Quatro meses após a prefeitura de Blumenau determinar que moradores desocupem uma área invadida na Vila Bromberg, incerteza e improviso se tornaram parte da realidade de quem vive ou vivia ali.
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Isso porque alguns moradores já acataram a ordem e deixaram o local, mas não sabem até quando vão conseguir pagar aluguel já que o auxílio está acabando. Outros nem mesmo conseguiram encontrar um imóvel que o valor por mês caiba no bolso.
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A movimentação é intensa na região desde a semana passada com entra e sai de carros e pequenos caminhões de transporte usados nas mudanças. Alguns até arranjados pela própria prefeitura, que mobiliza Defesa Civil e Guarda Municipal de Trânsito para ajudar a comunidade na retirada dos pertences. A maioria das 18 famílias que moravam na área invadida que fica dentro de um parque municipal saiu da vila.
Na manhã desta segunda-feira (14) homens trabalhavam para desmontar as casas simples e improvisadas de madeira que serviram de abrigo às famílias carentes. Uma delas é de Lígia Mara de Souza. Foi erguida no começo da pandemia quando a mãe de dois filhos ficou desempregada.
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Hoje trabalhando sem registro, o que ganha não é suficiente para bancar um aluguel, mesmo com o auxílio de três prestações de R$ 400 oferecido pelo governo.
— Estou morando no porão da casa da minha mãe, porque preciso ficar aqui perto dela, para que fique de olho nos meus filhos enquanto trabalho — conta Lígia, que tem dois adolescentes de 12 e 15 anos.
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Leandro França deixou a Vila Bromberg na semana passada. Conseguiu alugar uma casa para ele, a esposa e os quatro filho no bairro Valparaíso. Mas a aparente normalidade não faz jus às angústias do provedor da casa.
Com apenas ele trabalhando para sustentar a família, o medo é que ao fim do auxílio aluguel liberado pelo governo ele não dê conta de bancar uma despesa tão alta para quem ainda precisa pagar água, luz e colocar comida na mesa.
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— Só Deus sabe — desabafa.
Fotos mostram como está a desocupação
Não foi uma escolha e sim uma necessidade que o levou à área invadida. Leandro conta que o salário como pedreiro é de R$ 2,2 mil na carteira, mas limpo esse valor diminui. Com o aluguel na casa dos R$ 1 mil, a alternativa foi improvisar uma casa na área do parque. Agora, ele planeja demolir tudo até a próxima semana.
Segundo os moradores que ainda estão morando ou têm algo para retirar da vila, o prazo máximo para que todos deixem o local é o fim de fevereiro. Aliás, é fala recorrente dos moradores a pressão diária de funcionários públicos para que a desocupação ocorra o mais rápido possível. Porém, a prefeitura de Blumenau diz que o limite é 30 de março.
Diogo da Silva Machado tinha esperança de que o governo voltaria atrás da decisão, já que a desocupação é motivada principalmente por se tratar se uma área ambiental preservada e nem tanto por risco geológico de deslizamento. Conforme o tempo passa, essa possibilidade se torna mais distante.
Ele já começou a procurar uma casa para a família de cinco pessoas. Sabe quem com a ajuda de R$ 400 por mês não vai conseguir custear todo o valor de um aluguel e vai precisar tirar dinheiro do bolso.
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O auxílio do governo pode ser concedido por até três anos em casos de desocupação, mas depende de análise social trimestral, para confirmar a carência. Enquanto vive a incerteza de quantos meses terá apoio financeiro, terá ainda de seguir pagando o empréstimo feito no banco para comprar a casa humilde na Vila Bromberg.
O debate sobre habitação
A situação dos moradores evidencia a necessidade de investimentos em políticas de habitação. Desde 2014 não é aberto um programa do governo Federal para moradias populares, por exemplo. O anúncio do Estado para essa área prioriza cidades com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), deixando de fora Blumenau, a cidade com mais moradores em favelas de Santa Catarina, segundo o último Censo do IBGE, de 2010.
— Falando das áreas de risco, eu particularmente sou contra tirar essas pessoas das áreas onde habitam, exceto que haja risco iminente, porque em retirando nós temos dois problemas: um problema social, dessas pessoas serem tiradas e colocadas em condomínios onde não é muito o perfil dessas pessoas. E o segundo problema é a capacidade de fiscalização para que essa área não seja reocupada. Se [no parque da Vila Bromberg] fosse só a condição de risco, nós iriamos tratar assim — disse, em outubro do ano passado, Carlos Olimpio Menestrina, secretário de Defesa do Cidadão.
Moradia é direito constitucional, mas o papel por si só não transforma a vida real. Para o professor Christian Krambeck, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Furb, é dever da União, estados e municípios resolver os gargalos habitacionais das cidades. Isso passa pela construção e implementação de políticas públicas eficientes em todas as esferas de governo.
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Porém, é preciso prioridade na efetivação das ações.
O especialista é enfático que sozinha a prefeitura não dará conta de todo o problema, mas pode tomar atitudes transformadoras. O trabalho começa por um diagnóstico dessas comunidades, a criação de comissões por região, a definição de metas e estratégias para solucionar os casos e destinar orçamento. Mas não em etapas longes uma das outras: é preciso agir de forma mais efetiva.
— É preciso construir uma política de habitação nos próximos anos que seja moderna, inovadora e que possa gerar resultados, transformar a realidade fundiária de Blumenau de verdade. Isso inclui dinheiro federal, internacional, estadual, fazer parceria com o Conselho de Urbanismo, inclui uma série de coisas — diz o especialista
Relembre o caso
Em outubro do ano passado funcionários da prefeitura de Blumenau subiram a Vila Bromberg acompanhada de vários policiais para avisar sobre o despejo. Na época o governo informou que 18 famílias viviam de forma irregular na área invadida.
No começo o prazo para saída do local era 5 de dezembro, mas foi ampliado. A comunidade chegou a tentar reverter a situação, com reuniões na prefeitura e através de manifestações, porém sem sucesso.
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No ano passado, o Santa também esteve no local e registrou os depoimentos comoventes dos moradores. Dos três que aparecem na gravação abaixo, apenas um segue na área invadida. Assista:
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