O cinema italiano nunca deixou de ser referência, mas, com o passar dos anos, perdeu parte da força que mantinha desde o pós-II Guerra. Para além do reconhecimento obtido por Nanni Moretti (que venceu a Palma de Ouro em Cannes por O Quarto do Filho em 2001) e Marco Bellocchio (seu Bom Dia, Noite ganhou cinco prêmios em Veneza 2003), diversos bons longas têm, aos poucos, recolocado a produção do país de Visconti e Rossellini no primeiro escalão do cinema de autor.

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Top Tudo: filmes que recobraram o prestígio do cinema de autor italiano

As boas notícias já vieram em forma de um violento retrato da máfia (Gomorra, 2008), de uma comédia agridoce na melhor tradição italiana (Almoço em Agosto, 2008) e de um híbrido entre ficção e documentário sobre uma montagem de Shakespeare numa prisão (César Deve Morrer, 2011). Aparecem, agora, num exemplar de cinema sensorial, tipicamente contemporâneo, que vai a um vilarejo de arquitetura medieval nas montanhas da Calábria para falar da transcendência da vida e da relação entre o homem, os animais, a natureza e Deus.

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As Quatro Voltas estreia nesta sexta-feira no Espaço Itaú 2, em Porto Alegre, precedido de uma verdadeira aclamação. Foi premiado pela crítica na Mostra de São Paulo e no Festival de Cannes, de onde partiram questionamentos devido a sua inclusão numa mostra paralela (Quinzena dos Realizadores), e não na luta pela Palma de Ouro. É um filme sui generis: sem diálogos, mas com registros sonoros dos acontecimentos naquele lugar remoto, o diretor Michelangelo Frammartino põe os moradores a reencenar seu dia a dia.

Seu foco, inicialmente, é um velho pastor de cabras (Giuseppe Fuda). Velhinho, ele parece viver seus últimos dias – impressão que se confirma com uma das várias imagens impactantes do longa: o registro do momento em que, deitado, ele subitamente para de respirar. A ideia de que se está falando de ciclos de vida, indicada no título, fica escancarada quando, nos planos seguintes, a câmera registra, com a mesma crueza, o nascimento de uma cabra.

A partir daí As Quatro Voltas ganha um ritmo um pouquinho mais acelerado: uma sucessão de planos, dispostos com impressionante domínio da linguagem, indica a passagem do tempo ao longo das estações do ano. Da jornada de vida e morte do animal, sem muitas delongas, o diretor milanês de 44 anos (autor de só um outro longa, Il Dono, 2003) transfere seu olhar para uma árvore e, depois, em sua “quarta volta”, para o uso desta mesma árvore depois que ela é derrubada pelos habitantes da localidade.

Frammartino associa as últimas imagens de As Quatro Voltas às primeiras, como a dizer que um ciclo se fechou – e que o homem é apenas parte dele. O cineasta não está necessariamente falando de reencarnação, mas as referências religiosas (há várias) indicam a busca de uma espiritualidade, um encontro com Deus. É o oposto do caminho escolhido pelo diretor cubano Fernando Pérez em Suíte Havana (2003), outro longa sem diálogos que, diferentemente de seu primo italiano, busca a poesia nos gestos mundanos dos trabalhadores da ilha de Fidel.

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Não que, no filme cubano, Deus esteja ausente. É que, em As Quatro Voltas, há uma obsessão pela transcendência, como se um sino tocando tivesse mais beleza e significado do que simplesmente um sino tocando. E o pior é que, de fato, o tem – tamanha a força de suas imagens.