O lar das irmãs ciganas, em Joinville, foi erguido com lonas e madeiras de diversos tamanhos. Algumas barracas estão remendadas – desgastadas pelas marcas do tempo ou alvo de apedrejamento e vandalismo. Localizado na zona Sul, o acampamento Callins – como foi denominado – é formado por oito barracas. O contraste urbano composto pela ocupação em conjunto com as construções ao redor representa o esforço das irmãs em manter suas heranças culturais.

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Dentro das tendas, um grande cômodo compõe a área residencial, com o chão de barro coberto por tapetes de várias cores. A mobília e as roupas são organizadas em cima de uma espécie de tablado para evitar que a água da chuva as alcance. O local começou a ser habitado em 2011, na tentativa de proporcionar às seis irmãs um novo recomeço. O terreno seria de posse de uma imobiliária da região.

O grupo resolveu se mudar para a cidade após cinco delas ficarem viúvas – dois maridos foram mortos em brigas com outros povos ciganos. A situação acarretou uma espécie de trauma nas irmãs. Com o passar do tempo, os outros cônjuges também morreram e as mulheres se sentiam desamparadas e sozinhas em outros acampamentos. Assim, enxergaram na união familiar uma saída para viver tranquilamente.

– Como elas moravam no Paraná e eu já estava em Santa Catarina e perdemos alguns maridos em brigas de ciganos, eu falei: ‘sabe de uma coisa? Vamos colocar nós cinco viúvas num lugar e criar nossos filhos só com as mães’ – explica a irmã porta-voz do grupo, Lindacir Aparecida Fernandes, 37 anos.

– Aí a gente resolveu se reunir e vir para cá, porque aqui é um lugar que não tem muita violência.

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A violência a que Lindacir se refere é fruto do preconceito com a cultura cigana. Segundo ela, como muitas pessoas desconhecem a tradição, acabam discriminando o povo e o tratando como “bandidos”, já que muitos vivem à margem e de maneira singular.

– A gente não tira a razão deles, porque não conhecem o que é. E também por causa de uma pessoa ruim, pode ter dez boas no meio que mesmo assim vão ser todos (considerados) ruins.

Processo em andamento na Justiça desde 2013

O terreno onde as ciganas moram seria de propriedade particular. Em 2013, o proprietário entrou com o pedido de reintegração de posse reivindicando o terreno. Segundo o defensor público Tiago Mioto, da Defensoria Pública da União (DPU), o processo está em andamento e tramita na Justiça estadual.

– Havia uma informação de que este terreno poderia pertencer a Prefeitura, mas depois disso esse particular entrou com a ação. Nós ainda não temos certeza dessa propriedade porque a ação ainda está em andamento – garante Mioto.

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Dependendo do desfecho da ação, as ciganas podem ser obrigadas a encontrar outro lar. Ainda de acordo com o defensor público, a DPU tenta a possibilidade de localizar, de maneira administrativa, um local junto ao governo municipal e à Secretaria de Patrimônio da União para realocar essas famílias. A medida é uma alternativa caso elas não possam ficar no endereço da Agulhas Negras.

– Nós nos damos muito com a vizinhança daqui. Aí a gente queria ficar por aqui, porque a gente vai para qualquer outro lugarque tem preconceito com cigano. E como eles já conhecem a gente, eles não têm mais – assegura Lindacir.

A reportagem de “AN” entrou em contato com o proprietário do terreno, mas até a publicação desta matéria não obteve resposta.

Esforço para manter tradição

Cada cigana possui dois filhos, alguns já casaram e tiveram outras crianças. Aproximadamente 20 pessoas residem no acampamento. O grupo não possui uma das características mais marcantes do povo cigano: a de ser nômade. As famílias preservam outros costumes, como o idioma. A linguagem cigana é repassada oralmente de geração para geração e raramente é ensinada aos gadjês – como é denominado no linguajar o povo não cigano. As danças, festas e roupas da cultura também são mantidos.

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– Se por acaso a gente fizer uma fogueira para oferecer a Santa Sara, a gente não convida outros ciganos, por causa do que aconteceu com nossos maridos. Só se forem pessoas que não sejam bagunceiras, que nem vocês assim – afirma Maria Paula Fernandes, 38 anos.

A tradição cigana não permite que as mulheres usem calça e nem roupa curta. Elas também não frequentam festas que não sejam dentro do acampamento – somente os homens têm esse “direito”. Diferentemente da tradição, as mulheres passaram a chefiar as famílias na ocupação e, aos poucos, deixaram o choque da viuvez para trás.

De acordo com o defensor, as ciganas ergueram o acampamento com o apoio uma das outras. A possibilidade de separar as irmãs durante a ação de reintegração não é vista como alternativa, porque elas têm a característica de se sentirem seguras estando juntas. Além disso, a ideia de recomeçar em outro local pode representar outro impacto na vida delas e também um trauma para as crianças.

– Na escola, as crianças já têm bom relacionamento com os outros alunos. Para elas, recomeçar em outro lugar seria algo bastante traumático – afirma o defensor Tiago Mioto.

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Ainda segundo Tiago, devido à complexidade do processo, não há condições de se estimar um prazo para que a situação das irmãs seja resolvida.