O festival que hoje é conhecido como Florianópolis Audiovisual Mercosul – ou simplesmente FAM – começou como Seminário de Cinema e Televisão, em 1997; em um formato um tanto diferente: o foco eram os debates, as discussões em torno de pautas principalmente técnicas – nas primeiras edições, havia muita conversa, por exemplo, sobre a veiculação de filmes nacionais na TV paga e aberta; e mesmo a respeito de se buscar uma compatibilidade de legislações sobre o audiovisual nos diferentes países do Mercosul.

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– A partir de 1995, há uma predisposição muito grande de olhar para o Mercosul não apenas nos negócios, mas buscar um Mercosul cultural – relata Celso Santos, diretor-geral do FAM. – Dentro disso, se destacava uma inexistência de trocas nessa parte audiovisual no Mercosul: não havia um ambiente que possibilitasse trocas físicas (de equipamentos, latas de filmes) ou de ideias. O FAM nasce como um seminário que busca justamente abordar a integração audiovisual entre os países do Mercosul e, ampliando um pouco mais, também entre os países andinos.

As mostras de filmes começaram, nas palavras de Celso, de maneira tímida: na primeira edição, foram exibidos por volta de vinte filmes, para um público de cerca de mil pessoas. As exibições aconteciam no MIS, o Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina. Mas a segunda edição do então Seminário já explodiu: o público saltou para cerca de 15 mil pessoas, que acompanharam as exibições de curtas e longas no Cine Cecomtur, no Centro de Florianópolis.

– Virou mesmo um festival de cinema, que foi consolidado na edição de 1999 – diz Celso. – Santa Catarina passou a ter o seu festival de cinema: o público não precisava mais se locomover a outros estados para poder participar de um evento assim. O FAM deu visibilidade a Santa Catarina e Florianópolis como parte do mercado audiovisual nacional.

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Celso Santos, diretor-geral e um dos fundadores do FAM
Celso Santos, diretor-geral e um dos fundadores do FAM (Foto: FAM/Divulgação)

Em 2021, o FAM comemora seus 25 anos: o evento acontece entre os dias 23 e 29 de setembro; pela segunda vez em formato online, em função da pandemia de coronavírus. O festival vai contar com oito mostras competitivas (Work in Progress, Videoclipe, Infantojuvenil, Curtas Catarinense, Curtas Mercosul, Longas Ficção Mercosul, DOC-FAM e Rally Universitário) e uma não competitiva (Animação).

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– O festival presencial envolve muito poder viajar entre os países, então o problema já começa aí – explica Marilha Naccari, diretora de programação do FAM, sobre a decisão de manter o formato virtual pelo segundo ano consecutivo. – Acho que é parte de uma consciência cidadã nossa não instigar isso ainda.

Para quem quiser acompanhar o FAM de casa, uma boa notícia:

– Neste ano vamos retomar a exibição gratuita dos filmes, pensando que a crise econômica não abrandou para a maior parte da população – conta Marilha. – Ano passado e retrasado havíamos começado um novo ciclo, com programação paga. Sentimos que, depois de todos esses anos, a gente estimule a consciência de que o produto audiovisual brasileiro também merece o valor do ingresso; às vezes mais até do que aquele blockbuster pelo qual você paga R$ 40. É uma educação do público dentro dessa dignificação do produto audiovisual brasileiro.

Desafios econômicos e pandemia

– O festival online, pra mim, não é exatamente um festival – pondera Tiago Santos, diretor de produção do FAM. – Um festival envolve toda uma integração; é um encontro. Os festivais online são mais playlists com curadoria. Por outro lado, quando fizemos o festival no ano passado, tivemos 45 mil acessos, de toda a América do Sul, com os filmes sendo vistos em todos os países do continente. No presencial, nosso público é de 20 mil pessoas. Fizemos encontros com pessoas da Europa, que talvez não fossem possíveis no presencial, até mesmo pelo custo envolvido. Fico pensando como vamos integrar essas pessoas quando retornarmos ao presencial.

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A opção pelo evento online é, neste momento, mais segura – mas não é necessariamente mais econômica. No ano passado, a organização do FAM precisou realizar uma campanha de financiamento coletivo para ajudar a custear o festival. Neste ano, os organizadores contam, até agora, com cerca de R$ 100 mil para realizar o evento – o que, segundo eles, não é nem 10% do valor total necessário.

– O orçamento do FAM já é bastante módico em comparação com o de outros festivais de mesmo porte, que chegam facilmente a R$ 3 milhões – afirma Marilha. – As pessoas acreditam que o evento remoto é mais em conta, mas ele envolve uma estrutura, um profissionalismo, que às vezes fazem com que uma transmissão remota custe a mesma coisa que a exibição presencial na sala de cinema. Este ano estamos com uma equipe de 15 pessoas trabalhando no evento, e normalmente tínhamos uma equipe de 100, 150 pessoas.

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– Somos guerreiros, somos teimosos, somos loucos de ainda estar aqui realizando o festival – ri Tiago. – O Celso conta que no início ia atrás de patrocinadores com fichinha de orelhão; ligando, “oi, você quer patrocinar um festival no Sul do país?”. Precisamos recorrer a grandes empresas porque até hoje não temos aporte financeiro do lado municipal e estadual. Em 25 anos, o município aportou no máximo R$ 40 mil no evento. Neste ano temos um quarto do recurso que tínhamos no ano passado. Temos apenas um patrocinador, que é o Sebrae.

– Sem dúvida, nossa maior dificuldade é conseguir recursos financeiros – Tiago resume. – O resto temos: vontade, garra, conhecimento, reconhecimento, e um público que nos ama.

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O 23º FAM, ainda no formato presencial
O 23º FAM, ainda no formato presencial (Foto: FAM/Divulgação)

A dificuldade certamente aumentou nos últimos anos.

– Nós costumávamos ter um conjunto de mecanismos de financiamento que favorecia o desenvolvimento de toda a atividade audiovisual: a Lei Rouanet, a Lei do Audiovisual, o Fundo Setorial do Audiovisual, com suas várias linhas e programas – relata Celso. – Vários mecanismos que permitiam captação de recursos. Mas, nos últimos anos, nós vimos um desmonte de toda essa política voltada para o audiovisual. Somando isso à pandemia, nos últimos dois anos, nós tivemos um caos completo. Uma dificuldade enorme de o setor se manter e se reinventar.

– É importante, aliás, lembrar que os recursos para o setor vêm do próprio setor: a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) é uma taxa, um imposto, que toda a cadeia produtiva do audiovisual paga – ele completa. – Não é um recurso que está saindo da educação, ou da saúde, ou de qualquer outro lugar. É um recurso do próprio setor que volta para o setor.

– O reconhecimento financeiro da cultura é muito importante – argumenta Marilha. – Reconhecer que o profissional da cultura é de fato um profissional, e que ele precisa ser recompensado dessa forma, porque está exercendo sua profissão. Muitas vezes nos perguntam qual é a novidade do FAM neste ano, e já faz uns três anos que eu digo que a novidade é continuar, é estar vivo. O morticínio da cultura tem sido avassalador nos últimos anos. Não podemos esquecer que existe uma crise econômica já desde o fim do primeiro governo Dilma, que é mundial, e que continua.

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25 anos de FAM em 2021

Mesmo com todas as dificuldades, o FAM segue: no dia da realização desta entrevista, foi lançado o laboratório da edição, onde, dentro da proposta de fomentar o mercado, 12 projetos foram selecionados para passar por um processo de capacitação, para em seguida realizar reuniões com players e se lançar no mercado internacional. Na semana seguinte, a direção do festival teria uma reunião com a consultoria da Ecovision – projeto piloto da Panvision, organizadora do FAM, que busca estabelecer um selo verde no mercado audiovisual, para qualificar produtos que tenham sido produzidos de forma sustentável.

– Vamos tratar disso nas palestras também – adianta Tiago, sobre a questão do selo verde para o audiovisual. – É uma bandeira que estamos levantando.

Também adiantando o que viria por aí na programação, Celso completa que outro grande tema da edição de 2021 é o streaming: desde que as plataformas passaram a se multiplicar e criar seus próprios produtos audiovisuais, a discussão é grande em torno de temas como produção, distribuição e mesmo participação em premiações. O debate no FAM vai contar com palestras e a participação de players internacionais.

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Olhando para trás, Marilha considera que o FAM evoluiu lado a lado com o audiovisual catarinense – e também o influenciou diretamente.

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– O evento contribui para a formação de público e coloca realizadores em contato, o que movimenta o mercado – ela aponta. – Nossa mostra de curtas catarinenses está fazendo dez anos, e só o fato de existirem filmes suficientes para que possa haver essa seleção já demonstra o resultado de um trabalho conjunto de fomento, de formação de profissionais, de divulgação de produtos.

Novos projetos são estimulados no Rally Universitário do FAM
Novos projetos são estimulados no Rally Universitário do FAM (Foto: FAM/Divulgação)

A atriz Neusa Borges, que trabalha com o audiovisual há cerca de dez anos, conta que começou sua trajetória diretamente influenciada pelo FAM:

– Como espectadora, eu participo desde 2009, quando o FAM passou a ser na UFSC – ela conta. – Eu realmente sou fã do FAM. (risos) Um dia eu estava assistindo à premiação, e naquele dia estava lá uma atriz argentina que tinha mais de 60 anos, e que subiu ao palco para ser premiada. No discurso ela falou que havia começado a fazer cinema há pouco tempo, havia começado tarde na atuação. Aquilo me deu um estalo de “nossa, é isso que eu quero fazer, eu quero ser atriz.”

– Isso foi em 2011 – ela prossegue. – Um tempo depois eu vi um casting para um filme universitário na Unisul, participei, e consegui entrar. No ano seguinte, o filme já estava na tela do FAM. Isso foi uma alegria muito grande pra mim. A partir daí eu comecei realmente a me dedicar a isso. Também participei de oficinas no Rally Universitário do FAM que foram essenciais para a minha formação como atriz.

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Neusa faz parte do elenco de Achados Não Procurados, que estreia no FAM deste ano – assim como o ator florianopolitano Luiz Henrique Cudo, que também está no filme. Cudo começou sua carreira no teatro, em 1993, e passou a trabalhar com audiovisual em 1999.

– O FAM é uma via de mão dupla – opina. – É uma possibilidade de os realizadores exibirem seus trabalhos; e também uma oportunidade para que um público interessado tenha acesso a essas obras. Ter uma curadoria por trás também é muito importante, já que você sabe que vai ter acesso a material de qualidade. E são obras não só locais, mas de todo o Mercosul.

– O evento presencial também proporciona trocas entre os realizadores; workshops, mesas de debate, rodas de negócio – completa Cudo, que também já dirigiu documentários e atuou diversas vezes como assistente de produção de filmes. – São possibilidades de alavancar cada vez mais as produções.

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Celso Santos afirma que, mesmo com todos os desafios, fica feliz ao pensar na história do FAM e na edição deste ano.

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– São 25 anos, né – comenta. – Duas gerações já passaram pelo FAM. Eu fico contente. É recompensador pensar nessa trajetória grandiosa.

– Eu estou louco para voltar ao presencial; ver as pessoas chegando na sala; dando risada; sando da sala falando “nossa, eu tenho uma boa história também, quero fazer um curta” – confessa Tiago Santos. – Antes mesmo de uma edição, a gente já começa a pensar na próxima.

Programação do 25º Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM 2021

Pela primeira vez, o FAM trouxe, já nas inscrições, um tema: Reflexão. As mostras competitivas, convidadas, debates, palestras e painéis permeiam a temática e fortalecem a união da identidade cultural da América Latina, respeitando as diferenças. De 23 a 29 de setembro, serão exibidos 50 filmes, de 12 países – neste ano, a programação está preparada para apresentar um filme por sessão. 

Sempre às 18h, as sessões estarão disponíveis na plataforma de streaming Innsaei.tv, que pode ser acessada por computador, tablet, SmartTV ou celular. Os filmes ficam disponíveis por 24 horas, possuem limite de acesso, geoblocking para a América do Sul, e o público pode votar ao fim de cada filme, escolhendo as produções que levam o troféu Panvision do Júri Popular.

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A abertura, na quinta-feira, dia 23 de setembro, às 17h, será transmitida pelo canal do festival no YuTube e terá um grande encontro sobre o tema Reflexão, com a sócia-diretora da Raiz Distribuidora Audiovisual, a produtora brasileira Assunção Hernandes o ator argentino Jorge Román. O documentário catarinense convidado Quem Precisa de Identidade?, dirigido por Kátia Klock, estreia também na abertura, no dia 23.

A Mostra Convidada Animação, com curadoria de Paulo Munhoz, apresenta uma pequena demonstração de formatos, técnicas, públicos e narrativas de filmes de animação. Serão exibidos seis produções, nos dias 23 e 24 de setembro. De 23 a 29 de setembro, sempre ao meio-dia, no Instagram do Festival, haverá uma live com convidados especiais.

Sucesso no ano passado, os debates com os realizadores seguem na programação do FAM 2021. De 24 a 28 de setembro, a partir das 19h, e no dia 29, às 17h, no canal do YouTube do Festival. A cerimônia de premiação e encerramento do 25º Florianópolis Audiovisual Mercosul será dia 29, às 20h, com transmissão pelo YouTube do festival. Logo após o encerramento, entra no ar por 24 horas a Maratona FAM 25 anos, com os filmes que ainda não atingiram o limite de 300 acessos. Será possível acessar até às 18h do dia 30 de setembro.

Todos os detalhes da programação e as listas de filmes de cada mostra podem ser acessados no site oficial do evento.

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