Certa tarde flanava pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo quando vi uma TV de tubo ao fim de um corredor. O aparelho estava ligado, mas não havia imagens. Só chuviscos. Pincei meu queixo com o polegar e o indicador e fiquei ali, mirando a tela atrás de alguma lógica artística. Tentei identificar o compasso do som, a efervescência das formas geométricas projetadas, tal era meu desejo de atingir uma elevação estética. Fui resgatado deste transe por um segurança, que me pediu licença para levar o televisor para o conserto.

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Enquanto via o homem esbaforindo-se abraçado na TV, me dei conta da minha absoluta falta de jeito com arte moderna. Apesar da boa vontade para embarcar nos delírios do artista, sempre me sinto inseguro e incapaz de ler a obra. Sem falar que tenho medo de usar lixeiras e de dar descarga nas privadas. Tudo pode ser uma instalação invisível a olhares menos sofisticados, como o meu.

Se assim sou, tenho questionado as razões da minha insônia desde que os moleques do Movimento Brasil Livre, o MBL, assumiram a curadoria da arte no Brasil. Por trás do discurso de defesa da criança, emerge um moralismo medieval, que reveste o corpo humano de vergonhas. Se a lógica se instaurar, teremos mais décadas de travamentos sexuais pela frente. Afinal, tudo é feio e um ser humano honrado só existe da cintura para cima.

Olha, já pouco me importo se o MBL arrasta multidões com camisa da CBF às ruas para derrubar governos eleitos. A vilania se nivelou tanto que, para diferenciarmos um partido do outro, precisamos ser uma espécie de sommelier de política. Tudo é nuance, feito uma nota de caramelo.

Mas, quando estes caras se incham de razão para ditar normas de comportamento, ousando sinalizar como devo criar meus filhos, tenho ímpetos de me rebelar. Este texto tem um pouco deste propósito, de dizer que não aceito. Tenho severa resistência contra uma nação que tenha Kim Kataguiri como educador sexual.

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Quando falo em liberdade, isto inclui obviamente o direito de boicotar uma exposição. De recomendar que os demais evitem visitá-la, inclusive com base em argumento abstratos, como a fé. Mas jamais constranger instituições e forçar o banimento de obras de arte.

Foi lá onde fiquei pateticamente petrificado diante de uma TV com defeito, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, que uma criança roçou o corpo de um homem nu. Certamente, uma peça de gosto duvidoso, porque choca sem uma motivação artística mais clara. Mas daí a enxergar pedofilia, que é uma doença psiquiátrica catalogada, vai um abismo. Sem contexto sexual, não há pedofilia. O resto é discurso de frase feita.

Portanto, recomendo a esta gente careta (pelos falsos pudores) e covarde (por gritar quando está em bando) que vá ao shopping, reze o terço, enfim, se entretenha com a própria vida. Porque o cenário que se desenha é perigoso. Quando delegamos a um grupo dizer o que pode e o que não pode, daqui a pouco a coisa se volta contra. É assim. O apetite castrador é insaciável.

Aí, quando não houver mais museus, só vai nos restar procurar arte numa televisão com chuvisco.

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