Ivo Hadlich, hoje com 80 anos, é tomado pela emoção ao relembrar o horror da enchente de julho de 1983. Os gritos por socorro vindo dos telhados das casas vizinhas, a força da água batendo nas paredes, os animais mortos levados pela correnteza. São recordações fortes, mesmo passados 40 anos. E em meio a tantos relatos tristes, ele confidencia o momento mais emblemático: o resgate da própria mãe.
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A família sempre morou na região da Rua São Roque, no bairro Itoupava Norte, e tinha uma espécie de protocolo sobre o que fazer na iminência de uma cheia. Era reunir água potável, verificar se tinha velas, preparar as comidas para não estragar na eventual falta de luz e gás, subir móveis e, claro, pegar os cachorros de estimação. Além disso, ele e os irmãos tinham bateiras.
Na época, a casa dos Hadlich já era de dois andares e rapidamente se tornou abrigo para os parentes e moradores próximos, mas ninguém esperava que o piso superior também seria inundado. Muitos começaram a pegar carona nas pequenas embarcações que passavam na altura da sacada e então deixaram o imóvel temendo o pior.
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Sem abrigos públicos à época, diferente dos 29 que se tem atualmente só para casos de inundação, as pessoas iam até um morro mais alto na entrada da Rua Romário da Conceição Badia. Mas com dona Wally no auge dos 84 anos, locomoção comprometida e sofrendo de Alzheimer, o filho decidiu ficar com a mãe na residência e traçou com os irmãos um plano caso a situação se agravasse.
Sem tantas construções, ele podia ver da janela da casa o local para onde os familiares tinham ido e essa visibilidade era importante para o que viria a seguir, conta Ivo. Ele não se lembra o dia exato, porém recorda daquela madrugada que agiu no desespero.
— A água chegou no segundo piso, era 1h ou 2h, e começou a bater debaixo da cama da ‘mamãe’. Eu tinha combinado com meus irmãos que quando saísse fumaça da janela, era eu queimando jornal para avisar que tinham de vir buscá-la. Trovejava, a gente tinha medo dos fios da rede elétrica, dela cair na água e afundar, mas colocamos ela na canoa e tiramos dali — recorda.
Um dia depois, dona Wally voltou para casa após insistir muito aos filhos para ficar com Ivo, que não tinha deixado o imóvel por causa da preocupação com os furtos. Da sacada, ele vivia um misto de sentimentos ao ver pessoas de bateiras quebrando telhados para levar os botijões de gás ao mesmo tempo em que se agarrava à esperança cada vez que a água baixava.
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Assim como a impotência diante dos ladrões, sentiu a tristeza de ver o Itajaí-Açu oscilar e voltar ao leito só em 5 de agosto.
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— Os moradores tentavam salvar umas coisinhas colocando no forro e aí acontecia aquilo (os furtos). Onde estava a dor, a sensibilidade daquelas pessoas? Tinha momentos que a água chegava a baixar, ficava aliviado, aí subia de novo — diz com lágrimas nos olhos.
A primeira ajuda humanitária levou dias para chegar, recorda Ivo, e veio quando o 23º Batalhão de Infantaria montou uma cozinha comunitária na antiga empresa Nossa Senhora da Glória, para servir comida aos desabrigados. Em toda Blumenau, naquele episódio, foram 50 mil. Os irmãos do morador da Rua São Roque, que até então esperavam a água baixar no alto do antigo Estaqueamento Catarinense, agora se dedicavam como voluntários para a comunidade da Itoupava Norte.
Ivo presenciou naquele um mês algo inédito até mesmo para um blumenauense experiente quando o assunto é enchente. O nível do rio saiu da calha na Rua 2 de Setembro, perto da loja Móveis Gastaldi, e cruzou a rua, encontrando-se com a inundação que subia pela 1º de Janeiro. Era algo além da imaginação e, principalmente, das informações que se tinham para enfrentar uma inundação.
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— Naquela época não havia celular. Acompanhava por rádio, mas chegou uma hora que eles não funcionavam mais. Não tinha luz, não sabia quanto ainda ia chover, ficamos sem informação de nada.
Quando o pesadelo da enchente teve fim, era o momento de recomeçar. Mas demorou até a água ser restabelecida para lavar o que tinha sobrado e energia elétrica mais ainda, por causa das fiações rompidas, comenta o morador que subiu o segundo pavimento da casa em mais meio metro após a inundação, para tentar evitar que a água chegasse novamente ao piso superior.
Ivo ainda mora no mesmo lugar, mas com informação, sabe a hora certa de se preparar para sair.

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