O Tribunal de Justiça (TJ) tem uma estrutura para acompanhar e fiscalizar o atendimento socioeducativo em Santa Catarina. Na coordenação Estadual do Sistema Socioeducativo e da Justiça Juvenil do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF), o juiz Giancarlo Bremer Nones faz inspeções rotineiras nas unidades catarinenses. Em entrevista ao DC, relatou a falta de atividades de ressocialização para os menores infratores. Leia abaixo:
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Qual é a visão do GMF sobre a atual situação do sistema socioeducativo em Santa Catarina?
Embora o sistema socioeducativo não consiga prestar seus serviços com foco mormente pedagógico, que é o que preconizam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei no Sistema Nacional do Socioeducativo (Sinase), o Departamento de Administração Socioeducativo (Dease) tem evidenciado preocupação nesse sentido. Assim, recentemente esse órgão de gestão tem promovido capacitações e encontros para troca de boas práticas voltados a seus profissionais. O fortalecimento de uma visão humanizada e a constante conscientização de que os objetivos de uma medida socioeducativa é a ressocialização são os primeiros passos para que o atendimento no sistema socioeducativo tenha chance de gerar transformação na vida dos adolescentes em conflito com a lei e, a longo prazo, transformação social.
O Case de São José, construído para abrigar 90 adolescentes, atende apenas cinco atualmente. Como o GMF acompanha isso e pretende intervir para que o atendimento seja melhor?
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A interdição de vagas dá-se, justamente, para promover adequações que possibilitem um melhor atendimento por parte da unidade. Esse é o caso de São José. Ampla reforma na estrutura física e no quadro de pessoal estão sendo empreendidas visando ao melhor atendimento. O GMF está acompanhando esse processo com o principal objetivo de oferecer apoio e suporte naquilo que lhe cabe e é possível, respeitando-se as atribuições do setor.
Apenas 8,9% dos recursos disponíveis para a Secretaria de Justiça e Cidadania aplicar em obras no Pacto Por Santa Catarina foram destinados para o sistema socioeducativo, o restante foi para o sistema prisional. Isso se reflete nas condições dos Cases e Caseps de SC? Como está a estrutura dos prédios no Estado?
A grande maioria das unidades carece de espaço físico. Algumas precisariam de reformas estruturais. Apesar disso, as condições físicas da maioria das unidades do sistema prisional estão em piores condições do que das unidades do sistema socioeducativo. Esse contexto não justifica a disparidade na distribuição dos recursos, mas explica em parte.
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Quais as principais falhas encontradas em vistorias pelo Estado?
A realidade de cada unidade é muito peculiar, mas se pode observar que em todas, inclusive nas que apresentam melhores padrões de atendimento, faltam cursos profissionalizantes, enfrentam-se dificuldades para inclusão escolar e há escassez de oficinas para a ocupação pedagógica do tempo dos internos. Em algumas unidades há, ainda, o excesso de administração de medicamentos, especialmente os psiquiátricos.
Tenho ouvido reclamações de envolvidos com o sistema socioeducativo da falta de opções de ressocialização para os adolescentes. Isso se constata nas vistorias? Há cursos de aprendizado e aulas?
Sim, isso é uma realidade. Há cursos e a grande maioria dos adolescentes frequenta aulas, contudo, a quantidade está longe de ser a ideal. Pode-se perceber que as unidades encontram, nas tentativas de angariar parceiros, receios e restrições por parte da comunidade em geral que impedem maior oferta de cursos profissionalizantes, oficinas e outras atividades que visem à ressocialização.
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Recentemente, o Estado fez recomendações de melhorias no sistema socioeducativo ao Estado? Quais? Elas foram atendidas?
Sim. Neste ano, todas as unidades de internação e semi-internação foram visitadas, conjuntamente, pelo GMF e pela Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ). Cada visita gerou um relatório de inspeção elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos, no qual constam as irregularidades encontradas nas unidades e as necessidades de adequação.
Onde estão os maiores problemas do sistema socioeducativo atualmente? Em qual cidade ou região?
Um dos maiores problemas, para o qual não se pode fechar os olhos, é o ingresso das facções criminosas entre o público adolescente. Essa situação gera inúmeros e complexos desafios para o bom atendimento no sistema socioeducativo, precisa ser olhada e seriamente considerada por todas as instâncias governamentais – já que refletem problemas ligados não só à criminalidade, mas às contradições e disparidades sociais de modo amplo. Essa foi uma dificuldade encontrada com mais frequência nas cidades de maior porte (como a Grande Florianópolis e Joinville), mas atualmente esse contexto é realidade em praticamente todas as cidades onde há unidades socioeducativas. Os demais problemas estão relacionados a questões já mencionadas, como a dificuldade de encontrar parceiros que aceitem trabalhar com os adolescentes que se encontram no socioeducativo, o que diminui drasticamente as possibilidades pedagógicas e de ressocialização desse público. A falta de pessoal no quadro das unidades também pesa nesse sentido, pois restringe, por exemplo, trabalhos que deveriam ser realizados com as famílias desses adolescentes em parceria com os Centros de Referência em Assistência Social (CRASs).
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Há falta de vagas no sistema socioeducativo no Estado?
Sim, especialmente no que diz respeito à internação de adolescentes já sentenciados. O número de vagas disponíveis nos centros de atendimento socioeducativo do Estado é bastante inferior à demanda. Essa situação acaba por levar diversas unidades que foram projetadas para atender exclusivamente adolescentes em internação provisória (que aguardam julgamento), a receberem adolescentes já sentenciados – ainda que essas unidades não disponham de serviços e de estrutura totalmente apropriados, o que prejudica a intervenção sócio-pedagógica. Objetivando minimizar a situação, diversos órgãos do Estado estão trabalhando em Resolução Normativa que cuida da gestão de vagas no sistema socioeducativo. Apesar disso, a efetiva resolução do problema demanda maior investimento por parte do Estado.
Há unidades em Santa Catarina administradas por ONGs. Na visão do GMF, esse modelo funciona?
Há unidades administradas por ONGs que se encaixam nos melhores padrões de atendimento, e outras que se encontram nos piores padrões. Essa realidade paradoxal evidencia que, apesar de existirem vantagens nesse sistema de administração, faz-se necessária constante fiscalização por parte do Estado para que as unidades administradas por ONGs cumpram com as obrigações estabelecidas no Termo de Convênio e na legislação pertinente ao socioeducativo, para que mantenham a qualidade do serviço prestado.