As salas de aulas da Escola Municipal Professora Rosa Maria Xavier de Araújo viraram quartos, divididos por lençóis e sem nenhuma estrutura. O pátio está lotado de móveis, eletrodomésticos e pertences de 79 famílias que foram alojadas pela prefeitura de Navegantes no local. O grupo era morador de uma área de invasão no bairro Meia Praia, que foi indenizada pela União em 2008 e servirá para a ampliação do Aeroporto Ministro Victor Konder.
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A escola ficou pequena para tantas famílias – segundo o município, foram cadastradas 306 pessoas, entre adultos e crianças. Moradores dormem em colchões e em camas improvisadas, tomam banho nos vestiários da escola, bebem a água dos bebedouros e se revezam na cozinha para dar conta de alimentar tanta gente. A parte de trás do colégio virou uma área de serviço para que as famílias estendam suas roupas.
– É muita gente, a maioria perdeu tudo e não tem como trabalhar. Para conseguir alimentar a todos tivemos que juntar dinheiro e comprar misturas, mas ainda é pouco, tem muitas crianças – conta o representante das famílias, Valdemir Ferreira Lima.
Entre os mantimentos, alguns recebidos da prefeitura e outros comprados, eles acumulam cestos de cebola, cenoura, batata, macarrão, feijão, alguns poucos litros de leites e farinha de trigo e milho – comida que duraria cerca de uma semana. O pão feito no local é dividido em fatias para alimentar as mais de 80 crianças que estão morando no abrigo.
– O prefeito disse que iria mandar mais alimentos, mas chegou pouca coisa até agora. Estamos precisando de doações de comida e frutas, principalmente para as crianças – explica Lima.
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Expectativa por uma moradia
Lima, assim como muitos que estão no abrigo, está sem trabalho no momento. Ele e a mulher são recicladores e, por estarem desabrigados, não têm onde colocar os materiais coletados. De acordo com ele, a expectativa é que a prefeitura solucione o problema o quanto antes.
– A maioria das pessoas que estava na ocupação é porque não tem condições de pagar o aluguel. Eu mesmo ganho pouco com a reciclagem e nós gostaríamos que a prefeitura nos desse um terreno para construir uma casa ou arrumasse outra solução – afirma.
Beatriz Cerejo Cordeiro também sonha em construir uma casa para morar com os três filhos pequenos e o marido. Grávida de cinco meses, ela conta que foi morar na área de invasão porque não podia pagar aluguel. No dia da desocupação passou momentos de desespero:
– Eu estava logo na entrada do terreno e acabei inalando muita fumaça das bombas de gás que a polícia jogou. Caí no chão e um cavalo chegou a arranhar meu corpo, algumas pessoas vieram me socorrer e se machucaram – comenta.
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A dona de casa relata ainda que a situação no abrigo é complicada. Segundo ela, todos se ajudam para arrecadar comida, porém acabam passando dificuldades.
– Meu marido está em busca de um emprego e nosso sonho é conseguir fazer uma casinha, esperamos que a prefeitura nos ajude – completa.
A aposentada Cecília Alves de Oliveira vivia há cinco meses na área desocupada. Ela conta que usou a parte da aposentadoria para comprar madeiras e construir a casa que acabou perdendo. No abrigo, divide uma das salas de aula com outras famílias – os “quartos” são separados por lençóis e o chão fica lotado de colchões para acomodar mais pessoas à noite.
– Está bem difícil e eu ainda tomo vários remédios para pressão alta e depressão. Minha nora trouxe essa mesa que estou usando como suporte da cama. Tenho problema na coluna e era ruim pra levantar do chão.
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Confira fotos do abrigo e da área que foi desocupada em Navegantes:
Prefeitura vai aguardar decisão judicial
Para tentar dar um destino aos moradores, o prefeito Roberto Carlos de Souza (PSDB) se reuniu na quarta-feira com a juíza substituta que está cuidando do caso. Souza disse que explicou a situação da escola e pediu um posicionamento da Justiça, pois o abrigo é um local provisório e em fevereiro começa o ano letivo.
– É uma situação que nos preocupa e que precisamos de um amparo da Justiça porque em ano eleitoral há várias restrições. A juíza prometeu verificar essa questão e dar um encaminhamento após um júri na quarta-feira que vem – afirma.
Conforme o prefeito, a magistrada solicitou algumas informações sobre as famílias que estão no abrigo e pediu um levantamento fotográfico da escola. Souza explica ainda que a prefeitura não tem projetos de habitação em andamento pela falta de terrenos públicos que facilitem as obras.
– Na decisão da Justiça sobre a desocupação o município não teria que dar comida a eles, mas representantes das famílias vieram falar comigo e eu já solicitei que repassassem mais alimentos. Acho que o juiz que deu a sentença imaginou que eles ficariam apenas alguns dias no abrigo. Ali não é um local para morar, temos que ter uma solução – avalia.
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Enquanto isso, a área que foi desocupada tem recebido visitas frequentes da Polícia Federal para impedir novas invasões. O processo de desocupação foi movido pela própria prefeitura, que é proprietária legal da área desde que foi desapropriada com recursos da União. O município aguardava a desocupação para entregá-la formalmente à Infraero.
Em outubro do ano passado o juiz Murilo Leirão Consalter determinou que a prefeitura auxiliasse os moradores que concordassem em deixar a invasão voluntariamente, inclusive ajudasse na mudança e carregamento de pertences ou de casas de madeira que pudessem ser retiradas. Um mês depois o município foi novamente intimado por não ter cumprido a ordem.
A Justiça também exigiu que a prefeitura e a Infraero apresentassem um plano para evitar novas ocupações no terreno. Os dois órgãos decidiram que vão cercar com muros a área após a retirada das famílias.
Como ajudar:
As famílias que estão no abrigo precisam de doações de alimentos. O contato do representante dos moradores é (47) 8866-3847.
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