido, e suas outras 10 narrativas longas nunca alcançaram a projeção de Os Ratos. Em 1947, Dyonélio foi eleito deputado estadual pelo PCB. Morreu em 1985, aos 89 anos.