Ruy Castro, um artífice da palavra, molhou-a com maestria ao falar de bares.

Continua depois da publicidade

– Você sente que o mundo mudou quando, ao voltar ao seu bar favorito, depois de longa ausência, não reconhece ninguém ao redor. São outros os rostos, outra a cor dos drinques nas mesas, outra a música de fundo no ambiente, outros, até, os garçons. Esse novo bar e esse novo mundo parecem frios e hostis. Mas é possível mudar de bar, ou de mundo.

O problema não são os bares, mas a “qualidade” dos seus bêbados. Ainda não adquirimos a “maioridade” etílica de uma Rússia, uma Alemanha, uma Inglaterra – onde os bêbados não somente são cidadãos respeitáveis, como presidem a República (Yeltsin, nos anos 1990); fundam a Oktoberfest (o príncipe Ludwig, da Bavária, no século 19); ou salvam a humanidade do nazismo, como o velho e esponjoso Churchill, nos anos da Segunda Guerra Mundial.

Nossos bares, com honrosas exceções, ainda carecem de alguma maturação para produzir autoridades “lúcidas”. Jânio Quadros, por exemplo, só fazia “hic!”, com graça e estilo, no Grenadier, histórico Pub do bairro de Belgravia, em Londres.

De volta à caótica São Paulo, Jânio, que era o prefeito, ficava tão saudoso do bar londrino que – sem licitação – comprava dezenas de ônibus vermelhos de dois andares para a frota municipal. O povo logo os apelidou de Dose Dupla, depois que sua circulação provou-se inviável…

Continua depois da publicidade

Parodiando aquele texto apócrifo, que um dia atribuíram ao “bruxo” Jorge Luiz Borges, “se eu pudesse viver novamente, correria mais riscos”. Viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios”. E, digo eu, frequentaria mais bares.

O que o mensageiro quis dizer é que devíamos levar a vida mais na flauta. Eu mesmo me penitencio por ser, às vezes, alguém que, em nome de um “compromisso”, recusa o convite de um amigo para um papo de bar. Logo me arrependo. Qualquer compromisso pode ser adiado, menos um papo de botequim.

°°°

Se pudesse voltar atrás no tempo, não voltaria a recusar convites para “soltar mais pandorgas” – conselho de algum Borges “manezês” – ou ir a mais bares, “só para manter o desequilíbrio”, como sugeriu, certa vez, um filósofo ilhéu.

O bar, no fundo, é uma espécie de vitrine, de aquário humano, onde o espírito pede spirits para melhor carregar a barra da existência.

Continua depois da publicidade

 

Leia também:

Casamento perfeito: veja como harmonizar cervejas com o melhor tipo de alimento