Basta pronunciar o nome “Gabriella” que o tom de voz já não é mais o mesmo do “alô?”, do início da ligação. Palavras começam a sair trêmulas; as frases espaçadas, separadas por longas pausas de suspiro. Embora silenciosas, é possível perceber que as lágrimas acompanham a conversa ao telefone.  

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— Me desculpa — pede Thaires Alves ao não conseguir responder instantaneamente às perguntas sobre Gabriella Custódio Silva.

Gabriella tinha 20 anos quando foi atingida por um disparo de arma de fogo dentro da casa dos pais do namorado, Leonardo Nathan Martins. Foi em um fim de tarde de 23 de julho, em Pirabeiraba, na zona Norte de Joinville. Um ano depois, a dor da perda parece estar mais forte para os pais, amigos e familiares.

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Era Leonardo, atualmente com 22 anos, quem segurava a arma no momento do disparo que atingiu o peito de Gabriella — ele confirma essa afirmação, mas alega que o tiro foi acidental. A jovem foi colocada no porta-malas do carro e levada por ele ao Pronto Atendimento de uma unidade de saúde próxima, mas não foi possível salvá-la em tempo.

As câmeras de monitoramento da unidade registraram o momento em que Leonardo entra com Gabriella nos braços, deixa a jovem e vai embora. Ele se entregou à polícia 17 dias depois e, desde então, continua detido preventivamente no Presídio Regional de Joinville, onde aguarda, na condição de réu primário, pelo júri popular. 

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Desde a noite em que Gabriella morreu e durante todas semanas seguintes, o fato gerou mais repercussão do que a maioria das mortes recentes que ocorreram em Joinville. A foto da moça sorrindo acompanhada pela dor e pelos protestos da família e dos amigos, que chegaram a distribuir flores em frente ao Fórum de Joinville como forma de pedir justiça, deixaram a cidade em alerta sobre os crimes de violência de gênero. Ao mesmo tempo, ainda há dúvidas sobre a razão para o disparo: se foi acidental, como afirmava Leonardo, ou se teria sido feminicídio, como defendeu a Polícia Civil após a conclusão do inquérito criminal, em agosto de 2019.

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Enquanto isso, os amigos do trabalho sentem, dia após dia, a ausência de Gabriella pelos corredores. Os pais e a irmã, a falta das visitas empolgadas da jovem aos fins de semana. Aos amigos, da parceira com quem dividiam momentos e contavam segredos.  

— A estrela que mais brilha nesse céu é ela – destaca a amiga de infância, Danielle Harms.   

Gabriella e Danielle eram melhores amigas desde a infância
Gabriella e Danielle eram melhores amigas desde a infância (Foto: arquivo pessoal)

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Gênio forte e sonho de ser professora

Gabriella nasceu em 17 de abril de 1999, em Itajaí, e foi fruto de uma gravidez muito esperada pelos pais Valdirene Custódio Silva e Marcelo Silva. Não só pelos pais, mas também pela irmã Andreza, cinco anos mais velha. Pela família, Gabriella é lembrada como uma menina de gênio forte desde muito pequena.  

— Eu me identificava muito com ela. Acho que ela puxou um pouco mais o meu jeito. Ela não tinha “papas na língua”. Se estivesse no direito dela, ela “batia o pé” e corria atrás. Se estivesse errada, ela pedia desculpas, voltava atrás — lembra o pai.  

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Gabriella era a filha caçula
Gabriella era a filha caçula (Foto: arquivo pessoal)

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Ainda quando ela era criança, os pais se mudaram para Joinville para buscar por novas oportunidades de vida e garantir mais estrutura às filhas. Gabriella começou a trabalhar aos 15 anos de idade e, aos 20, já tinha o carro próprio. Apaixonada por crianças, seu maior sonho era se tornar professora para trabalhar em escolas e creches.  

— Ela vivia dizendo que iria nos encher de netos. Que iria ter uns quatro filhos e todos ainda antes da Andreza – conta o pai.  

Gabriella ao um ano de idade
Gabriella ao um ano de idade (Foto: arquivo pessoal)

Recentemente, a irmã mais velha, que havia recebido dos médicos a notícia de que não poderia engravidar, deu à luz a um menino. Andreza descobriu a gestação pouco tempo após a morte da irmã.

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— Agora eu tive um neto, mas fico pensando como ela ia ficar feliz com ele. Porque ela sempre amou criança. A dor só aperta. A minha vida mudou totalmente depois disso. A gente pensa que, com o tempo, vai passar, mas só vai apertando ainda mais. Fico a esperando chegar toda alegre, como era, risonha, brincando, correndo para o meu colo – recorda Marcelo.

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Proposta recusada no trabalho

Jovem fazia amizades por onde passava
Jovem fazia amizades por onde passava (Foto: arquivo pessoal)

Não era novidade que, por onde andava, Gabriella fazia amizades facilmente. Uma delas foi a Thaires, 21. Elas começaram a trabalhar juntas em uma empresa de logística e o contato acabou se transformando em uma forte amizade. Mesmo depois que Thaires mudou de área dentro da empresa, as duas ficaram ainda mais próximas. A conexão se estendeu para fora do horário de expediente. Elas frequentavam a casa uma da outra, se falavam todos os dias por mensagem e se viam frequentemente aos fins de semana.

Neste ano, as amigas completariam três anos de amizade e, para Thaires, o companheirismo de Gabriella é o que mais faz falta no dia a dia.  

– Nós acabamos nos afastando quando ela e o Leonardo foram morar juntos. Quando ela começou a namorar com ele, começou a se tornar uma pessoa negativa, e ela não era assim. Antes, ela era sempre muito animada e sonhadora. Sempre foi muito atenciosa, queria estar próximo das amizades, era amorosa, cuidadosa, sempre estava junto – pontua Thaires.

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Nos meses antes da sua morte, Gabriella fazia um curso de administração e empenhava todo seu esforço para conseguir bancar a sonhada faculdade, que ela trancou ainda no início de 2019.  

Thaires conta que Gabriella ia ganhar uma promoção no trabalho, mas recusou e decidiu sair da empresa, em maio de 2019. Segundo a amiga, ela apenas justificou dizendo que era porque estava cansada, que não era mais isso o que queria.

— A última vez em que a vi foi quando ela saiu da empresa. Depois disso, eu mandava mensagem, ela visualizava e às vezes respondia. Eu parei de mandar mensagem porque pensei que estava incomodando. Ela saiu da empresa dizendo que estava estressada, que não queria mais, mas não sei se foi isso mesmo – indaga Thaires.  

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Mudança de comportamento

Ela e Leonardo já se conheciam desde pequenos, quando estudaram juntos, entre os cinco e oito anos de idade. No entanto, eles perderam o contato com tempo e se reencontraram no fim de 2018. Gabriella havia ido buscar a irmã mais velha no trabalho, e foi nesse dia em que ela e Leonardo se viram, se cumprimentaram e, a partir daí, retomaram o contato.

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— Se eu pudesse voltar ao passado e mudar alguma coisa, eu não teria deixado ela me buscar aquele dia no trabalho. Foi o dia em que eles se reencontraram – lamenta a irmã, Andreza Custódio Silva.

Visitas à família começaram a ser menos frequente
Visitas à família começaram a ser menos frequente (Foto: arquivo pessoal)

Em pouco tempo, Gabriella e Leonardo começaram a namorar. Antes deste período, a jovem estava morando com sua irmã, já que seus pais haviam se mudado há cerca de um ano para Penha para dar continuidade a um restaurante e voltar à terra natal do pai da família. Andreza já era casada e Gabriella gostaria de continuar em Joinville, já que estava se estabelecendo na cidade do Norte catarinense. No entanto, em 2019, com aproximadamente quatro meses de namoro, Leonardo pediu Gabriella em casamento e o casal decidiu ir morar juntos em uma casa alugada.

— Ele até veio aqui em casa, em Penha. Ele e os pais dele. Eu não queria que casassem em pouco tempo, poucos meses de namoro, mas ela disse que gostava dele. Então eu deixei – conta o pai.

Segundo Marcelo, a filha começou a se afastar da família e as visitas se tornaram menos frequentes.

— Ela dizia que estava na Prainha (em São Francisco do Sul) quase todo o fim de semana. E eu dizia “poxa, Gabi, o pai queria ver você” — relembra ele.

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A amiga de infância, Danielle Harms, conta que a última vez em que a viu foi no chá de panela organizado por Gabriella para arrecadar itens para casa, em maio de 2019, período em que o casal foi morar junto. Ela também relata o distanciamento da “mana”, como costumavam chamar uma a outra, que não mandava mais mensagens.

Gabriella e Danielle eram vizinhas e se conheceram ainda na infância
Gabriella e Danielle eram vizinhas e se conheceram ainda na infância (Foto: arquivo pessoal)

— Ela me contava sobre algumas brigas entre eles, eu disse para ela terminar com ele, aí ela começou a se distanciar mais. Antes de morarem juntos, a gente saía bastante com os dois. Depois que moraram juntos eles ficaram mais distantes de mim – diz.  

Segundo o advogado de acusação, Marco Marcucci, os relatos testemunhais de amigos e pessoas próximas à Gabriella comprovam que a jovem morreu em função do gênero, uma das características do feminicídio.  

— Isso é ponto pacífico para acusação. Não há pontos obscuros quanto ao teor – afirma.  

 

Leonardo permanece detido

Atualmente Leonardo está detido no Presídio Regional de Joinville. De acordo com os advogados de defesa, não há comprovações no processo que indiquem conflitos na relação do casal. Desde o início do processo, a defesa trabalha com tiro acidental e busca a desclassificação do crime de feminicídio.  

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– A defesa trabalha com as provas que estão dentro do processo. Eles não tinham nenhuma base de conflito ou de ciúmes doentio, como vêm sendo veiculado equivocadamente. Na verdade, o que tem provado é que eles eram um casal em perfeita harmonia, perfeita comunhão – ressalta um dos advogados, Jonathan Moreira dos Santos.  

A defesa de Leonardo realizou dois pedidos de habeas corpus em 2019. O primeiro foi em 26 de agosto destinado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Dentre os itens citados no habeas corpus estava a apresentação voluntária do jovem à Delegacia de Homicídios (DH) depois do crime. O pedido foi negado em 29 de agosto. Já o segundo, teve negativa publicada em 20 de novembro pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A defesa havia feito o pedido de revogação da prisão preventiva, ou a aplicação de medidas cautelares de custódia, alegando que o acusado colaborou nas investigações.  

– Foi veiculado que a defesa estaria se aproveitando da situação de saúde dele, mas deixamos claro que o argumento de defesa nesse habeas corpus não é a condição de saúde do Leonardo, mas os requisitos que ele preenche para aguardar o julgamento em liberdade – reforça o advogado Pedro Wellington Alves da Silva.  

Neste meio tempo, o pai de Leonardo, Leosmar Martins, foi encontrado morto com um tiro na cabeça em um carro na BR-280 em fevereiro de 2020. Ele estava com as mãos amarradas. Leosmar tinha 41 anos. Ele havia sido indiciado por fraude processual e posse ilegal de arma em agosto de 2019, porque a arma utilizada no crime, que era dele, não era regularizada. Após a morte da jovem, ele alegou ter jogado a arma no Canal do Linguado, em São Francisco do Sul. Ele estava respondendo pelo crime em liberdade.

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