O mistério que cerca o cartão-postal de Florianópolis, a histórica Figueira da Praça XV, foi desvendado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Um estudo publicado recentemente descobriu que a planta não é originária do Brasil. Da espécie Ficus microcarpa, ela é nativa da região da Ásia tropical e Austrália.

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A pesquisa para descobrir este enigma quase que centenário começou no primeiro semestre de 2023 quando a prefeitura da Capital contratou uma empresa para analisar a sanidade da árvore e, também, fazer o trabalho de revitalização dela e seu entorno. Durante o serviço, também nasceu o propósito de descobrir se a planta era nativa ou exótica.

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O professor de biotecnologia da UFSC Valdir Stefenon, estudantes de pós-doutorado e egressos de Agronomia foram os responsáveis pela descoberta. Stefenon descreve que, para chegar à conclusão de que a planta não era natural do Brasil, especialistas de seu laboratório colheram folhas e frutos da figueira e, a partir disso, isolaram o DNA da planta e o cruzaram com genes de outras espécies cadastrados em um banco internacional de dados, o GeneBank.

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— Como meu laboratório já vem trabalhando desde 2015 com genomas de cloroplastos e, desde 2020, com sequenciamento de genomas totais, aceitei a parceria — destaca o educador.

O trabalho de sequenciamento do DNA e de análises de dados foi feito via bioinformática (parceria entre a ciência da computação, estatística, matemática e engenharias que processam dados) e durou cerca de três meses.

— Utilizando uma tecnologia moderna, o DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática — explica o professor.

Veja fotos da figueira da Praça XV

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Chegada da árvore à Florianópolis ainda é um mistério

Apesar de agora saber-se a espécie e também a origem da figueira da Praça XV, a forma que ela chegou à Florianópolis continua sendo um mistério. Não há uma versão oficial sobre como a planta foi parar no Centro da Capital e há especulações sobre o assunto.

Inicialmente, havia a versão de que a a planta teria saído do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e teria vindo junto com as palmeiras reais que também ocupam a praça, replantadas próximas ao monumento em homenagem aos catarinenses mortos na Guerra do Paraguai.

O NSC Total procurou o Jardim Botânico que, por meio da assessoria de comunicação, informou que não há registros de que esta figueira tenha saído de lá. No espaço, inclusive, há um exemplar da mesma espécie que os estudiosos também não sabem dizer como chegou lá.

Outra possibilidade, segundo o professor da UFSC Valdir Stefenon, é que tenha sido trazida ao Brasil por alguém que gostou de suas características, com interesse científico ou mesmo por curiosidade, visto que há espécies de figueiras nativas que se assemelham a Ficus microcarpa — daí, inclusive, partiu a discussão sobre a planta ser nativa ou exótica.

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Com relação à adaptação da árvore, Stefenon explica que, apesar de distante do Brasil, a Austrália possui regiões com um clima muito semelhante ao Sul do país. Assim, a figueira possui condições de se desenvolver plenamente aqui. A única dificuldade pode estar relacionada à reprodução, uma vez que figueiras dependem de vespas que são específicas para cada espécie para realizar a polinização e produção de sementes.

— Ao ser introduzida em um ambiente exótico, a vespa específica pode não existir e, caso nenhuma outra vespa desse novo ambiente faça esse trabalho, a planta não produzirá sementes e não se reproduzirá. A menos que sejam feitas mudas por estaquia, alporquia, enxertia, por exemplo, ou in vitro, como estamos iniciando uma pesquisa agora em nosso laboratório. Essa nova pesquisa visa produzir clones (mudas) da figueira no laboratório — destaca.

Também não se sabe a idade exata da árvore. A empresa contratada pela prefeitura tentou determinar através da contagem de anéis de crescimento, mas, conforme Stefenon, a grande quantidade de raízes que durante os anos se desenvolveram ao redor do tronco, tornou esse processo inviável e inconclusivo.

Árvore dos desejos e casamenteira

Além da representatividade histórica, a Figueira da XV também é cercada por mitos e crendices populares. Como bem destaca o historiador da UFSC, Francisco do Vale Pereira, a árvore participa da vida da cidade e, com seus braços enormes, abraça quem por ali descansa e testemunha os encontros e desencontros de quem cruza a praça.

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Inicialmente, por volta de 1870, a árvore símbolo da Capital havia sido plantada em um pequeno jardim, situado à frente da Igreja Matriz – hoje Catedral Metropolitana. A única certeza que existe, porém, é quanto à data da sua transferência para a praça: fevereiro de 1891.

A lenda conta que o motivo da remoção, segundo o historiador, seria um romance entre um dos representantes do Palácio Cruz e Sousa, onde ficava a sede do Governo do Estado, com uma pretendente que morava em um prédio do outro lado da rua.

— E aquela árvore começou a crescer e passou a impedir este namoro de janela, à distância. Quando não conseguiram mais se ver, conta-se que houve esse determinação do presidente da província — relata Pereira.

Outra fama que a figueira possui é a de ser a “árvore dos desejos”. Turistas que visitam a cidade ouvem que para retornar a Floripa precisam dar uma volta completa na centenária. Mas a tradição popular mais falada é a de que a planta pode começar ou acabar casamentos.

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Isso porque, segundo o historiador, se a pessoa der três voltas na árvore em sentido horário, consegue arranjar um casamento. Agora, se quiser descasar de forma “amistosa”, basta fazer o círculo no sentido anti-horário.

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