Foi o filho da atriz e diretora francesa Maïwenn Le Besco que, certa vez, escreveu “polisse” com dois esses. A letra do menino está no cartaz de Polissia, terceiro e mais bem-sucedido longa da diretora, que pode ser visto nesta sexta e sábado no Instituto NT.

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Vencedor do prêmio do júri na mesma edição do Festival de Cannes que, no ano passado, laureou A Árvore da Vida (com a Palma de Ouro), O Artista (melhor ator), Melancolia (atriz), Drive (direção) e O Garoto da Bicicleta e Era uma Vez na Anatólia (que dividiram o Grand Prix), Polissia cumpre carreira estranha e nada recomendável no Brasil.

Vem sendo exibido em sessões de pré-estreia em diversas cidades do país desde meados de setembro, teve a entrada em cartaz adiada por mais de uma vez e acabou estreando no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte há duas semanas. Por aqui, já teve prés no Espaço Itaú, em Porto Alegre, e em Santa Maria. Por ora e até a – ainda indefinida – data de sua estreia, passa somente no Instituto NT. Não se trata de uma unanimidade, nem de um filme fácil – mas vale cada um de seus 127 minutos de projeção.

São diversas tramas paralelas, ou, mais especificamente, registros de sequências representativas da rotina de uma divisão da polícia de Paris responsável por investigar crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Tudo visto pelo olhar de uma fotógrafa, interpretada pela própria Maïwenn (ela assina seus trabalhos apenas com o primeiro nome), que foi enviada pelo governo francês para acompanhar o dia a dia dos agentes.

A imagem da mulher registrando cenas congeladas daquele cotidiano é perfeita para entender a proposta: Polissia é moldado não a partir do exame minucioso da trajetória de seus personagens e de arcos dramáticos tradicionais, mas de pinçadas rápidas que encontram sua força no conjunto que formam. O aprofundamento de cada fato registrado faz menos falta do que reclamam os detratores do longa – como nos bons filmes corais, a dramaturgia alcança consistência no encadeamento das histórias, e não em cada história em si.

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Cumpre papel fundamental para o impacto de Polissia o seu ultranaturalismo – que o aproxima, por exemplo, de Entre os Muros da Escola e 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, vencedores da Palma de Ouro em Cannes em 2007 e 2008. É difícil não se deixar envolver em sequências como a do pedófilo confesso que não será punido por ter as costas quentes e, sobretudo, a do menino negro que é abandonado. Em ambos os casos, e em vários outros, a sensação do documentário potencializa a fruição.

Outra grande sacada de Maïwenn é equilibrar a atenção dada aos dramas particulares dos agentes e aos casos que eles investigam. As vidas pessoais de personagens como Nadine (Karin Viard), Iris (Marina Foïs) e Fred (Joey Starr), três destaques do elenco, são altamente influenciadas pelas histórias de abuso e desamparo que eles vivenciam na divisão policial. Até nisso Polissia é eficiente: trata das causas e das consequências dos maus-tratos aos menores de maneira complexa, espelhando-os na convivência social e, assim, aproximando-os ainda mais do espectador.

Se você sair da sessão profundamente impactado, não será por acaso.