A falta de contato do filho do meio no último domingo (8) levantou a suspeita de que algo estava errado. Acostumada a falar todos os dias com ele por telefone, Beatriz*, angustiada, ligou para os colegas de trabalho do jovem, mas nenhum deles atendeu. Mais tarde, o celular tocou e, ansiosa por alguma notícia, atendeu no primeiro toque. Do outro lado da linha, um dos responsáveis pela empreiteira em que o filho estava trabalhando avisou que ele tinha sido vítima de uma chacina em Joinville.

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Nesta terça-feira (10), a idosa foi, na companhia de um dos filhos, à Polícia Científica colher material genético para ajudar na identificação do rapaz. Além do filho, um neto e outros três parentes dela perderam a vida no assassinato em massa.

— Me ligaram [da empreiteira] e contaram que aconteceu essa tragédia. Eu perguntei: “Mas como, eles toda vida trabalharam assim e nunca aconteceu nada. Como que foi acontecer?”. Fiquei em choque, sem chão — relata a idosa.

Beatriz tem 66 anos, é viúva e criou seis filhos na base muito suor na lavoura onde vive a família, em Cruz Machado, cidade do interior do Paraná. Pessoa humilde, de vestimentas simples, carrega no rosto e nas mãos as marcas do trabalho duro executado ao longo da vida.

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Mulher tem 66 anos e veio do Paraná colher DNA para auxiliar na identificação do filho (Foto: Sabrina Quariniri, A Notícia)

Além dela, outras 10 famílias já estiveram na Polícia Científica para auxiliar na identificação das vítimas. Ao todo, 10 homens foram tirados do alojamento em que estavam e levados ao local que foram mortos. Desses, três conseguiram fugir no meio do trajeto e seis foram assassinados. Um deles ainda é dado como desaparecido. Carros e o imóvel foram incendiados.

Violência do crime espanta familiares

O filho da idosa tinha 28 anos, esposa e uma filhinha de dois anos. Assim como ele, três dos familiares também eram casados e pais de crianças pequenas. Os rapazes estavam em um alojamento alugado pela empresa que prestavam serviço. O imóvel foi invadido por criminosos, e os trabalhadores levadas em veículos diferentes para uma estrada próxima do fim da Rodovia do Arroz, no bairro Vila Nova. Três escaparam no meio do caminho.

Os seis foram encontrados carbonizados por volta das 10h dentro de um Fiat Uno totalmente incendiado. A violência com que foi executado o crime espanta os familiares, já que os homens são descritos como pessoas tranquilas, sem histórico de desentendimentos.

— Eles estavam trabalhando pra ganhar o pão da família. Eram todos dados, não tinham encrenca com ninguém. A gente nem imagina como foi, não podiam ter feito isso. Todo mundo lá [em Cruz Machado] está esperando a liberação dos corpos. Se eles fossem do mal, isso não aconteceria. A cidade está triste — lamenta Beatriz.

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Roberto*, 32, filho de Beatriz e irmão do homem de 28 anos assassinado, lembra que a última vez que viu os parentes foi no Natal, quando os rapazes foram para o Paraná passar a data com a família. Eles retornaram à Joinville no início de 2023 e, desde então, os contatos eram feitos por telefone.

Ele diz que o irmão e os demais parentes e colegas prestavam serviço na cidade há mais de um ano e, aflito, não consegue encontrar motivos que possam explicar este crime tão bárbaro. Lhe faltam palavras também para descrever a tristeza e angústia que passou a carregar no peito. A única coisa pelo que clama, agora, é por justiça.

— Não tem fundamento. Perdemos cinco da família. Por que fizeram isso? E ainda da forma que fizeram, queimaram todos. Nós queremos que eles [os criminosos] paguem. Nós queremos justiça — enfatiza.

Casa já foi alugada outras vezes pela mesma empresa

As famílias das vítimas da chacina vieram até Joinville com transporte bancado pela prestadora de serviço. Um dos supervisores da empresa diz que os parentes também estão recebendo suporte psicológico e assistência jurídica.

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O supervisor conta que a empresa é terceirizada e presta serviço para a Celesc fazendo roçadas e outros trabalhos no geral. Ele explica que os funcionários atuavam na cidade e, quinzenalmente, voltavam para Cruz Machado. Na próxima quarta-feira (11), portanto, as vítimas embarcariam para ver suas famílias.

Com relação à casa, diz que já havia alugado em trabalhos anteriores e até conhecia a dona do imóvel, que nunca fez nenhuma reclamação. No dia da chacina, no entanto, vizinhos relataram uma movimentação e barulhos atípicos no local. No dia seguinte, ficou sabendo do crime.

— Eram meninos muito tranquilos, trabalhadores. Nunca tinha acontecido nada, não tinha do que reclamar — destaca.

O supervisor ainda confirmou que os três homens encontrados com vida conseguiram acionar a polícia e se safar com vida. Eles já estão com suas famílias no Paraná. No entanto, o motivo, a forma como ocorreu e os responsáveis pelos assassinatos continuam sendo um mistério.

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O que se espera, agora, é que as vítimas sejam identificadas oficialmente e que seus corpos possam ser liberados para um velório coletivo que ocorrerá na cidade em que viviam, ainda sem data definida.

O que se sabe sobre a chacina

As vítimas da chacina foram encontradas carbonizadas dentro de um Fiat Uno incendiado por volta das 10h de domingo (8), no bairro Vila Nova. Todos os 10 envolvidos moravam na mesma casa, no bairro Morro do Meio, e seis deles foram encontrados com os corpos queimados após uma possível discussão com moradores da região. O imóvel também foi incendiado pelos autores do crime.

De acordo com o delegado Dirceu Silveira Júnior, da Delegacia de Homicídios, as vítimas eram de Palmas e Cruz Machado, ambas cidades do Paraná, e trabalhavam em uma empresa terceirizada em Joinville.

Durante a noite de sábado (7) para domingo, teria acontecido um desentendimento fora da casa entre uma das vítimas encontradas carbonizadas e um dos autores do crime, de acordo com o delegado. Horas depois, os suspeitos teriam voltado até o local e ateado fogo no imóvel, como retaliação pela discussão.

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No local, havia três carros pertencentes à empresa que foram usados para transportar as vítimas até uma estrada próxima ao fim da Rodovia do Arroz, no bairro Vila Nova. Foi onde um dos veículos, um Fiat Uno, foi encontrado carbonizado por moradores, por volta de 10h de domingo.

Em relação aos sobreviventes, o delegado afirma que eles também foram retirados da casa pelos agressores, porém, conseguiram fugir dos suspeitos em algum momento durante o trajeto para o local em que seriam mortos.

A Polícia Civil trabalha com a hipótese de que entre oito a 10 pessoas cometeram a chacina. Até o momento, entretanto, ninguém foi preso. Ainda conforme Dirceu, todas as vítimas já foram identificadas, mas as identidades só serão reveladas após confirmação da Polícia Científica, que ainda colhe materiais genéticos de parentes para auxiliar nas identificações.

*Nomes fictícios para preservar a segurança das vítimas

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