“Aqui tem Nitazoxanida”, é o que destacam as letras garrafais na prateleira de uma farmácia no Estreito, em Florianópolis. A curta frase seria irrelevante não fosse o complemento que aparece logo abaixo: “o tratamento precoce comprovado para Covid-19”. No balcão de atendimento do estabelecimento e ao lado de uma prateleira onde há vitaminas e remédios para vermes, o adesivo nas cores verde e amarelo chama a atenção de quem aguarda por atendimento.
Continua depois da publicidade
> Médicos relatam complicações em pacientes que usaram ‘tratamento precoce’ para Covid em SC
— É remédio para vermes. Ele está sendo usado como profilático para Covid. Não tem nada comprovado. Na verdade, eles [laboratório] colocaram ali [no adesivo] como comprovado, mas não tem remédio para a covid. Tem para amenizar os sintomas, mas tem muita gente usando — explica a atendente, que mesmo após admitir a ineficácia do medicamento, diz recomendá-lo para quem chega à farmácia em busca de “amenizadores” da doença.

O medicamento descrito na propaganda é um vermicida também com ação antiviral e foi testado em laboratórios logo após o início da pandemia. Na época, os ensaios apresentaram resultados satisfatórios no Brasil, o que motivou o governo federal a administrar o antiparasitário, em fase de teste, em pessoas infectadas pelo vírus. Acontece que, logo após iniciado o uso da medicação, não houve evidências ou indicações consistentes sobre a eficácia do remédio contra o coronavírus.
Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos explica que, como uma parcela importante dos contaminados se apresentou assintomático durante os estudos desenvolvidos, se criou uma narrativa sem base científica e “um mito” sobre a sua eficácia:
Continua depois da publicidade
— Na verdade, a utilização deste medicamento chega a ser uma ação criminosa. Um estelionato. Uma prática que precisa ser condenada.
> Quem são e como estão os três primeiros vacinados contra covid-19 em SC
Desde que a doença foi identificada no Brasil, outros medicamentos como cloroquina e ivermectina foram analisados e até mesmo indicados pelo governo federal como ‘tratamento precoce’ contra covid-19. No entanto, segundo cientistas, entidades médicas e autoridades sanitárias de todo o mundo, ainda não há um remédio capaz de conter a infecção. A agência regulatória norte-americana (FDA), inclusive, chegou a elencar uma lista de remédios sem eficácia comprovada no tratamento contra covid-19. A relação divulgada, segundo publicação da CNN Brasil, inclui os vermífugos.
No dia 19 de janeiro, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) também encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde com pedido de revogação para qualquer instrumento, seja ele nota técnica, nota informativa, orientações, protocolos ou ofícios, que incentive o uso de medicamentos para covid-19, sem eficácia e seguranças comprovadas e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Santos, a Federação Nacional dos Farmacêuticos também cobra, através de ações judiciais, a retirada de protocolos que indiquem esses medicamentos.
> Natalia Pasternak: coquetel de medicamentos com ivermectina é baseado em medicina fantasiosa
— É fundamental compreender que nenhum medicamento é milagroso. Ele (o medicamento), foi elaborado para um fim específico. Há muita ciência envolvida nisso – salienta o presidente da Fenafar.
Continua depois da publicidade
Propagandas enganosas devem ser denunciadas
Segundo o presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Ronald Ferreira dos Santos, qualquer farmácia de Santa Catarina que esteja anunciando medicamentos eficazes contra o coronavírus deve ser denunciada, porque se trata de uma propaganda enganosa:
> SC passa de 13 para 9 regiões em risco gravíssimo para coronavírus
— A gente da Federação e do sindicato dos farmacêuticos de Santa Catarina, conclama a sociedade a denunciar no Conselho Regional de Farmácia, no Procon e no Ministério Público quando encontrar farmácias que anunciem esses medicamentos como eficazes para covid, porque é charlatanismo, propaganda enganosa. É, sim, responsabilidade dos farmacêuticos e dos estabelecimentos serem aliados e andarem de mãos dadas de modo que não possa se separar da ciência.
Contraponto
A reportagem procurou a farmácia na noite deste sexta-feira (22). Por telefone, o atendente disse que apenas o gerente pode falar a respeito da propaganda que envolve o remédio que supostamente previne a Covid-19, porém ele não estava no local.
Leia também
Vacina da Covid-19 em SC: entenda tudo o que se sabe sobre o assunto