Sancionada terça-feira (18) por Rodrigo Maia (DEM), enquanto ocupava a Presidência da República com a viagem de Michel Temer (MDB) para reunião do Mercosul no Uruguai, a lei que cria critérios para flexibilização dos gastos das prefeituras com pessoal deve ter pouco impacto em Santa Catarina. Essa é a avaliação da Federação Catarinense de Municípios (Fecam) a partir de uma análise da movimentação econômica das cidades nos últimos anos, incluindo o ápice da crise econômica, entre 2015 e 2016. Atualmente, todas as 13 cidades com mais de 100 mil habitantes no Estado estão dentro dos limites legais.
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O texto isenta das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) os prefeitos que gastarem acima de 60% da receita com servidores, desde que comprovem queda na arrecadação superior a 10%, referente ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou de royalties e participações especiais ligados à extração de petróleo.
Defensora do equilíbrio fiscal e da LRF, a Fecam decidiu verificar o impacto da medida assim que a lei passou na Câmara. De acordo com o coordenador de gestão eficiente da Fecam, Alison Fiuza, foi identificado um crescimento da receita do FPM de 2015 até 2018, que é o índice que permitira o uso do dispositivo caso houvesse uma queda de mais de 10%.
— Pela nossa análise, nenhum município de SC poderia ter usado isso mesmo no momento mais crucial da crise econômica. A desaceleração teria que ser muito forte e a gente também fez a previsão do cenário daqui para frente, que é de recuperação. Portanto, vemos como um dispositivo que os municípios catarinenses não usarão — destaca.
Usando a crise econômica dos últimos anos como mote, parlamentares defendem a lei citando a defesa do municipalismo. Coordenadora do Fórum Parlamentar Catarinense, a deputada federal Carmen Zanotto (PPS) considera que a forma como foi divulgada a aprovação do projeto foi equivocada e que não houve intenção de extinguir a LRF.
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— Não podemos permitir que o gestor seja punido se houver queda de arrecadação que não foi voluntária, se não houver repasse adequado. Mas não é eu simplesmente não cumprir (a LRF), tenho que ter motivo real — pondera.
Os acordos em que o governo federal encaminha recursos para programas e as prefeituras entram com mão de obra e complementação financeira são alvo histórico de críticas de entidades municipalistas. As reclamações apontam para insuficiência dos valores repassados, fazendo com que as administrações locais tenham que abrir o caixa para, por exemplo, contratar servidores via concurso público.
Ainda assim, a proposta aprovada não resolve o problema, na opinião do presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi. Ele afirma que poucas localidades se enquadrariam nas regras que constam na proposta, excluindo prefeitos que necessitam de prazo para colocar as contas em dia.
— Não atende boa parte dos municípios. Se a receita cair 10%, é uma tragédia. Isso dificilmente acontecerá. Não vemos benefícios às prefeituras com esse projeto — comenta.
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Lei divide opiniões entre especialistas
Atualmente, caso ultrapasse o limite de 60% da receita com pagamento da folha, a cidade tem até oito meses para se readequar. Caso isso não ocorra, repasses federais são bloqueados e a possibilidade de contratar operações de crédito é suspensa.
Apesar de representar flexibilização na LRF, criada em 2000 com o objetivo de disciplinar os gastos de todas as esferas, a proposta não traz impactos significativos aos cofres municipais, na opinião do especialista em finanças públicas Raul Velloso. Para ele, os limites são fictícios, já que grande parte das cidades não consegue se adequar. Ele lembra que a despesa mais difícil de combater é com os inativos, que não podem ser demitidos.
— Não estou preocupado porque é um fato consumado. A lei (de Responsabilidade Fiscal) virou letra morta. Tem de flexibilizar e depois reformar a Previdência — pontua.
Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), o economista Newton Marques tem visão oposta. Ele acredita que as alterações podem levar ao descuido dos gestores com suas contas, além de prejudicar os governantes que cumprem as regras atuais:
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— Os limites foram criados para serem respeitados no que tange à prudência fiscal. Tem que ter penalização para quem não segue as regras.
Marques defende que prefeitos atuem para equilibrar as contas quando os limites forem ultrapassados devido à queda de arrecadação. Uma das saídas seria a elevação de impostos municipais, ligado à austeridade na condução da prefeitura.
A posição do economista da UnB é compartilhado pelo professor de Economia da Esag/Udesc, Arlindo Rocha. Ele diz ter uma avaliação muito crítica à proposta e que os casos extremos de queda violenta na arrecadação deveriam ser trabalhados separadamente.
— Essa decisão vai beneficiar o corrupto, o ineficiente, aquele que não liga. Aqueles que não cumpriram, que gastaram, vão dizer "tudo bem, porque vou pagar com benefício". Que fosse então um percentual muito grande de queda de arrecadação, de 40%, 50%, para justificar (a não punição pelo descumprimento da LRF). Assim, simplesmente abre a porteira para mais ineficiência na gestão pública — opina.
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TCE também vê pouco impacto
Presidente do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), Dado Cherem declara que o órgão público vai sempre ao encontro do equilíbrio fiscal e, por isso, em tese o projeto não é bom. O conselheiro argumenta, porém, que na prática o sistema fiscal tem se tornado "perverso":
— Como se consegue o equilíbrio? Diminuindo despesa e aumentando receita. O que tem se notado é que de maneira geral os prefeitos estão tendo essa responsabilidade de diminuir a despesa, mas a receita não vem crescendo como devia e isso às vezes depende da União. Como se resolve isso? Então na teoria ela realmente não é uma lei boa, mas na prática a situação (dos prefeitos) é complicada.
Dado afirma que o trabalho de acompanhamento e fiscalização do TCE continuará o mesmo se a lei for sancionada, mas não acredita que haja desrespeito sem critério à LRF por haver hoje controles firmes da sociedade civil.
— Só existe uma maneira de resolver isso: transparência e controle social. A administração pública está caminhando cada vez mais para isso — completa.
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A Diretoria de Controle dos Municípios do TCE reforça que a lei aprovada não traz nenhum benefício às cidades catarinenses, uma vez que elas não se enquadram nas hipóteses previstas de queda de arrecadação. Segundo a DMU, a queda de arrecadação do FPM dos municípios catarinenses foi ínfima, e os poucos municípios que têm receita transferida da União por royalties e participações especiais ligados à extração de petróleo (por exemplo, São Francisco do Sul) receberam valores inexpressivos desta fonte.
O que a Lei de Responsabilidade Fiscal determina?
— Municípios não podem exceder o índice de 60% da receita com o pagamento de servidores ativos e inativos
— Se a norma for descumprida, e não normalizada em até oito meses, a prefeitura sofre sanções:
Bloqueio de repasses federais
Suspensão em contratações de operações de crédito
Proibição de obter garantias de outros entes públicos
O que o projeto aprovado determina?
Municípios e prefeitos ficarão livres de punição se estourarem o limite de gastos com pessoal quando:
— A queda de receita for superior a 10% no quadrimestre comparado com o mesmo período do último ano
— A redução seja nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios, de royalties ou participações especiais
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— O índice de comprometimento com pessoal atual não seja superior a 60% se comparado com a arrecadação do mesmo quadrimestre do último ano
Maiores municípios de SC e a LRF
Todas as 13 cidades com mais de 100 mil habitantes no Estado estão dentro dos limites de 60% da Lei de Responsabilidade Fiscal, que inclui gastos com pessoal do Executivo e do Legislativo
Joinville — 55,5%
Florianópolis — 52,12%
Blumenau — 42,3%
São José — 52,54%
Chapecó — 52,74%
Itajaí — 49,96%
Criciúma — 38,24%
Jaraguá do Sul — 45,13%
Palhoça — 54,21%
Lages — 48,28%
Balneário Camboriú — 53,65%
Brusque — 53,8%
Tubarão — 53,73%
Os dados são os mais recentes disponibilizados no site do Tribunal de Contas do Estado (TCE), referentes ao segundo quadrimestre de 2018. A exceção é Criciúma, cujos dados mais recentes são do primeiro quadrimestre