Há 15 anos, Vermelhinho, o boi de Cláudio Andrade, 48 anos, produz farinha de mandioca artesanalmente no Casarão e Engenho dos Andrade, no Caminho dos Açores, em Santo Antônio de Lisboa. Sempre no mesmo ritmo, bem alimentado e com os olhos vendados, Vermelhinho gira no equipamento para que a mandioca seja torrada em uma das tantas etapas de produção do alimento, exatamente como faziam os açorianos que colonizaram a Ilha de Santa Catarina.
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E Vermelhinho teve um fim de semana de estrela na 19ª edição da Farinhada do Divino, quando pessoas de todas as idades puderam conhecer um pouco mais dos usos e costumes da colonização açoriana no distrito do norte da Ilha. Erguido em 1860, o Casarão e Engenho é um dos dois únicos movidos a boi ainda em funcionamento na cidade – o outro fica escondido entre os morros que separam o Pântano do Sul do Ribeirão da Ilha, no Sul.

Anfitrião da festa que marca o início da programação da Festa do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora das Necessidades de 2016, Cláudio explica que a farinha precisa ser “fina, torrada e clarinha”. As etapas de produção se espalham por raspar, lavar, ceivar, esfarelar e peneirar o alimento. Mais do que isso, participar da festa é descobrir como os povoadores do litoral catarinense utilizavam a mandioca no lugar do trigo para produzir alimentos.
— O espírito do Divino é tão forte que desde maio muitas famílias já vivem esse momento, quando a bandeira percorreu a freguesia, além das novenas e dos encontros feitos para celebrar a tradição e fazer verdadeiros banquetes. É uma festa compartilhada por todos, que tem um de seus grandes momentos com a Farinhada do Divino, que agrega os valores culturais da comunidade, como os engenhos de farinha, os carros de boi, as rendeiras, o boi de mamão, entre outras — destaca Cláudio.
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A Festa do Divino de Santo Antônio de Lisboa começou oficialmente no sábado, e se estenderá até 11 de setembro, com missas, cortejos, shows e gastronomia típica dos engenhos.
Produção pode virar patrimônio histórico
A pequena Valentina Campos Régis, 4 anos, não tirava os olhos do boi Vermelhinho. Junto com a avó e outros familiares, saíram de Capoeiras, no Continente, para conhecer pela primeira vez o modo de produção de farinha de mandioca em engenho de boi. Corajosa, Valentina não se furtava em fazer carinho no boi quando este passava ao seu lado. Questionada sobre o que mais gostou na festa, elencou uma por uma:
— O boi, a Maricota e o cavalinho.

É para preservar o encanto que crianças e adultos têm pela tradição açoriana que a família Andrade tenta registrar a produção de farinha de mandioca em engenho de boi no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O projeto já foi enviado a Brasília, mas o processo é lento para oficializar o registro.
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— A intenção com isso é preservar, fazer a salvaguarda do patrimônio imaterial, o saber fazer da produção da farinha de mandioca em engenho de boi, não deixar a tradição se perder — explica Cláudio, antes de dizer que a produção de farinha de mandioca em engenhos de boi começou a ser feita pelos açorianos na cidade entre 1748 e 1756.
Concurso de Forneiro adiado por causa do calor

Entre as atrações previstas inicialmente para esta edição da Farinhada do Divino estava o Concurso do Forneiro, que premia quem produz a farinha “mais torradinha”. Devido à elevação da temperatura desde sexta-feira, o concurso foi cancelado, já que com o calor, a farinha azeda.
— Nós não íamos conseguir impor a diferença no sabor, que é característica da farinha de mandioca, porque ela fica extremamente polvilhada e com esse gostinho de azeda. Com o calor a farinha fermenta muito. Por isso que antigamente a farinha sempre era feita nos meses mais frios, maio, junho e julho — conclui Cláudio.
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