— O que faz um colombiano de 20 a 30 anos comprar passagens e, com o dinheiro do próprio bolso, vir a Jaraguá do Sul em janeiro? — questionava o produtor Fenísio Pires Jr em uma sala da Sociedade Cultura Artística (Scar) na última quarta-feira.

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A pergunta não esperava uma resposta que ele já não conhecesse. Atual diretor-executivo do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc), ele assiste há 13 anos o que motiva não apenas um, mas, em 2018, 47 colombianos, a passarem duas semanas do primeiro mês do ano no Brasil, em uma cidade que não apresenta chamariz turístico como outros destinos de verão da América do Sul.

Mesmo assim, é em Jaraguá do Sul que chega também uma comitiva de argentinos, assim como da Austrália, da China, da Espanha e dos Estados Unidos, reunindo 380 pessoas de 20 países, além de outros Estados do Brasil, depois de passarem por uma seletiva rigorosa entre mais de mil pessoas para estarem no Norte de Santa Catarina nesta época do ano. Selecionados, eles tornam-se alunos do festival-escola que começa neste domingo e é considerado o mais importante da América Latina na área de música erudita.

Como resultado, tem a chance de fazer aulas com professores de grandes universidades de música e tocar lado a lado com músicos de orquestras internacionais. Enquanto vivenciam estas experiências durante duas semanas, provocam naturalmente uma movimentação que mexe com a cidade de 170 mil habitantes. Situada a cerca de 55 quilômetros do litoral, com sua economia focada na indústria, Jaraguá é o tipo de cidade que “fica vazia” no verão, a ponto de os hotéis escolherem janeiro para as férias de seus funcionários.

— Os hotéis podiam fechar nessa época do ano, porque a ocupação é muito baixa. Nosso turismo é de negócios, não de lazer — afirma a coordenadora do núcleo de hospitalidade da Associação Empresarial de Jaraguá do Sul (ACIJS), Cintia Buzian.

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Ela avalia que, neste período, a ocupação dos hotéis seja incrementada em 20%. Não são, em sua maioria, os alunos do Femusc os hóspedes que aparecem nestes números. O evento oferece alojamento dentro do campus da Católica de Santa Catarina, transformando o local em uma espécie de albergue da juventude, o que torna a participação mais acessível. O incremento deve-se aos professores e profissionais contratados pelo festival e pelos turistas que ele provoca.

— Há pessoas que todos os anos dedicam duas semanas de suas férias para viajarem para Jaraguá por causa do Femusc, pelo amor que tem à música clássica — conta Fenísio.

Economia começa a despertar para a demanda

Com um perfil tipicamente industrial, Jaraguá do Sul ainda começa a evoluir na preparação para atender ao turista e explorar a atividade ao fazer investimentos que atraiam o público para o comércio e os restaurantes. Por não ter o turismo como elemento econômico forte, não é comum, por exemplo, encontrar souvenir da cidade no comércio local.

Giovana e Valdir Hornburg perceberam isso e souberam aproveitar o momento para elevar as vendas. Há dez anos, eles montam um estande dentro do Centro Cultural da Scar para venda de chocolates artesanais. Com a experiência dos primeiros anos, entenderam a demanda e começaram a produzir chocolates temáticos, com instrumentos e notas musicais. Também adquiriram uma impressora para estampar camisetas e canecas personalizadas, que viram lembranças do Femusc para os alunos que vem de fora. Neste período, as vendas sobem em até 15%.

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— No dia seguinte ao concerto, já estamos fazendo produtos com imagens da apresentação. O participante se reconhece na imagem e dificilmente deixa de comprar — conta Valdir.

Para o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Jaraguá, Gabriel Seifert, eles foram inovadores ao conseguirem enxergar este nicho ainda no início do evento.

— Ainda há poucas opções de produtos temáticos para o Femusc, mas os comerciantes se preparam para ele, porque há entrada de dinheiro de fora. Além disso, o evento faz o morador sair de casa, e ele também passa a consumir mais — avalia.

O diretor da Fundação Turística de Jaraguá do Sul, Marcelo Nasato, também percebe a busca por mais qualificação nos serviços oferecidos pela cidade desde a criação do Femusc. Ela envolve o conhecimento na área de produção de eventos e reflete outras atividades, que inclui até o desenvolvimento de tecnologias específicas.

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— Um evento deste porte, com tantas pessoas envolvidas nos bastidores, exige que a equipe busque mais qualificação e melhora o nível da prestação de serviços, do comércio. É um conhecimento que fica para a cidade – analisa.

Formação de plateia garantida

Aos olhos de um leigo em música erudita, os nomes dos músicos que integram o quadro docente do festival não representam mais do que nomes estrangeiros. Mas, a um estudante de música, estar diante do cartaz do Femusc é semelhante a olhar um anúncio do Rock in Rio para o público em geral.

— Temos dificuldades de fazer o marketing e anunciar os destaques do ano, porque todos os professores o são. Até mesmo os estudantes, em seus países, são profissionais contratados de orquestras. É como ter uma escolinha de futebol e o Neymar chegar para fazer aulas — analisa Fenício.

Com mais de 200 apresentações divididas entre os 14 dias do evento, todas elas gratuitas, estar em Jaraguá em janeiro significa poder assistir a uma temporada com referências da música clássica, transformada em “maratona” cultural pelo curto espaço de tempo. Músicos que, em outras ocasiões, cobrariam cachês altíssimos, apresentam-se com prazer no Centro Cultural da Scar mesmo recebendo apenas R$ 7.500 como pagamento pelo período que estão no Femusc.

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São eles, e sua maratona de música clássica, que atraem turistas, sejam eles o público conhecedor de música erudita ou aqueles que estão no litoral catarinense e aproveitam a proximidade da cidade para assistir a um espetáculo.

— Em dias de chuva, há a certeza de carros de hotéis do litoral trazendo hóspedes para os Grandes Concertos. Há noites em que chegam turistas com vestidos longos e paletó e sentam-se ao lado do “Fritz” de Jaraguá, que saiu da zona rural e foi assistir ao concerto de bermuda e sandálias — conta o diretor-executivo.

Ele refere-se ao fato de o Femusc ter criado a possibilidade de os moradores de Jaraguá do Sul assistirem a opções de espetáculos comuns apenas em grandes áreas metropolitanas em sua própria cidade, desmistificando uma arte pouco compreendida pelo grande público como a música erudita. Pelo quarto ano consecutivo, haverá ópera no Femusc e, em 2018, ela terá duas noites de apresentações para atender a grande procura, que leva o teatro de mil lugares da Scar a ficar lotado depois que os ingressos ficaram esgotados em 30 minutos de distribuição.

— Criamos um problema bom. Jaraguá já passou da fase de formação de plateia. A expectativa para este ano é que o público comece a descobrir as pequenas salas, nos concertos de câmara, que geralmente atraem um público mais especializado – avalia.

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Cultura reflete na cidade

O Femusc existe porque existe também o Centro Cultural Scar, um espaço de 10 mil metros quadrados, inaugurado há cerca de 15 anos. Foi a existência desta estrutura que possibilitou que, há 13 anos, o maestro Alex Klein escolhesse a cidade para sediar o evento. Ao mesmo tempo, a Scar possui atualmente um acervo instrumental e técnico graças às necessidades apresentadas pelo festival. Instrumentos grandes demais para os alunos trazerem na bagagem, como piano e harpa, foram adquiridos com a ajuda de empresários jaraguaenses e permanecem na cidade depois que o festival acaba.

— O que a Scar possui é o maior acervo instrumental do País. São 17 harpas, 36 pianos… A estrutura de sonorização e iluminação do prédio surpreende professores que vem de outros países, que a comparam às de grandes teatros e universidades de música – comenta Fenísio.

Os 302 instrumentos do acervo da Scar são usados nos outros 11 meses para as orquestras do centro cultural e as aulas oferecidas no local. Assim, ainda que em menor escala, a cidade mantém a arte que projeta sua imagem para fora do País como uma referência no ano inteiro.

— É comum que, logo depois do Femusc, o público da Orquestra Sinfônica aumente e os ingressos esgotem. E isso faz com que a responsabilidade aumente, porque os moradores assistiram a grandes obras em bons espetáculos e se tornaram um público mais exigente – conta o fagotista Joel Henquemaier, 31 anos, que integra a Orquestra da Scar.

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