No momento que a tocha olímpica passava, na última quinta-feira, pelo bairro proletário de Tottenham, Ibrahim Muhamad observava a cena sem empolgação. O olhar distante demonstrava que seu pensamento voava para quase um ano antes.
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O mergulho neste túnel do tempo não foi agradável. Naquele mesmo local, uma revolta popular explodiu em violência por todos os lados e o prédio ao lado da oficina mecânica de onde Ibrahim trabalha, uma tapeçaria, foi incendiado.
O porquê de não partilhar do espírito olímpico, de não conseguir entender muito o significado daquela mensagem de congraçamento, este filho de imigrante árabe logo revela:
– As olimpíadas não chegaram aqui, isso é para o mundo ver, não para melhorar nossa vida, aqui na periferia eles só vêm aqui em eventos assim, ou daquele jeito ali – falou apontando para dois policiais, loiros, gigantes, que passavam ao lado na rua.
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Um dos policiais olhou com jeito arrevezado. A reportagem do DC perguntou imediatamente se ele lembrava das revoltas:
– Yes Sir, eu tive que prender muita gente – soltou um sorriso sarcástico e continuou a caminhada.
– Entendeu do que estou falando ? – reagiu Ibrahim.
E voltou a olhar para a tocha, sem emoção, enquanto ela se afastava, olhou para a reportagem e convidou:
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– Quer entender do que estou falando, vem aqui.
Caminhou menos de 40 metros, até sua oficina, apontou para um grande tapume branco, com uma imagem do futuro novo estádio do Tottenham e fotos do local, um dos muitos que incendiou e mostrou:
– O seguro, pelo menos funcionou, estão reconstruindo esta área, mas nossas almas machucadas não podem ser restauradas.
Dois personagens contam o drama de ver seus futuros ameaçados
A reportagem falou com dois vizinhos dos acontecimentos e com muitos moradores do bairro. Os comércios que tiveram a sorte de serem poupados foram uma oficina mecânica e uma loja que vendia tapetes, o mesmo ofício do desafortunado comerciante, que como uma dezena de outros, teve sua loja incendiada.
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À direita de um dos prédios que foi destruído, na avenida principal do bairro, a Tottenham High Street, está o trabalho de Ibrahim. Ele estava em casa no momento que estourou a revolta, era o período de férias, o chamado Hollyday em Londres, e temeu pela destruição de seu ganha pão.
Ibrahim ficou chocado, não participou da revolta, ele acha, como a maioria dos entrevistados nas redondezas, que a violência não é a melhor forma de expressão:
– Por sorte não afetou meu cotidiano, eu teria perdido tudo e as pessoas que produziram o acontecimento não ganharam nada de diferente com isso e nem o recado é recebido pelas autoridades, que reagem com mais violência – constata.
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O “riot” como ficou conhecido o efeito dos “gangsters” produziu um silêncio compartilhado no imenso bairro. A reportagem tentou fazer inúmeras entrevistas para gravar em vídeo, mas as pessoas só aceitavam falar sem serem gravadas, mesmo assim um deles, Shegan, morador da local, um negro forte e decidido, não temeu aparecer em vídeo (que você pode conferir no diário.com.br), ser gravado e mandar seu recado. Mesmo sabendo que, até hoje, a Scotland Yard procura envolvidos no evento:
>>> Assista ao depoimento de Shegan
Um olhar atento para o bairro, num dia de semana comum, em plenas Olimpíadas, mostra que o cotidiano dos moradores não mudou. O subúrbio, terra do Tottenham Hotspurs, um dos times populares em Londres, não está nem aí para a agitação olímpica, que se dá mais no centro da cidade e em Stratford, onde o Centro Olímpico foi construído. Esta também era uma área popular, abandonada, mas recebeu as melhorias e mudou seu destino.
O mesmo não aconteceu com Tottenham e várias outras localidades populares. A rotina da população, na maioria imigrantes judeus e árabes, ciganos, indianos, negros e também ingleses trabalhadores “menos nobres”.
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Relembre os acontecimentos
Os principais locais onde explodiu a violência foram em Croydom, norte da capital britânica. Hackney, Lewisham, Peckham e, principalmente, Tottenham, onde tudo começou,.
Após o assassinato de Mark Duggan, de 29 anos, por policiais no dia 4 de agosto, abordado por agentes da Scotland Yard (polícia britânica) em um táxi foi morto a tiros.
Esse fato foi o estopim para que a população deste bairro tomasse as ruas em protesto.
Ibrahim Muhamad contou para o DC como se articulou as ações:
– O sujeito era muito popular no bairro. Em seu enterro, começaram a conversar sobre reagir, juntaram grupos, marcaram um primeiro encontro. Dali, ninguém mais segurou a ira dos jovens.
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– A polícia nunca fala conosco, eles nos ignoram, eles nem acham que somos humanos nesta região, nós somos parados toda a hora como criminosos. Se você está vestindo um capuz escuro, se você é um homem negro, eles te param por nenhum motivo declarou um jovem em uma reportagem publicada na página da BBC Brasil em 7 de agosto de 2011.
Mais de cem pessoas foram presas durante os protestos entre a noite do dia 7 e a madrugada do dia 8 de agosto. Outras 61 já haviam sido detidas na madrugada do dia 6.
O bairro de Totenham
O bairro de Tottenham é conhecido tanto pelo histórico de violência policial quanto pelo de combativas revoltas populares. No ano de 1985, milhares de pessoas tomaram as ruas bairro em um grande protesto contra o assassinato de Cynthia.
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A história de resistência contra a opressão policial se dá por sua composição majoritariamente imigrante, incluído um levantamento popular em 1985 só comparável ao que ocorreu recentemente. No bairro vivem africanos, caribenhos, polacos, judeus ortodoxos, turcos e ingleses brancos, que sofrem dia a dia a extorsão da polícia. Jarrett, que morreu em decorrência de um ataque cardíaco, depois de ter sua casa invadida pela polícia.
O clube da periferia
O Tottenham tem a terceira mais alta média de público de todos os tempos no seu país, atrás apenas do Manchester United e Liverpool
O clube tem uma forte influência e fãs da comunidade judaica , o que provoca ofensas anti-semitas contra os torcedores. Os torcedores dos Spurs, judeus e não-judeus, uniram-se contra isto
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Saiba mais
Casos recentes na Europa
A reação da juventude que, por sua magnitude e composição, foi rapidamente comparável com o levantamento dos jovens árabes e norte-africanos nos subúrbios parisienses em 2005, ou à sublevação da juventude grega em fins de 2008.