Primogênitos modernos, cercados por um mundo exclusivo, são cada vez mais comuns no país em que a taxa de natalidade cai anualmente – hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabiliza 1,8 filho por mulher no Brasil.
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Sem irmãos para dividir brigas e alegrias, o filho único tem todas as atenções dos pais e das outras pessoas que cuidam dele. Não precisa compartilhar brinquedos ou disputar espaço. É o príncipe do castelo.
Como na obra de Saint-Exupèry – em que o pequeno príncipe vivia sozinho em um planeta pequeno, habitado por três vulcões e uma rosa, e precisou visitar o exterior para conhecer melhor a vida -, a criança sem irmãos também precisa explorar outros territórios para se dar conta de outras realidades. Para embarcar nessa aventura, os pais devem ser os incentivadores.
De acordo com a psicóloga Sílvia Dian, vice-presidente da Sociedade de Psicologia do Estado, a família precisa promover o convívio do filho com crianças da mesma idade para que ele tenha a oportunidade de vivenciar momentos típicos da idade e para que não conviva apenas com adultos. Além disso, mesmo sendo único, precisa compreender, aos poucos, que as pessoas não estarão sempre à disposição dele.
– A única coisa que apenas os pais podem dar a um filho é um irmão. Optar por apenas um é não ter um príncipe em casa, sozinho, diante da TV, sem alguém para compartilhar. É preciso participar, traduzir o que está vendo, passar valores. Além disso, no contato com outras crianças, as disputas e as brigas serão treinamentos para a vida social fora – explica Sílvia.
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Como qualquer outra criança, o “príncipe da casa” terá um comportamento de acordo com a educação dada pelos adultos. Em contraponto à exclusividade, a criança necessitará de uma figura de autoridade que lhe auxilie a enfrentar dificuldades e a dar limites. Regras ajudam na sensação de proteção e dão ânimo para suportar e lidar com frustrações.
– Quem cresce com excesso de tudo pode pensar que o mundo é assim, muito diferente da realidade. Isto gera insegurança – diz a psicóloga Gabriela Ribeiro Filipouski.
De qualquer forma, ser único dentro de uma família não define por si só o futuro de um pequeno – muitos podem ter um desenvolvimento tão sadio como aqueles que têm muitos irmãos. O problema de crescer sem eles é que, geralmente, os pais podem colocar todas as expectativas e exigências familiares sobre o filho. Se os adultos projetam os próprios sonhos e exigem dos pequenos o melhor, é possível que sofram e tenham de lidar com as expectativas.
– É natural que eles esperem que os filhos sejam perfeitos e desenvolvam as características almejadas, mas manifestar essas expectativas pode trazer ansiedade e insegurança. Com alguns cuidados, é possível educar de maneira saudável. Afinal de contas, esta não é uma opção para muitos pais? – questiona a psicóloga Gabriela Ribeiro Filipouski.
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Cachorrinho como companhia da criança
Por um bom tempo, o yorkshire Joca era a estrela da casa da arquiteta Daniela Vargas Barcellos. O mascote perambulava pelos cômodos, passeava e recebia toda a atenção. Até o dia em que Luiza nasceu.
A menina sapeca de finos cabelos longos tem hoje dois anos e oito meses e se transformou na atração da casa. Filha e neta única, ela ganha a atenção dos pais, dos avós e de todos os adultos que surgem para visitá-la.
– Tentamos fazer com que ela não seja a princesa de tudo, mas é difícil – revela a mamãe.
Para ensinar a filha a conhecer outra realidade, os pais a colocaram na escola quando ela completou um ano. No contato com amigos, a pequena tem aulas de música, educação física e brinca com os colegas, o que a ajuda a aprender a dividir e a trocar os brinquedos.
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– Ela está mais sociável. Cada dia que passa está menos individualista – conta a mãe.
Nos planos da família, por enquanto, não está a vinda de outro herdeiro. Quando Luiza é perguntada se quer um irmão, a resposta é um “não”.
– Para um filho único, é preciso, além dos cuidados, saber brincar com a criança. É mais pesado para os pais, mas é preciso se esforçar – diz Daniela.
Se depender da pequena, Joca continuará sendo seu grande amigo em casa.
Limite nunca é demais
:: Ser filho único não determina uma característica específica da criança. Cada uma tem seus próprios atributos, resultado de vivências pessoais, do ambiente em que cresce e de fatores genéticos.
:: Muitas vezes, filhos únicos saboreiam positivamente a solidão e, apesar de poderem aprender a se tornar altamente sociáveis, é provável que passem algum tempo sozinhos por opção.
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:: Incentive a convivência com crianças da mesma idade, que substituirão os irmãos em alguns momentos, como nas disputas, nas brigas e na divisão das emoções.
:: Com um ou mais filhos, os pais precisam estar preparados para dar limites aos pequenos sem sentir culpa. Toda criança necessita de uma figura de autoridade, que a auxilie a enfrentar dificuldades e lhe proporcione a convivência com outras crianças.
Fontes: psicólogas Silvia Dian e Gabriela Ribeiro Filipouski