Fernanda Montenegro é uma atriz absolutamente extraordinária, uma força da natureza. Ela já encenou todos os grandes dramaturgos, Millôr Fernandes e Nelson Rodrigues escreveram muitas peças para ela, foi a primeira atriz contratada da televisão brasileira, fez grandes filmes, ganhou todos os prêmios, mas isso todo mundo (e o mundo inteiro) já sabe.
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Todos os dias, em cada cena, em cada tomada, ela me surpreende com sua energia, sua capacidade criativa, sua generosidade com os companheiros de trabalho, com a equipe. Todos os dias, aprendo com ela, não apenas com seu profundo conhecimento do ofício de atuar, mas também com sua sabedoria de vida. O Bobo lembra ao rei Lear que ele “não deveria ter envelhecido antes de se tornar um sábio”. Pois a Fernanda se tornou uma sábia que esqueceu de envelhecer.
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Fernanda não suporta clichês, e não gosta muito de ser chamada de “primeira-dama” do teatro brasileiro – procurei no Google (“Fernanda Montenegro”+ “primeira dama”) e encontrei 16,3 mil textos. “Sou uma atriz, fazendo o meu trabalho”, ela diz.
Fernanda guarda – e compartilha – um milhão de histórias. Um dia, foi convidada com seu grupo, o Teatro dos Sete, para um encontro com a então primeira-dama Maria Tereza Goulart. Fernanda, Fernando Torres, Ítalo Rossi, Sergio Britto e o diretor Gianni Ratto foram recebidos para um jantar no Palácio Laranjeiras, no Rio.
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“Era o fim do verão. Jantamos no jardim, à luz de velas. Maria Tereza era uma jovem lindíssima, estava vestida pelo Dener, que ligou para ela durante o jantar. Ela, então, disse o que queria da gente: estava muito desencantada de ter que viver em Brasília, queria fazer uma coisa que talvez até pudesse reverter para caridade. Ela queria, junto com a gente, ter esta experiência teatral, fazer um espetáculo. Nós ficamos de pensar, um Martins Penna, uma coisa do século 19, nos interessamos, a princípio, muito admirados. Ficamos de resolver se ela viria ensaiar com a gente. Foi um longo jantar. Depois, fomos convidados para ir ao cinema do palácio, onde assistimos a Lawrence da Arábia, que dura três horas. Saímos do Palácio a pé, para pegar uma condução no Largo do Machado, já era dia claro.”
Era a manhã do dia 31 de março de 1964. No dia seguinte, a primeira-dama que queria fazer teatro já não era mais a primeira-dama.