Um grupo de famílias indígenas está ocupando o prédio do antigo Centro de Saúde, na Rua Itajaí, bairro Vorstadt, em Blumenau. Os moradores são de José Boiteux e estão no imóvel desde a sexta-feira da semana passada. A construção pertence ao governo do Estado, mas está abandonada há quatro anos.
Continua depois da publicidade
O grupo que está ocupando o local teria começado com cerca de 30 pessoas, mas segundo os integrantes hoje chega a 20 famílias, com total de aproximadamente 70 moradores. Eles por enquanto ocupam uma construção lateral com cozinha comunitária e estão limpando cômodos do prédio principal. Até a chegada das famílias indígenas o local abrigava alguns moradores de rua e usuários de drogas – o prédio chegou a ser atingido por um princípio de incêndio em um cômodo na tarde de segunda-feira. O resultado disso foi de que o prédio ainda tem objetos como seringas e carteiras de cigarro pelo chão, teve toda a fiação furtada e tem danos no telhado e no forro, o que faz com que a água da chuva atinja parte do piso e danifique ainda mais o imóvel. Desde que os indígenas chegaram, porém, estão limpando todo o prédio e recolhendo o lixo, que está organizado do lado de fora à espera de um coletor.
Por enquanto as famílias permanecem no local sem energia elétrica e também sem água encanada – eles se abastecem em torneiras de um estacionamento e com uma ligação feita junto a outra moradia nos fundos do imóvel. Nos últimos dias alguns moradores indígenas também podem ser vistos vendendo produtos em semáforos da região central da cidade.
::: Confira imagens de como está o prédio do antigo Centro de Saúde
A informação inicial era de que os indígenas teriam vindo acompanhar estudantes que ganharam bolsas de estudo em uma universidade local. Mas um dos líderes do movimento, Samuel Priprá, explica que a principal reivindicação que trouxe as famílias indígenas a Blumenau é a criação de uma casa para abrigar indígenas que até hoje acabam vivendo na rua.
Continua depois da publicidade
– Temos nosso pessoal que dorme na rua, debaixo de pontes, viadutos, na rodoviária. Diante dessa situação, resolvemos vir para ver o que Blumenau tem para dar suporte a esses indígenas. Na prefeitura temos programa para moradores de rua, drogados, mas nada para os índios. Parece que o índio não existe aqui.
Ele conta que se o Estado oferecer um espaço melhor para os indígenas, vão negociar, mas que por enquanto a intenção é permanecer no antigo centro de saúde em que eles estão se instalando.
– Estamos aqui reivindicando que sejamos reconhecidos. Por isso estamos nesse lugar. Vimos esse lugar. Está abandonado? Sim, está abandonado. É de quem? É do Estado. Mas por que o Estado deixou depredar tudo? Então vamos lá, isso aqui é nosso, dinheiro de todos. Então decidimos: vamos entrar e cuidar desse patrimônio – argumenta.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) de Blumenau, Michael Von Muhlen de Barros Gonçalves, esteve no local na tarde de terça-feira e confirma que as famílias indígenas têm como principal reivindicação a criação de uma casa de passagem na cidade. A intenção deles, segundo o representante do MPF, seria que eles tivessem um lugar para vender artesanato durante o dia e a casa de passagem para permanecer no período noturno. O espaço também poderia atender estudantes indígenas contemplados com bolsas na cidade.
Continua depois da publicidade
– A primeira reivindicação é essa, da casa de passa
gem. Se seria nesse lugar ou não, não ficou claro, me parece que foi o jeito que eles encontraram de fazer o movimento. Entendi a ocupação como forma de sensibilizar para uma reivindicação que achei bastante razoável, não é algo exacerbado – avalia o procurador.
Estado defende que prédio não é próprio para a ocupação indígena
O secretário da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), Miguel Ângelo Soar, conta que o Estado já tomou conhecimento da situação e também visitou o local na terça. Ele antecipou que foi registrado um boletim de ocorrência por invasão e que a ADR pretende informar a Funai e a Procuradoria-Geral do Estado para pedir a desocupação do local.
– O Estado tem projeto para aquele prédio, que é a instalação de uma delegacia de polícia, uma delegacia da Mulher e do IGP. Isso está na Secretaria de Segurança Pública (SSP) para análise. O Estado se propõe a conversar para achar uma solução, mas entende que aquele prédio não é próprio para esse tipo de ocupação, há um projeto para ele e o Estado pretende retomá-lo – defende.
Funai elabora relatório sobre impasse
A equipe da Secretaria de Assistência Social esteve no local assim que as famílias começaram a ocupar o local, entre quinta e sexta-feira da semana passada. O secretário Oscar Grotmann Filho conta que foram oferecidos serviços sociais, mas que os indígenas teriam recusado. Ele ressalta que seria difícil para o município criar uma casa de estudante indígena, como reivindicam os índios, porque ela precisaria comportar todos os integrantes da família e não apenas os alunos. Além disso, o secretário ressalta que as ações de apoio à população indígena são de incumbência federal, por meio de órgãos como a Funai, e não de competência do município.
Continua depois da publicidade
A coordenação da Funai em São José informou que um coordenador técnico de José Boiteux elabora um relatório sobre o assunto para informar o comando da Funai em Brasília, de onde devem ser definidas medidas a serem tomadas. A reportagem tentou contato por telefone com este coordenador, mas ele informou apenas que não podia dar detalhes do relatório, que deve ser concluído até esta sexta-feira. Uma das lideranças indígenas de José Boiteux, Brasílio Priprá, confirmou que acompanha a situação, mas alerta que a principal reivindicação dos indígenas seria uma casa para estudantes, e não exatamente de uma casa de passagem. Samuel afirma que os estudantes indígenas também serão acolhidos no espaço, mas que a intenção agora é também encontrar um abrigo para os descendentes que hoje vivem na rua.
Nesta quinta-feira duas funcionárias da Furb estiveram no local, já que uma acadêmica de Odontologia também faz parte da ocupação. Elas também compareceram no fim de semana, quando os índios haviam iniciado a limpeza.
– Eles precisam, aqui estava abandonado. O Estado deixou este espaço à mercê dos traficantes. Era um risco para a população – defende a professora Maria Urânia Alves, que ajudou a intermediar doações de cestas básicas e brinquedos.
Reuniões devem buscar solução
O procurador do MPF iniciou esta semana uma fase de negociação. A primeira conversa foi feita na tarde de quarta-feira, com a direção da ADR. Ele também pretende incluir membros da Funai e do município nas conversas, por acreditar que este último possa ter papel importante caso possa disponibilizar um programa aos indígenas. O secretário regional enviou ofício nesta quinta-feira à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) pedindo a desocupação do imóvel. Será a PGE que deve discutir possíveis medidas para o caso com o MPF.
Continua depois da publicidade
Leia mais:
::: Pancho: Polícia Civil deve ocupar espaço do antigo Centro de Saúde