Embalado por críticas elogiosas, o primeiro romance de Fernanda Torres figura nas listas de mais vendidos desde dezembro. Com Fim (Cia. das Letras), a atriz abraça o sarcasmo para falar do Rio de Janeiro como uma cidade de hedonistas decadentes.
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Fim é a primeira incursão de Fernanda pelo gênero do romance, mas a atriz já vinha angariando leitores em suas colaborações com o jornal Folha de S. Paulo e as revistas Veja Rio e Piauí. Também é autora da peça Deus É Química, de 2009, e coautora do roteiro do filme Redentor, de 2004, dirigido por seu irmão, Cláudio Torres.
No livro, ela apresenta cinco homens na faixa dos 70 e dos 80 anos. O ranzinza Álvaro, o libertino Sílvio, o atleta Ribeiro, o careta Neto e o muso Ciro são representantes de uma geração carioca que viveu a revolução sexual dos anos 1960 e não escapou ilesa. Deixaram pelo caminho todas as ilusões. Em cada capítulo, a autora os incorpora durante seus momentos finais de vida, ao resgatar as lembranças de paixões, sacanagens, experiências com drogas, noitadas regadas a álcool – tudo em primeira pessoa. Da prática como atriz, Fernanda traz o talento para ser várias pessoas e contar histórias sob perspectivas diversas. As mulheres, ex-mulheres e os filhos dos cinco personagens também protagonizam trechos curtos entremeados nos capítulos.
Os cinco velhinhos de Fernanda são superficiais, devassos, egoístas e bastante misóginos. São desprezíveis a ponto de odiar e serem odiados pelos próprios filhos. E a redenção não está no horizonte de nenhum deles: os traços de personalidade só pioram na iminência da morte. Neste Rio de Janeiro bem aquém do maravilhoso concebido pela autora, a noção de ética parece um mito distante, e assim o livro alcança níveis estratosféricos de ceticismo.
Quem percorrer as páginas à procura do humor leve da Fátima de Tapas e Beijos ou da Vani de Os Normais vai ser atingido por uma bigorna na cabeça. Fará melhor ao sentar-se em uma cadeira confortável disposto a descobrir até onde pode ir a desesperança na humanidade. Mas essa amargura, que por vezes torna o livro tóxico, também garante bons momentos ao expor o ridículo das ideias românticas. Aqui não há qualquer mitificação na morte (“A melodia fúnebre acompanhou a travessia do esquife pela esteira de rolos de metal, até sumir por um túnel baixo e escuro, como fazem as malas no raio X dos aeroportos”), nem beleza no envelhecer (“Depois dos setenta a vida se transforma numa interminável corrida de obstáculos”), e tampouco poesia na paixão (“O amor nada tem de etéreo, é carne,é físico,e brutal”).
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Graças à linguagem coloquial da autora, a leitura de Fim flui com rapidez. É um pouco como sentar junto a uma roda de amigos numa mesa de bar e escutar não apenas a conversa, mas também o que eles nunca ousariam pronunciar em voz alta. Esses pensamentos, entretanto, dificilmente adquirem alguma densidade. Ao final do livro, é difícil não se perguntar: valeu a pena passar algumas horas na companhia de personagens tão rasos?