O hino catarinense, composto em 1892 por José Brazilício de Souza e Horácio Nunes Pires, recebeu oficialmente o título de canção-símbolo do Estado três anos depois, em 1895. Cerca de 130 anos depois, ganha força a ideia de fazer um novo hino. Projeto com proposta de emenda à Constituição de autoria do deputado Ivan Naatz (PL) tramita na Assembleia Legislativa, mas as famílias discordam da visão da Alesc.

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O projeto que tramita na Alesc propõe um concurso para selecionar temas “mais catarinenses” – como belezas naturais, pujança econômica e diversidade cultural – em substituição ao que considera ter predominância do tema de caráter abolicionista.

As famílias de Horácio Nunes Pires e Brazilício de Souza discordam dos argumentos e sugerem uma saída mais popular: a realização de um plebiscito, o qual poderia ser feito junto com as eleições municipais.

“Um hino é a marca de um tempo”, diz Zeca Pires

Para o cineasta Zeca Pires, cujo tio-bisavô Horácio Nunes Pires fez a música, a ideia de mudança do hino não deve pertencer apenas a um deputado ou a um campo da política.

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— A gente considera que, se existe realmente vontade do povo catarinense em mudar o hino, que se faça como outros estados: realizemos um plebiscito junto com as próximas eleições municipais. Hoje, a legislação eleitoral permite acrescentar uma pergunta. Bastaria questionar: você deseja que o hino de Santa Catarina seja trocado? Isso seria mais aceitável, pois mostraria a vontade da população — defende.

Zeca Pires lembra que “um hino é a marca de um tempo”. Para ele, há algo que considera um grande diferencial em relação aos demais estados brasileiros:

— Temos um hino abolicionista. Isso é algo genial.

Letra corajosa, diz bisneta do autor

Sueli Sepetiba, bisneta de José Brazilício de Sousa, diverge dos argumentos de que o hino teria sido composto no Rio de Janeiro, que saúda algo distante (abolição) dos catarinenses e que a obra teria participado de um outro concurso não sendo vencedora.

Amante da música, Sueli explica sobre a existência, no Museu Cruz e Sousa, do piano que pertenceu a Brazilício, e no qual ele compôs o hino. No instrumento há, inclusive, uma placa comemorativa. Quanto ao argumento de que “a letra não representa o povo catarinense”, ela também discorda:

— A letra é claramente um elogio à liberdade, à igualdade, à cidadania e ao movimento abolicionista. Uma letra, no mínimo, muito corajosa para o tempo em que foi escrita, e que segue representando até os tempos atuais o pensamento do povo catarinense.

Sueli também reage ao conceito de “perdedor”, como declarou ao colunista Ânderson Silva, na sexta-feira (23), o governador Jorginho Mello, ao se posicionar favorável à mudança do hino.

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— A composição não participou de nenhum concurso. Não há sequer um registro histórico sobre esta afirmação. A música foi composta e, juntamente com a letra, oferecida ao governador Lauro Müller, e apresentada em reunião social na residência de José Brazilício — afirma Sueli Sepetiba.

A reportagem entrou em contato com a assessoria do governador Jorginho que confirmou o posicionamento.

Deputado prevê votação em plenário em setembro

O deputado Ivan Naatz (PL) está confiante. Ele explica que a Mesa Diretora estabeleceu por meio da procuradoria um roteiro que começou com a apresentação da PEC. A etapa já foi concluída e realizada audiência pública.

— A PEC autoriza a abertura do concurso, que será premiado, e deve ser votada em setembro. Aberta a etapa, será escolhida uma música (e letra) pela comissão julgadora, a qual vai ser apresentada à sociedade numa nova audiência pública — explica o deputado.

Depois de realizada a audiência de apresentação da proposta do novo hino a PEC será votada em plenário, onde vai precisar de 21 votos (40 deputados) para ser aprovada e estabelecido o novo hino de Santa Catarina.

Diferente de hoje, governadores se mostraram contrários

O tema mudança do hino de Santa Catarina tem sido recorrente. A primeira proposta foi do padre Ney Brasil Pereira (1930-2017), em 1992 – ano do centenário do hino. O religioso encaminhou ao governador em exercício, Antônio Carlos Konder Reis, uma exposição de motivos na qual enumerava seus argumentos, mas a ideia não prosperou.

Fez o mesmo nos governos seguintes, mas recebeu posição contrária do Conselho Estadual de Cultura (CEC), na gestão de Esperidião Amin (1999-2002).

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Além de destacar a Abolição, o hino faz referência à Proclamação da República, fatos destacados no parecer do professor universitário Carlos Humberto Corrêa, numa das tentativas de mudança, em 2004.

— Hino Nacional ou Estadual é símbolo da nação ou do Estado e não pode ser mudado cada vez que alguém não gosta de sua música ou letra — escreveu o então conselheiro e autor dos livros “Santa Catarina – Um Estado entre Duas Repúblicas”, “Os Governantes de Santa Catarina de 1739 a 1982” e “Jerônimo Coelho – Um Liberal na Formação do Segundo Império.

O professor, que presidiu o Instituto Histórico e Geográfico, foi adiante:

— Por que não se mudou o nome do Rio de Janeiro, depois que se constatou que a Baía de Guanabara não era a foz de um rio, como se achava no século XVI? — questiona.

Em 2010, o então deputado estadual Gilmar Knaesel voltou à carga, mas de novo o CEC votou contrário.
Há uma diferença na política atual: desta vez, o governador de Santa Catarina é favorável à troca do hino.

Confira a letra atual do hino de Santa Catarina

Hino de Santa Catarina
Composição: Horácio Nunes Pires (letra) / José Brazilício de Souza (música)

Sagremos num hino de estrelas e flores
Num canto sublime de glórias e luz
As festas que os livres frementes de ardores
Celebram nas terras gigantes da cruz

Quebram-se férreas cadeias
Rojam algemas no chão
Do povo nas epopeias
Fulge a luz da redenção

No céu peregrino da Pátria gigante
Que é berço de glórias e berço de heróis
Levanta-se em ondas de luz deslumbrante,
O sol, Liberdade cercada de sóis.

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Pela força do Direito
Pela força da razão,
Cai por terra o preconceito
Levanta-se uma Nação.

Não mais diferenças de sangues e raças
Não mais regalias sem termos fatais,
A força está toda do povo nas massas,
Irmãos somos todos e todos iguais.

Da liberdade adorada.
No deslumbrante clarão
Banha o povo a fronte ousada
E avigora o coração.

O povo que é grande mas não vingativo
Que nunca a justiça e o Direito calcou,
Com flores e festas deu vida ao cativo,
Com festas e flores o trono esmagou.

Quebrou-se a algema do escravo
E nesta grande Nação
É cada homem um bravo
Cada bravo um cidadão.

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