O filme brasileiro mais badalado do momento tem sessões de pré-estreia neste sábado na Capital. O burburinho em torno de O Som ao Redor (2012) é plenamente justificado: o longa do diretor Kleber Mendonça Filho é uma das melhores produções nacionais dos últimos anos.

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Confira uma conversa com Gustavo Jahn, jovem protagonista do filme

Misturando crítica, suspense e drama, a história instiga o público a apurar os ouvidos e escutar o surdo clamor das contradições sociais do país. O entusiasmo a respeito de O Som ao Redor começou em meados do ano passado, com a exibição da estreia em longa-metragem de ficção do realizador pernambucano nos circuitos internacional e nacional de festivais. O arrastão de elogios começou com o Festival de Roterdã, na Holanda, em fevereiro passado, quando arrebatou o prêmio da crítica, concedido pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci), passou pelo Festival do Rio e pela Mostra Internacional de São Paulo e chegou ao Festival de Gramado, de onde saiu com os Kikitos de melhor direção e som, além dos troféus da crítica e do público. Já o jornal The New York Times destacou O Som ao Redor como um dos 10 melhores filmes de 2012 – ao lado de concorrentes ao Oscar como Amor, de Michael Haneke, Lincoln, de Steven Spielberg, e Django Livre, de Quentin Tarantino.

O longa do diretor e crítico de cinema Kleber Mendonça Filho – que custou R$ 1,8 milhão – coloca uma lupa sobre um bairro de classe média de Recife, cujos moradores aceitam a vigilância oferecida por uma milícia, comandada por Clodoaldo (interpretado pelo ótimo ator Irandhir Santos, único rosto mais conhecido do elenco). Boa parte dos imóveis da região pertence à família do corretor João (Gustavo Jahn), neto de Seu Francisco (vivido pelo escritor W.J. Solha), representante da oligarquia canavieira pernambucana. A chegada desse grupo de seguranças aparentemente não altera a banalidade do cotidiano – mas, ao longo do filme, percebe-se um rumor crescente que denuncia o subterrâneo mal-estar das coisas.

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Com um desenho de som primoroso, em que ruídos, barulhos e músicas ganham corpo como um personagem a mais da trama, O Som ao Redor se inicia com um travelling acompanhando uma criança pelos corredores de um edifício, até desembocar no protegido playground na área interna do prédio – onde os pequenos filhos da burguesia brincam sob o olhar de babás e domésticas, algumas vestindo uniforme. O filme é pontuado por imagens poderosas assim, que sintetizam uma aguda visão da realidade social nordestina – e, por extensão, brasileira: a câmera passeia por uma rua de Setúbal, bairro recifense onde Mendonça Filho morou, exibindo de passagem os nomes dos edifícios, que remetem a lugares sofisticados europeus. Já no pesadelo da garotinha, uma legião interminável de meninos de rua surge na escuridão da noite pulando o muro e invadindo sua casa com perturbador estrépito.

Como nos curtas Vinil Verde (2004) e Recife Frio (2009), o cineasta flerta com o cinema fantástico e de horror, criando um clima de mistério e tensão dramática – em Gramado, o pernambucano citou como influência o americano John Carpenter, diretor de clássicos do gênero como A Bruma Assassina (1980) e O Enigma de Outro Mundo (1982). Ao mesmo tempo, O Som ao Redor faz uma radiografia da singular acomodação de classes no Brasil, em que patrões e empregados dividem os mesmos espaços em enganosa harmonia – apesar da evidente estratificação social que, no caso do filme, reproduz no ambiente urbano o coronelismo rural nordestino. Uma produção de estridente contundência temática e estética, que lembra o cinema do austro-alemão Michael Haneke – uma espécie de Caché (2005) nos trópicos.

Prêmios ao redor do mundo

Rejeitado no Festival de Brasília de 2011, O Som ao Redor iniciou em 2012 uma premiada trajetória por 46 festivais, 39 deles fora do Brasil. Começou pelo Festival de Roterdã, na Holanda, de onde saiu com o prêmio da crítica. Foi eleito o melhor filme no Festival do Rio e ganhou Kikito de melhor direção em Gramado, entre outras conquistas.

Deu no New York Times

A.O. Scott, respeitado crítico do New York Times, colocou O Som ao Redor entre os 10 melhores filme de 2012. Disse ele na elogiosa resenha: “Sr. Mendonça, um ex-crítico de cinema cujo domínio da narrativa é, ao mesmo tempo, formidável e sutil, vai além das comédias sobre pessoas de classe alta e baixa cujos destinos colidem em uma pequena localidade”.

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Onda pernambucana

Com O Som ao Redor, Kleber Mendonça Filho dá continuidade à onda que colocou os filmes de Pernambuco na linha de frente do cinema autoral brasileiro. É uma fase iniciada por realizadores como Lírio Ferreira (de O Baile Perfumado, codirigido com Paulo Caldas, e Árido Movie) e consolidada por, entre outros, Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus e Era uma Vez Eu, Verônica) e Cláudio Assis (Baixio das Bestas e Febre do Rato).