Quando se olha no espelho Mirella Oliveira, 26 anos, vê apenas o que é. Mulher, bonita, bem produzida. A realidade, porém, não se reflete no papel. Seus documentos ainda estão com o nome masculino dado por sua mãe ao nascer. Mirella é transexual, assumiu-se aos 20 anos. Já enfrentou agressões e preconceito, perdeu oportunidades de emprego apenas por ser o que é. Hoje, busca dignidade e o direito de ser reconhecida pelo nome que escolheu.
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Mirella não quer mais sofrer toda vez que vai ao banco ou busca atendimento médico. Ela quer deixar para trás esses constrangimentos e começar uma vida nova, mais completa. Por isso, encarou um novo desafio, desta vez com a Justiça: obter a retificação nos registros de nome e gênero nos documentos.
– Isso é essencial. É o que preciso para ser reconhecida pelo que sou e para não passar por situações que não são legais – explica a estudante de Direito.
Desde criança Mirella lembra que gostava de brincar de Barbie e ficar junto com as meninas. Aos 19, decidiu começar o tratamento hormonal e com 20 assumiu externamente o que sempre sentiu. A família teve papel fundamental e foi a base para superar as adversidades.
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– Conseguir emprego foi um problema, não são todas as empresas que abrem as portas. Já tive vaga negada porque achavam que daria problema no futuro. É complicado, as pessoas veem uma mulher, mas no papel eu ainda tenho outro nome – relata.

Antony Luiggui Venturini, 28 anos, passa pelo mesmo problema. Casado com Daniela Frazão Venturini há três anos e com uma enteada de 11 anos, ele precisar trocar de nome. O jovem na verdade se chama Ana Rosa Venturini, identificação que consta em seus documentos. Antony também é transexual: possui uma identidade de gênero diferente da designada ao nascimento.
– Isso não se escolhe e sempre me identifiquei com o outro sexo. Desde criança eu sabia que estava preso naquele corpo e que aquela realidade não era a que eu queria pra mim – conta.
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Para se assumir venceu diversas batalhas contra o preconceito, inclusive aquela mais dolorosa, vivida dentro de casa.
– Quando falava com a minha mãe ela desconversava. Mas existe aquele dia do “não aguento mais”, aquele momento em que você se olha no espelho e diz que dentro daquele corpo você não quer mais viver. Foi então que ela resolveu me ajudar. Comecei a fazer o tratamento médico, psicológico e no início deste ano fiz a mastectomia (retirada das mamas) – diz.
Agora, assim como Mirella, Antony busca a mudança de nome nos documentos:
– Parece uma coisa simples, mas causa uma série de problemas e constrangimentos. Antes eram os seios que mais me incomodavam, agora é essa questão do nome.
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Faculdade de Balneário vira aliada

Nessa luta, Mirella e Antony ganharam como aliada a Faculdade Avantis, de Balneário Camboriú – primeira do Estado a oferecer auxílio jurídico gratuito para mudança de nome. Há cerca de um ano o serviço passou a ser oferecido pelo Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) a transexuais da cidade e de Camboriú. A instituição também oferece o acompanhamento psicológico necessário nestes processos.
– Temos três processos em andamento que correm em segredo de justiça. Resolvemos abraçar essa causa, pois víamos o sofrimento dessas pessoas e o descaso com que são tratadas – afirma Magali Regina Negosek, advogada e coordenadora do curso de Direito.
A ação, porém, é demorada. Em um ano, a faculdade ainda não obteve nenhuma resposta para os processos em andamento. A papelada necessária também é grande: é preciso apresentar comprovação de tratamento hormonal, acompanhamento psicológico, terapêutico e neurológico, declarações de testemunhas e ainda, certidões negativas da Justiça Federal e comum.
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– Uma petição normal geralmente tem oito páginas e nestes casos são 18 páginas, justamente para mostrar a urgência e o sofrimento das pessoas – observa Magali.
Como o núcleo tem caráter social, apenas pessoas que recebem até três salários mínimos, possuem imóvel de até R$ 200 mil ou carro popular podem ser atendidas pelo serviço. Em breve a faculdade pretende expandir o atendimento para pedidos judiciais de Tratamento Transexualizador e para a Cirurgia de Redesignação Genital, ambos previstos no Sistema Único de Saúde (SUS).
ONG trouxe demanda à faculdade
Estudante de Direito e um dos fundadores da ONG Amigos e Tribos, Otávio Zini foi quem trouxe à faculdade a demanda por auxílio jurídico para mudança de nome social. De acordo com ele, esse era um dos pedidos que aparecem com frequência na entidade.
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– Procuramos outra universidade anteriormente e recebemos um “não” categórico. Quando apresentei o projeto eles aceitaram na hora, o que mostra o compromisso da faculdade com os direitos humanos e sua função social – afirma.
Zini explica que o debate em torno de pessoas transexuais ou transgêneros é “espinhoso”. Para ele, falta entendimento da população sobre o assunto, o que dificulta a aceitação e até mesmo vitórias na área jurídica.
– A mudança de nome para pessoas transexuais tem uma recusa alta no país. Porém, essa retificação é muito importante, é o primeiro passo para resolver problemas perante a sociedade – completa.
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