Salvo se você for um coxinha ou um petralha atrás de fragmentos de verdades para justificar argumentos rasos, pouquíssimas certezas absolutas podem ser deduzidas a partir da observação de um fato isolado. Uma delas é que quem solicita nota num restaurante comeu às custas de terceiros. Por isto, confesso, sempre que a firma me subsidia refeições, peço o recibo aos sussurros para o garçom. Também receio constrangimentos parecidos com os que ouvi em certo jantar com amigos em São Paulo, no qual todos, inclusive eu, aplacavam a fome com o suado dinheiro do patrão.

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A história mais singular ocorreu com um repórter designado para uma cobertura na Alemanha, dessas missões diplomáticas com muita pompa e pouco resultado prático, para a qual se alistam políticos de segunda linha e assessores de coisa nenhuma.

Passou dias comendo como convidado em banquetes palacianos e, na véspera de voltar ao Brasil, perambulando pelas ruas envoltas na bruma cinza do fim do inverno berlinense, deu-se conta que não gastara um centavo das diárias. Praguejou contra a impossibilidade de declarar bebidas alcoólicas no relatório de viagem e, já frustrado nas pretensões sedentas, resolveu voltar para o hotel.

No caminho, um outdoor reacendeu-lhe as esperanças. Havia uma cerveja alemã chamada Bitburguer. O cara da contabilidade da firma, pensou o repórter, exultante, vai interpretar isto como um lanche de fast food. Entrou então no primeiro bar aberto, aconchegou-se nas quenturas da calefação e bebeu com volúpia. Ao final, com a língua dormente, pediu a nota.

Dias depois, já no Brasil, foi chamado pela turma dos Recursos Humanos.

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– Você sofre de alguma compulsão alimentar? – perguntou a consultora, sem rodeios, semblante preocupado, numa mistura de austeridade com carinho.

– Não, me alimento direitinho. Por quê? – respondeu o repórter, consternado.

– É que você comeu nove hambúrgueres numa única refeição na Alemanha. Não é normal isto.

– !!!

***

Outro caso de excesso revelado pelas notas não diz respeito ao álcool, mas sim ao açúcar. Numa cobertura de sete dias pelo interior de Goiás, dois jovens repórteres, a julgar pela fatura do hotel, haviam consumido 14 Mentos, 14 Suflair e 28 balas de goma. Aturdido, o editor os chamou:

– O que é isto aqui, hein? Nunca viram doce na vida?

– Pô, chefia, foi mal. A gente pensou que o que estava em cima da geladeirinha era brinde…

Por estas e outras, um recibo com a descrição genérica “despesa” é o mais cobiçado pelos operários. Talvez haja até um mercado negro desta preciosidade. Afinal, trata-se de um eufemismo que esconde qualquer eventual exagero, acidental ou voluntário.

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