A Prefeitura de Joinville precisa criar um plano de manejo para decidir o que fazer em relação aos moradores que estão em ocupações irregulares na área do Morro do Amaral, na zona Sul da cidade. Atualmente, estima-se que mais de 1 mil pessoas vivam sem a regularização dos terrenos na região, que desde 2012 é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

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A reclassificação do Parque Municipal da Ilha do Morro do Amaral para reserva determinou que apenas 921 moradores que já viviam no local pudessem permanecer após a mudança. Eles teriam que participar da preservação, recuperação, defesa e manutenção da unidade de conservação. No entanto, hoje há cerca de 2 mil pessoas morando na área, que pertence à União.

Em junho do ano passado, após o Ministério Público de Santa Catarina entrar com uma ação na Justiça, o juiz Roberto Lepper, da 2ª Vara da Fazenda Pública, determinou ao município fazer um levantamento de todos os moradores irregulares, notificar e dar prazo de até 90 dias para que deixassem o local.

A prefeitura afirma que cumpriu a determinação, mas um ano depois as pessoas continuam na região, e a situação permanece sem solução. No início deste mês, a Defensoria Pública de SC começou a recorrer da decisão em primeira instância, porém ainda não há qualquer definição sobre o caso. A grande pergunta é como ficam as famílias que terão de sair da região.

Prefeitura formará grupo técnico

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O secretário de Habitação, Romeu de Oliveira, tem ciência de que não pode haver mais de 921 pessoas no Morro do Amaral, mas não sabe responder o que deve ser feito com os moradores em situação irregular, caso precisem deixar a área.

— O Morro do Amaral é uma área que chega a ser mais velha do que o próprio município. Tem famílias com raízes ali, e não temos como tirar todo mundo porque elas têm o direito de estar lá — afirma.

Como se trata de uma reserva de desenvolvimento sustentável, o lugar precisa ter um conselho gestor e um plano de manejo. A prefeitura informou que será formado um grupo técnico intersetorial, responsável pela elaboração do plano de manejo para a região do Morro do Amaral.

É a partir disso que também será constituído o conselho. Segundo Romeu, o plano determinará como poderá ser feita a regularização fundiária.

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— Isso ainda é distante porque são áreas da União. Então, se alguém quiser entrar com o processo de regularização fundiária, terá que ser a União ou deverá ser feita a cessão para o município — explica o secretário.

Moradores têm interesse na regularização

O pescador Vicente Luis Padilha, 55 anos, vive há pelo menos duas décadas no Morro do Amaral e tentou mais de uma vez regularizar a situação junto à prefeitura. A primeira delas foi quando quis a autorização do município para construir uma casa na região. Ele havia comprado o terreno e registrado em cartório o contrato de compra e venda. No entanto, nunca obteve a documentação por se tratar de uma área de preservação. A última tentativa foi em 2016.

Vicente chegou até a procurar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas também não teve sucesso. Enquanto isso, espera uma definição da prefeitura e continua morando no local sem medo de ser retirado. Segundo ele, tudo que conquistou no Morro do Amaral foi com o suor do trabalho.

— Eu acho muito importante ter a regularização. Pelo menos a pessoa terá o direito legal que a gente já tem, por viver aqui há tanto tempo — comenta.

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Nascido no Rio Grande do Sul, Vicente chegou com 16 anos a Joinville. Um dia foi pescar na região do Morro do Amaral e ficou encantado. Prometeu para si mesmo que voltaria para morar e cumpriu a promessa 14 anos depois. Desde quando se mudou, viu avanços importantes na comunidade, mas acredita que ainda há melhorias a serem feitas, como a cobertura de asfalto na estrada de acesso à região.

Em uma audiência pública realizada pela Câmara de Vereadores no mês passado para discutir a regularização fundiária, outros moradores contaram suas histórias em busca da legalização dos terrenos e também apontaram sugestões para a região. Entre as reivindicações estavam a presença de médicos mais vezes na semana, melhorias de infraestrutura para o único acesso por terra e retorno do serviço de ônibus voltado para alunos da região. Cerca de 120 pessoas da comunidade participaram da reunião.

Aposentado acompanhou avanços no local

A família Borges mora há mais de 100 anos no Morro do Amaral. Os pais, avós e outros parentes de Daniel, 71 anos, estabeleceram-se na região e construíram suas vidas junto à comunidade da zona Sul. Hoje, o aposentado continua a tradição e mora com a esposa Teresinha, 65, e outros sete filhos em casas na localidade.

Daniel acompanhou todos os avanços possíveis pelos quais passou o Morro do Amaral. Ele viu a chegada da energia elétrica, da água, do esgoto e da estrada de acesso e ainda se recorda de como era difícil viver antes dos investimentos na infraestrutura.

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— Aqui mudou muito. Antes, morria uma pessoa e você tinha que levar o caixão de canoa até a rua Inácio Bastos porque não tinha a estrada. De lá, tinha que levar na mão até o cemitério municipal — conta.

O aposentado diz que o abastecimento de água chegou depois de as autoridades perceberem que os moradores estavam tomando água contaminada.A energia foi instalada há mais de 20 anos, após muita luta da comunidade. Segundo Daniel, a vida era muito mais difícil sem luz no Morro do Amaral:

— Ninguém queria ficar por aqui porque era tudo à bateria. Hoje, até dá para comprar uma televisão, uma geladeira.

O morador gosta de viver na localidade, onde passou toda a vida. Ele diz que não tem para onde ir, caso saia do Morro do Amaral. Ao longo das últimas décadas, nunca procurou a prefeitura para tentar regularizar o terreno, mas não teme ser retirado do local.

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Ele comenta que apenas vai tentar a regularização se outros moradores começarem a fazer o mesmo. Senão, continuará a viver da mesma forma como sempre fez ao longo dos últimos 71 anos. Daniel aceita que o espaço seja uma área ambiental e patrimônio da União, mas faz críticas aos órgãos responsáveis.

— Eu até concordo, mas nós já estamos dentro dela (da área do Morro do Amaral) há muito tempo. De quem eram as terras de Joinville antes? Os empresários que pegaram terras da região compraram esses terrenos de quem? — questiona.

Comunidade é mais antiga do que a cidade

O Morro do Amaral é a comunidade mais antiga de Joinville, tendo sido povoada antes da chegada dos imigrantes europeus à Colônia Dona Francisca, em 1851. É uma localidade situada fora do perímetro urbano que pertence ao bairro Paranaguamirim, na zona Sul da cidade, apesar de os moradores locais considerarem a região como um bairro separado.

A localidade se chamava Riacho Saguaçu até 1935, quando passou a adotar a atual denominação. O nome foi escolhido em razão de a maioria das terras ser de propriedade da família Amaral, que também vivia no local. Originalmente, a região era constituída como uma ilha e apenas foi conectada com o continente após a construção da ponte sobre o rio do Riacho na década de 1980. Hoje, o acesso é feito pela avenida Kurt Meinert.

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O Morro do Amaral possui quatro sambaquis identificados e foi classificado como Parque Municipal da Ilha do Morro do Amaral em decreto municipal de 1989. A área está localizada às margens da baía da Babitonga, na saída da lagoa do Saguaçu.

Por apresentar ocupação humana, a área foi recategorizada por uma lei de 2012, que a transformou em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável. A gestão da reserva é municipal, apesar de as terras serem patrimônio da União. Ela possui uma área de 3,3 mil metros quadrados rica em biodiversidade, apresentando dois tipos de ecossistemas: o manguezal e a floresta ombrófila densa (Mata Atlântica), ambos importantes para o equilíbrio ambiental da região da Baía da Babitonga.