É quinta-feira, 14 horas, e o palco do Grande Teatro da Sociedade Cultura Artística tem 72 músicos sentados, à espera das orientações do maestro Gregory Carreño para o primeiro ensaio. O 14º Femusc, o Festival de Música de Santa Catarina, acabara de começar. Mas, para que aquele grupo, formado por estudantes de mais de 20 países, pudesse estar reunido diante de uma das maiores referências de orquestração musical da América do Sul, foram necessários 11 meses de trabalho de pessoas que, naquele mesmo instante, continuavam correndo para que a grande engrenagem do festival não pare. São passos que precisam ser cumpridos todos os anos, desde que o evento iniciou, em 2005.

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— Assim que termina o Femusc, é hora de fazer o projeto do ano seguinte e começar a captação — conta o diretor-executivo do festival, Fenísio Pires de Lima.

Ele é o responsável por este que é o primeiro movimento para garantir um evento que conta com cerca de 400 colaboradores envolvidos, entre profissionais contratados, funcionários da Scar — principal sede do Femusc —, servidores públicos e pelo menos uma centena de voluntários. São pessoas com diferentes tipos de talentos e conhecimentos trabalhando para manter o evento de Santa Catarina no posto de mais importante festival-escola de música do Brasil, com a reputação que faz participantes de vários lugares do mundo continuarem viajando para Jaraguá do Sul em todo mês de janeiro.

Nem sempre foi assim. Há 15 anos, Jaraguá do Sul tinha uma grande estrutura para a cultura, com a Sociedade Cultural Artística (Scar), e bons professores de música, oriundos da tradição dos imigrantes germânicos. Era um local em potencial para abrigar um evento do porte do Femusc, nos moldes dos sonhos de seu criador, o maestro e oboeísta Alex Klein, mas não possuía os profissionais que são facilmente encontrados em capitais, com formação e experiência em produção cultural.

— Eu vi essa transformação acontecer, assim como foi com o público: tivemos uma formação de plateia ao mesmo tempo em que conseguimos formar profissionais. Há pessoas-chave que vem de fora, como o arquivista principal, que é da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), e a coordenadora de ópera, que vem do Rio de Janeiro. Mas, hoje, temos pessoas com mais de dez anos de experiência na música, especialmente na música clássica, e são moradores de Jaraguá do Sul. — avalia Fenísio.

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São conhecimentos que a plateia pode não imaginar, mas que são determinantes para o evento funcionar e, principalmente, os grandes espetáculos acontecerem. Em uma orquestra, por exemplo, cada obra tem uma formação diferente no palco, na posição das cadeiras, com distribuição de partituras específicas para cada instrumento, que podem ainda estar tocando partes diferentes.

— A equipe de arquivo é que vai tirar essas partituras e ter certeza de que está colocando a pasta do violino 1 na frente do violino 1, por exemplo, e não na viola 2. E essa expertise temos hoje em Jaraguá do Sul, com pessoas com conhecimento técnico para trabalhar aqui e, no resto do ano, na Orquestra Filarmônica e na Orquestra Jovem da Scar, por causa do Femusc.

Estrelas com "salários" de R$ 7 mil

O grande trunfo de um festival-escola como o Femusc é reunir alguns dos melhores estudantes de música do mundo com seus ídolos: os professores e maestros do Femusc são estrelas saídos de orquestras como a de Sinfônica de Berlim e a da Argentina, e a Filarmônica da Inglaterra, e de universidades como a New York University e a Julliard School. São 31 professores que assumem os programas de ensino do festival durante o dia e, à noite, sobem ao palco para apresentações que tem entrada gratuita.

— Tem professores que cobram 80 mil dólares para uma apresentação no exterior, mas vem ao Femusc em seus períodos de férias para ganhar R$ 7 mil. Isso, convertido em dólar para eles, é dinheiro do cafezinho. Eles são quase voluntários, vem para dar aula porque gostam, e toda apresentação que um professor sobe no palco e participa, ele faz de graça — informa Fenísio.

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Ter chegado a este status no atual momento é o que garante que o Femusc não deixe de existir e continue evoluindo, apesar do momento econômico. Há cinco anos, a organização viveu o auge, com orçamento de R$ 2,8 milhões. Este valor decaiu até chegar a R$ 2 milhões em 2018 e, neste ano, o festival está sendo realizado com apenas R$ 1,4 milhão.

Por isso, houve cortes no número de dias — tradicionalmente com 14, neste ano são apenas dez dias de evento — e nos programas de ensino. Em 2019, não haverá programa de violão, nem quarteto de cordas e Banda Sinfônica. O Femusckinho e o Femusc Jovem, que ocorriam paralelamente oferecendo uma espécie de colônia de férias musical para crianças e adolescentes de Jaraguá do Sul, também precisaram ser cancelados.

Além disso, nesta edição duas apresentações serão cobradas: o Concerto de Gala, em 31 de janeiro, e a ópera, em 1º de fevereiro, que tem ingressos a R$ 20. São as noites mais disputadas em outras edições e que, neste ano, já tinham mais da metade dos ingressos vendidos uma semana antes da apresentação. Com isso, a organização espera arrecadar R$ 20 mil e, possivelmente, dar início a cobrança de valores simbólicos nas apresentações no Grande Teatro.

— Em meio a 1,4 milhão, este é um valor pequeno. Mas a população está satisfeita de ajudar, na captação via Lei Rouanet tivemos aumento nas doações de pessoas físicas. E há essa inconsistência de depender de um programa de renúncia fiscal, porque até quando teremos a Lei Rouanet? Com essa preocupação, fomos atrás de uma diversificação de investimentos — explica Fenísio.

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