Lázaro Ramos é mais conhecido pelo trabalho como ator, mas ele sempre fez muito mais do que apenas assumir papeis e interpretá-los no teatro, no cinema e na TV. O baiano de 40 anos tinha apenas 20 quando escreveu sua primeira obra, Paparutas. Desde então, já escreveu dramaturgia, dirigiu espetáculos e acaba de lançar seu sexto livro, "Sinto o que Sinto e a Incrível história de Asta e Jaser".

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Ele vem a Joinville para participar da Feira do Livro no domingo, lançando a nova obra e conversando sobre literatura, arte e emoções. Além de ter sua produção focada principalmente nas crianças, seu trabalho invariavelmente gira em torno da educação sentimental. Este é o tema principal de "Sinto o que Sinto", no qual seu protagonista, Dan, tenta lidar com as emoções ao longo de um dia e, à noite, aprende mais sobre os sentimentos ao conhecer a história dos ancestrais, Asta e Jaser, a partir de uma lenda africana.

AN: como começou sua relação com a literatura?

Lázaro Ramos: minha relação com o prazer da leitura começou na adolescência quando comecei a fazer teatro. Antes, eu não entendia a leitura como um prazer, era mais uma obrigação escolar. Eu não sei exatamente de onde surgiu isso, mas, quando comecei a ler os livros relacionados ao trabalho que eu sonhava em ter, eu descobri uma grande companhia e a leitura virou uma rotina constante. Isso inclusive inspira um pouco o que eu gosto de falar sobre literatura. Eu não falo muito na obrigação de que “tem que ler porque é onde vai encontrar o conhecimento”. Isso também, mas no livro se encontra muito prazer e minha fala é para que desde cedo as crianças compreendam esse lugar prazeroso que é a leitura.

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AN: apesar disso, você já contou que tinha um tio que era contador de histórias. Achas que essa experiência, do contato com histórias, mesmo que de forma oral, já representam uma influência importante para o desenvolvimento da criança?

Lázaro: sim, uma influência importantíssima para o desenvolvimentos da criança, aliás, para o desenvolvimento do ser humano. Esse meu tio foi fundador do Filhos de Gandhi e ele compartilhava muito comigo as histórias da vida real e as histórias inventadas, e isso brilhava os meus olhos, me fazia conhecer outros mundos e me abria a percepção para tudo.

AN: existe uma ideia pré-concebida de que literatura para criança tem que ser simples, pensada para “agradar”. Como foi o seu processo de criação nos livros infantis para captar “a voz” da criança e conquistar os leitores jovens sem subestimá-los?

Lázaro: quase todos os livros que eu escrevi eu não sabia que eram livros para criança. Eu tinha uma história para contar, achava que tinha começo, meio e fim, e comecei a fazer. Eu acho que a maneira com que eu escrevo tem muito humor e ludicidade. E aí depois eu vejo qual é o público. Os infantis eu tive que fazer alguma adaptação porque as histórias foram sendo escritas de forma livre, mas eu fui aprendendo com essa maneira de escrever que, com os recursos de entretenimento para criança, dava para falar sobre quase todos os assuntos. E isso foi desde o primeiro livro infantil até os atuais. Eu procuro manter essa voz, que é uma percepção das crianças como indivíduos pensantes, desejantes e que, com cuidado e respeito, dá pra criar uma literatura que não os subestime.

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AN: quando seu primeiro filho nasceu, houve uma busca por livros em que houvesse identificação com os personagens de todas as formas, com obras que mostrassem diversidade?

Lázaro: quando o João nasceu, e antes mesmo de ele nascer, a gente sempre acreditou na literatura como potencializador das nossas crianças. Então, antes mesmo de ele nascer já tínhamos comprado vários livros de histórias diferentes, em formatos diferentes, desde o livro da banheira até livro de capa dura. E hoje é muito bonito ver que eles são curiosos pela leitura, pelos textos, por se identificarem e se procurarem, e conhecerem mundos e pessoas que não conhecem. Eles têm uma leitura muito diversificada e isso fortalece muito a identidade, o caráter e o aprendizado deles. Aliás, acho que um dos melhores presentes que alguém pode compartilhar com o outro é contar histórias, é levar encantamento, é levar percepção de outros mundos.

AN: em “Sinto o que Sinto”, a grande discussão é a educação emocional do protagonista. Mas, em “A Velha Sentada”, de certa forma já fazias isso com a personagem vivendo uma “aventura” de autoconhecimento. Essa coisa de a criança aprender a construir e lidar com o “mundo interior” antes de enfrentar o exterior é um assunto que te toca?

Lázaro: “A Velha Sentada” e o “Sinto que Sinto” realmente se encontram de alguma maneira. Eu acho que é porque eu fui essa criança e vejo meus filhos hoje passando por esse momento de tentar entender o que estão sentindo, de nomear seus sentimentos. Porque, muitas vezes, tem um “deixa pra lá” que nós adultos fazemos com as crianças e não sei se isso as ajuda a construírem seu mundo interior e a lidarem com o mundo exterior. Acho que a escuta, a percepção e a paciência são maneiras de criar adultos também mais maduros, quando a gente entende esse processo do ser humano, de ter a possibilidade de desenvolver artifícios para reconhecer em si o que está sentindo. Sentir, se permitir sentir, entender que às vezes é impossível não sentir mas é possível decidir o que fazer com o que está sentindo.

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AN: você volta a Joinville depois de apenas dois anos da primeira participação na nossa Feira do Livro. Guardas alguma lembrança daquela edição, da visita à cidade?

Lázaro: Eu sou um apaixonado pelas Feiras Literárias. É um momento de muito prazer e de um encontro raro. Nós escrevemos os livros, eles andam pelo mundo e nem sempre a gente tem a oportunidade de olhar nos olhos de quem leu, escutar o que ele percebeu da sua literatura. A primeira ida à Joinville foi primeiro o fato de não conhecer Joinville e ver um pedaço do Brasil que me encantou tanto e que é tão diferente de tantos lugares onde já fui, foi uma grande alegria. Os leitores com quen encontrei também foi muito bonito, porque são desejantes de literatura, e estou ansioso em retornar com outro trabalho, ou melhor, outros trabalhos, porque, em uma feira, a gente não decide muito sobre o que vai falar, já que o leitor também tem esse poder de provocação. Estou muito feliz.