No início da década de 1960, com o rock se consolidando como “o ritmo da juventude”, Santa Catarina também teve os seus Beatles. Chamavam-se The Snakes e como o grupo britânico, eram um quarteto, começaram a fazer música sem ter a menor ideia do que aquilo poderia se tornar e acabaram no auge. Seu único disco, Sabor de Avanço, foi o primeiro álbum de um artista do Estado lançado por uma grande gravadora. Para os remanescentes dessa aventura, restaram o mérito do pioneirismo e as histórias lembradas com carinho e orgulho, em vez de saudade.

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— Foi tudo muito mágico, um sonho que a gente viveu — sintetiza Zênio Ivan Cardoso, 68 anos, quatro filhos, quatro netos e um bisneto.

No fim de 1962, ele e os amigos Waldir Pessoa, Waldemiro dos Santos e Alfredo de Sá (ambos já falecidos) caminhavam nas imediações da praça XV, em Florianópolis, quando ouviram o som que mudaria suas vidas. De uma barbearia que vendia discos entre uma navalhada e outra, saíam os acordes de Love me Do, o compacto de estreia dos Beatles. Enfeitiçados pela composição de Lennon & McCartney, os quatro adolescentes entraram no estabelecimento para descobrir o que era, viram a capa do disco e resolveram: iriam montar uma banda.

O passo inicial foi fácil. Batizaram o grupo com o nome da turma que formavam – Os Cobras – vertido para o inglês. Mais difícil era aprender a tocar. Eles convenceram os pais de que o iê iê iê não atrapalharia os estudos no Colégio Catarinense, e, com a ajuda de músicos conhecidos das famílias, começaram a arranhar os instrumentos que ganharam. Alfredo assumiu a bateria; os demais, as guitarras. Mas não demorou para Waldir, fã confesso de Paul, trocá-la pelo baixo. Os ensaios ocorriam nas próprias casas.

— Saíamos da escola e ficávamos ouvindo cada música até tirar nota por nota. Se o pessoal começava a reclamar do barulho, nos mudávamos para a casa de outro, e assim por diante — conta Waldir, 68 anos, três filhos e quatro netos.

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O repertório, além de Beatles, tinha Rolling Stones, Dave Clark Five e Gerry and the Pacemakers. Em poucos meses, já estavam fazendo shows nas festas do colégio, em clubes, teatros, programas de rádio e até em trapiches de pesca. Na provinciana Florianópolis de então, os jovens cobras protagonizavam uma versão manezinha da beatlemania.

— Teve um show no TAC (Teatro Álvaro de Carvalho) que precisamos sair pelos fundos. Em outro, em Rio do Sul, ao passarmos por Lontras já tinha uma caravana nos esperando. Era uma loucura! — garante Zênio.

Para garantir que tudo corresse nos conformes, os moleques contavam com a jornalista Lurdes Silva Pessoa. A mãe de Waldir era, como bem definiu o jornalista Marcos Espíndola em reportagem publicada no DC em 2015, “a personificação do abnegado empresário dos Beatles, Brian Epstein, e da fotógrafa e artista alemã Astrid Kirchherr, a mentora estética dos garotos de Liverpool”. Ela não apenas empresariava os moleques, como cuidava do marketing e do visual, composto por cabelos compridos, terninhos, calças justas e botas de carrapetas. E, graças à preocupação com o figurino, os Snakes foram parar no Rio de Janeiro em 1967.

— A costureira que fazia nossas roupas tinha uma irmã que morava lá e nos convidou para ir tentar a sorte na cidade — diz Waldir.

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Para custear a viagem, o quarteto se apresentou sobre a marquise da loja Regina, na esquina das ruas Felipe Schmidt e Trajano – o momento, reproduzido na capa deste caderno, aconteceu dois anos antes de os Beatles tocarem no telhado da Apple, em Londres. Munidos somente de roupas e instrumentos, os répteis florianopolitanos desembarcaram de ônibus em solo carioca e iniciaram o périplo por programas de rádio e TV e casas de shows. No Bola Preta, o disc-jóquei Wilson Deverli se encantou com o grupo e descolou um teste para um disco.

Concluídas as gravações — com uma música própria entre os covers, Eu te Encontrei – surgiu um empecilho. Já existia uma banda com o mesmo nome. A solução, imposta pela companhia fonográfica, foi mudar para Os Rubis. Com o LP na mão, eles retornaram a Florianópolis e estariam prontos para decolar, não fosse outro imprevisto: a namorada (esposa até hoje) de Zênio estava grávida.

— Se hoje já é difícil viver de música, imagine naquela época — afirma.

O futuro papai largou a banda e foi trabalhar no estacionamento do pai. O baixista, que também estava namorando, aproveitou o embalo e saiu junto, para ajudar na agência de turismo da mãe. Era o fim dos Snakes.

— A gente não tinha pretensão nenhuma, só queria vadiar — diverte-se Waldir.

Palhostock

Estádio Renato Silveira, Palhoça, 19 e 20 de outubro de 1974

Levou apenas três meses para que o primeiro festival de rock em Santa Catarina saísse do papel para virar realidade. Para concretizar o sonho, os jovens Baldicero Filomeno, Jacob Silveira e Edgar Scheidt largaram os empregos, venderam os carros e motos para contratar músicos e descolaram um local com a prefeitura. Em plena ditadura militar, mais de 10 mil pessoas invadiram Palhoça para celebrar o rock, o amor livre e a cabeça feita. A recepção coube à banda do Exército, ¿atração de abertura¿ de uma escalação que incluía Capuchon, A Comunidade e Sidartha, de Florianópolis; Mostarda, de Joinville; e os gaúchos Bixo da Seda e Almôndegas. Foi um sucesso de público, mas fracasso de bilheteria. A maioria dos espectadores pulou a grade ou chegou a nado pelo rio – um prejuízo menor, diante das histórias.

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Camburock

Praia do Mato, Balneário Camboriú, 28 a 30 de janeiro de 1977

Os três dias de paz, amor, música y otras cositas más na beira da praia em Balneário Camboriú foram idealizados pelo empresário da noite local Emery Lenz. Entre as atrações, bandas para maluco nenhum botar defeito: O Terço, Mutantes, Casa das Máquinas, Bixo da Seda, A Chave, Made in Brasil, Rita Lee & Tutti Frutti, Som Nosso de Cada Dia, Eduardo Araújo e Blindagem. Segundo o Jornal de Santa Catarina, ¿cerca de 2 mil barracas foram armadas estrategicamente ao redor do palco¿ para acomodar os quase 20 mil jovens. O jornal O Estado analisou a iniciativa com mais rigor. ¿Prisões e striptease¿, trombeteou em manchete, em referência à ação da polícia que volta e meia aparecia atrás de drogas e, claro, para resgatar mocinhos e mocinhas que haviam caído na perdição do rock.

Rock Laguna

Estádio Municipal, Laguna, 6 a 8 de fevereiro de 1986

Por um final de semana, a terra natal de Anita Garibaldi tornou-se a capital do rock nacional. Tinha para todos os gostos: o discurso mais visceral com Camisa de Vênus, Titãs e Lobão; o pop de Engenheiros do Havaí e Sempre Livre; o peso do Intelligence; os catarinenses Tubarão, Ave de Rapina e Kromo. Deu tão certo (mais de 10 mil pessoas) que o empresário tubaronense Evaldo Marcos repetiu a dose no verão de 1988, com Tim Maia, Kid Abelha e Ultraje a Rigor encabeçando a lista de atrações – e, como o primeiro, teve as apresentações do domingo transferidas para segunda por causa da chuva. O terceiro, uma década depois, nem chegou perto dos anteriores. Apesar de Rita Lee e Planet Hemp, registrou menos de 4 mil pagantes. Em 2016, falou-se na volta do festival em comemoração aos 30 anos da primeira edição. Mas não saiu do papel.

Tyto Livi | Nome artístico de Ortenilo Azolini, que em 1977 gravou o primeiro disco independente do rock catarinense. Na verdade, um compacto com quatro faixas, batizado como Memórias de um Certo Louco, made in Chapecó.

Orquídea Negra | Heavy metal de Lages. Na ativa até hoje, a banda surgiu em 1986 e tornou-se uma das marcas registradas da música pesada do Estado. Os discos já foram lançados inclusive na Europa.

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Expresso | Já sem o ¿Rural¿ no nome, o grupo do eixo Lages-Florianópolis estreou com um disco que brigava com os grandes nomes nacionais por espaço nas rádios locais. Nas manhãs do Sul do mundo nos anos 1980, só dava eles.

Tubarão | Primeiro como Ratones e em inglês, depois batizada em alusão à cidade onde surgiu e em português, o trio (mais tarde, quinteto) encarnou o rock festivo como ninguém por estas plagas. Culpa dos bons refrãos e da temática irreverente que adotava.

Decalcomania | Rapaziada esperta que se juntou em Florianópolis para formar a mais carioca – no sentido Barão Vermelho – das bandas locais. Acabou antes de gravar um disco, mas quem curtiu os hits em 1980 não esquece.

Bandeira Federal | Urgente e furioso, o quarteto colocou Brusque no mapa do rock catarinense em 1988. No ano seguinte, ficou em terceiro lugar no festival do programa Boca Livre, da TV Cultura paulista. Rebeldia em estado bruto.

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Repolho | Outro chapecoense que bagunçou a cena de Santa Catarina à base de anarquia, ironia e até um espírito meio punk travestido de besteirol. E, mesmo quando soa como apenas puro nonsense, também está valendo.

Pipodélica | Psicodelia para não usuários de estupefacientes. Na virada do século, era a primeira banda a ser lembrada para responder a pergunta sobre quem daqui poderia fazer bonito no circuito nacional. Não durou para tanto.

Cassim & Barbária | Esquisito. Impenetrável. Barulhento. Com essas credenciais, o combo forjado na Capital foi muito mais longe do que muita gente que faria de tudo para alcançar algum sucesso. Inclusive geograficamente, com direito a turnê nos EUA.

Skrotes | Se alguém dissesse que o grupo florianopolitano conquistaria espaço e público com o som que faz – e, ainda por cima, instrumental –, seria tachado de louco. Mais loucas ainda, porém, são as misturebas propostas pelo trio.

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Raul Seixas

Ginásio Ivo Silveira, Joaçaba, 19 de novembro de 1976

Já consagrado como ídolo do rock nacional, o baiano chegou ao meio-oeste catarinense às vésperas de lançar um de seus maiores sucessos, o disco Há 10 Mil Anos Atrás. Depois do show, com casa lotada, Raulzito deu uma entrevista ao radialista local Antonio Carlos “Bolinha” Pereira. ¿Um cantor reflete o momento social que está vivendo. Se é um momento de `plin¿, se é um momento de `plan¿, ele está `plin¿, certo? Se não está `plan¿, ele `plan¿. Ele provoca¿ Sei lá, rapaz”, filosofou o artista, inspirado pelos três dias que passou na cidade.

Legião Urbana

Ginásio Gabriel Collares, Itajaí, 13 de setembro de 1986

Com o estouro do disco Dois, a banda partiu para a primeira turnê profissional. “Até então, nós nunca havíamos ficado mais de uma semana longe de casa”, lembra o guitarrista Dado Villa-Lobos em seu livro de memórias. A excursão, a cargo da produtora gaúcha DC Set, começou com duas datas em Santa Catarina: primeiro em Itajaí e, no dia seguinte, no ginásio Charles Edgar Moritz (Sesc), em Florianópolis, onde os legionários aproveitaram para rever a Lagoa da Conceição e a praia da Joaquina, que haviam conhecido (como turistas) em 1982.

Rod Stewart

Orlando Scarpelli, Florianópolis, 24 de março de 1989

A Capital estava fazendo 263 anos – ou 315, pela contagem instituída em 2015. A RBS, 10 de atuação no Estado. Para celebrar o duplo aniversário, a empresa promoveu o primeiro show internacional de grande porte na ilha. A estrutura de palco veio do Rio Grande do Sul; os ingressos, do Rio de Janeiro; o Hotel Diplomata (hoje Intercity) foi fechado para a equipe do cantor. Mais de 30 mil pessoas encheram o campo do Figueirense, abrindo caminho para que outros gigantes do pop mundial também incluíssem Santa Catarina nas turnês.

Helmet

Canasvieiras, Florianópolis, 23 de janeiro de 1994

Nada mais lógico do que Florianópolis ser uma das escalas de um festival de verão bancado por uma marca de tênis. Também não causou estranheza a presença de nomes do pop (Cidadão Quem, Robin S), de um astro argentino (Fito Paez) e da nativa Deborah Blando no line-up. Deslocada mesmo estava a banda nova-iorquina, desfilando metal alternativo sob o sol em um descampado transformado em arena ao lado de onde atualmente fica um supermercado. Ninguém entendeu nada, mas bateu bateu cabeça tem flashback até hoje.

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Dio

New Time, Santo Amaro da Imperatriz, 2 de dezembro de 1995

O anúncio deixou os cabeludos manezinhos ressabiados. Show de uma das vozes mais poderosas do heavy metal por aqui? Em uma boate, ou seja, um lugar sem nenhum vínculo com música pesada e muito menos com os fãs do estilo? Na Grande Florianópolis? Era tudo muito inusitado para ser verdade. Todas as dúvidas foram dissipadas quando o gigante de 1,63m subiu ao palco, pegou o microfone e soltou o gogó. No repertório, clássicos dos dois grupos dos quais havia sido vocalista (Rainbow e Black Sabbath) e da carreira solo.

Accept

Babilônia Club, Florianópolis, 7 de agosto de 1993

Cartaz meia-boca, sem o logotipo da banda. Local esquisito, um antigo cinema pornô no Estreito. Fone de contato que dava em uma padaria. Nada disso foi capaz de desanimar os fãs da banda alemã de metal, que esgotaram os ingressos. Ao ficar claro que se tratava de um golpe, só restou o quebra-quebra para consolar.

Bob Dylan

Clube Doze de Agosto, Florianópolis 9 de setembro de 2006

O futuro prêmio Nobel de Literatura seria a atração principal de um encontro de motociclistas que já estaria com Titãs e Jota Quest confirmados. Só faltou avisar o clube e os órgãos emissores das licenças e alvarás exigidos: ninguém tinha ouvido falar no tal show. Vai ver, Dylan não veio por ter trauma do acidente de moto que sofreu em 1966.

Pink Floyd

Serra do Rio do Rastro, 2000

O proprietário de um hotel em Bom Retiro teria sido procurado por representantes da banda interessados para fazer um show no mirante da serra. Não se sabe se foi devido aos alertas dados pelo empresário (frio, estrada perigosa, impactos ambientais) ou se tudo não passou de boato, mas o fato é que os ingleses nunca apareceram.

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Nenhum artista estrangeiro tocou tanto em Santa Catarina quanto o Nazareth. Os escoceses do hino Love Hurts aterrissaram no Estado em 2004 e, desde então, não pararam mais de vir – e não apenas nas maiores cidades, como também em municípios que nunca haviam recebido uma banda desse tamanho, conforme mostra o mapa abaixo:

2004 Tubarão

2007 Florianópolis

2008 Joinville, Tubarão

2010 Herval d¿Oeste, Lages, Canoinhas, Joinville, Florianópolis

2011 Criciúma, Videira, Jaraguá do Sul, Rio do Sul, Balneário Camboriú, Chapecó, Blumenau

2012 Mafra, Florianópolis, Concórdia

2013 Blumenau, Florianópolis