*Por Nicole Sperling

Los Angeles – No dia dez de setembro, cerca de 70 carros estavam em um estacionamento no centro de Los Angeles, cercados por arranha-céus e alguns food-trucks, para assistir a “Concrete Cowboy”, filme estrelado por Idris Elba e ambientado na comunidade de caubóis negros do norte da Filadélfia.

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Em matéria de estreias de filmes, essa foi pouco ortodoxa.

“É um sonho realizado. Não sei de ninguém que sonhe em lançar um filme em um drive-in, mas nunca sonhei que meu primeiro filme seria um faroeste negro na Filadélfia”, disse, com um grande sorriso, Ricky Staub, cineasta branco de 37 anos que faz sua estreia na direção.

Staub tinha planos ambiciosos quando “Concrete Cowboy” conquistou cobiçadas inclusões nos festivais de cinema de Telluride e de Toronto. Ele imaginou seu elenco de caubóis reais chegando a cavalo ao tapete vermelho de Telluride, no Colorado, em setembro, antes de voar para o norte e ser recebido no Roy Thomson Hall, de 2.500 lugares, em Toronto – lugar ideal para causar impacto em uma multidão lotada de luminares da indústria e cinéfilos ansiosos.

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(Foto: Alex Welsh / The New York Times)

Isso tudo mudou quando Telluride foi cancelado por causa da pandemia do coronavírus e Toronto optou por um modelo híbrido, com exibições presenciais para o público canadense e uma versão virtual para todos os outros.

“Todo mundo me disse que a melhor parte de terminar um filme é quando você começa a ir aos festivais. Não posso passar por isso. Sinto-me grato, mas estou triste por não participar. São diferentes graus de chateação”, afirmou Staub em uma entrevista.

Mas o cancelamento de festivais de cinema tradicionais significa mais do que perder coquetéis e o tapete vermelho. Para pequenos filmes independentes como “Concrete Cowboy”, que custou menos de US$ 5 milhões e ainda procura um distribuidor, perder a oportunidade do momento boca a boca nos festivais pode ser a diferença entre se tornar um improvável queridinho do Oscar ou apenas mais um no mercado de vídeo sob demanda. No Festival de Veneza, realizado pessoalmente com algumas restrições de segurança, “One Night in Miami” – a estreia na direção da atriz ganhadora do Oscar Regina King – gerou conversas antecipadas sobre premiações. A Amazon comprou o filme recentemente em uma disputa acirrada.

“Festivais são grandes eventos que incluem a promoção de um filme e, muitas vezes, de um cineasta, e tornam possível nosso trabalho. Perdemos tudo isso. É difícil quantificar. É difícil acreditar que o filme está realmente lá se você não pode vê-lo”, disse Tom Quinn, executivo-chefe da Neon, que distribuiu “Parasita”. A obra chamou a atenção do público no Festival de Cannes no ano passado, antes de fazer sua improvável marcha rumo ao palco do Oscar, onde levou a estatueta de melhor filme.

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(Foto: Alex Welsh / The New York Times)

Toronto tentou criar esse entusiasmo no mundo virtual com um número seleto de sessões de perguntas e respostas on-line com cineastas, além de exibições em um drive-in e em uma sala de cinema com 50 pessoas em Toronto.

Cameron Bailey, diretor artístico e um dos responsáveis pelo festival, admite que é “estranho”, especialmente sem as multidões habituais lotando as ruas durante os dez dias de evento internacional. No entanto, garantiu que o festival ainda é capaz de promover novos cineastas e filmes, mesmo em um mundo virtual.

“A moeda primária de um festival é intangível – é o burburinho, que não é uma coisa física. Não precisa acontecer em um lugar específico, em determinado momento. Pode se dar de muitas formas diferentes, como percebemos diariamente pela internet”, comentou Bailey.

Os festivais de cinema sempre foram incubadoras de cineastas talentosos. Steven Soderbergh foi pioneiro no movimento do cinema independente moderno quando seu primeiro longa, “Sexo, Mentiras e Videotape”, estreou em 1989 no que hoje é o Festival de Cinema de Sundance, e Barry Jenkins e “Moonlight: Sob a Luz do Luar” começaram sua marcha para o Oscar em Telluride, em 2016.

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Lee Daniels, um dos produtores de “Concrete Cowboy”, viu a própria carreira decolar depois de estrear o segundo longa que dirigiu, “Preciosa: Uma História de Esperança”, no Sundance, em 2009. Essa exibição inicial ajudou a garantir dois Óscares, incluindo um para Geoffrey Fletcher, que se tornou o primeiro roteirista negro a ganhar o prêmio. “Esses festivais dão à luz vozes jovens e as celebram”, afirmou Daniels.

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(Foto: Alex Welsh / The New York Times)

Ele se juntou a “Concrete Cowboy” como produtor porque se sentiu atraído pela história, centrada em um pai e um filho negros; além disso, acreditava que tinha encontrado um novo talento em Staub. Ele está feliz com o fato de Telluride e Toronto terem concordado.

Daniels confessou estar confiante de que o filme encontraria um público mesmo sem os mecanismos tradicionais do festival: “A obra fala por si só. É forte.”

A história de “Concrete Cowboy” se desenrola entre caubóis negros que tentam preservar o último estábulo urbano de cavalos numa área em que isso tinha sido comum. Conta a história de Cole (Caleb McLaughlin, de “Stranger Things”), garoto problemático de 15 anos que vai viver com o pai que mal conhece (Elba), caubói tranquilo, mas que se sente mais confortável entre os animais do que entre outras pessoas.

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Elba, que também é produtor de “Concrete Cowboy”, reconheceu que as condições para o filme não eram ideais, mas mesmo assim abraçou a ideia de estar envolvido com o festival. “É um filme muito especial durante um momento muito especial”, disse ele em uma mensagem de vídeo gravada que foi reproduzida antes do evento no drive-in de Los Angeles, exibição bancada pelo agente de vendas do filme, o Endeavor Content.

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(Foto: Alex Welsh / The New York Times)

Em uma entrevista por telefone do Novo México, onde está prestes a retomar as filmagens de uma produção da Netflix que foi adiada este ano quando o ator teve Covid, Elba disse: “É uma pena que não estejamos lá, mas às vezes você tem de se transformar e ir em frente, e foi isso que fizemos. Como grupo, somos gratos por termos a oportunidade de divulgar o filme, mesmo que não seja com toda a pompa e a circunstância que gostaríamos.”

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