Tive meu cérebro profundamente impactado pela doutrina dos professores maconheiros de História, esta figura etérea inventada como argumento para domar o pensamento nas escolas. O Professor Maconheiro de História é o antagonista do Cidadão de Bem, outra abstração criada por quem não conhece a si mesmo e crê num mundo maniqueísta, dividindo entre o bem e o mal, sendo o mal personificado por aquele que não comunga de seu raciocínio, cuja profundidade não passa das canelas.
Continua depois da publicidade
Falava das toxinas comunistas que me foram inoculadas nas aulas de História. Bem, quando começo a achar que realmente a desigualdade social é fruto da preguiça de quem não se esforça, quando aceito medir o sucesso existencial a partir da frivolidade acessível com muito dinheiro, me vêm à tona os ensinamentos de meu estimado Professor Maconheiro de História e nego a verdade suprema. Meu mais recente devaneio impregnado de comunismo é o seguinte: o capitalismo é movido essencialmente a grosserias.
O Brasil é um estupendo laboratório para observação da vida selvagem, seja na floresta amazônica, seja no serviço prestado pelas empresas. Como sou um tipo urbano, tenho me detido neste segundo ecossistema. E constato que, quando a coisa não funciona, prevalece a lei do chilique mais forte.
Todo aquele que tiver pruridos morais para gritar com atendentes de balcão estará automaticamente no fim da fila. Neste capitalismo de ineficiência, o mundo pertence àqueles capazes de convocar a presença do gerente em vários decibéis, com mãos à cintura, feito um açucareiro giratório. Quando a relação se estabelece por telefone, dá até para abdicar da linguagem corporal, mas, para obter atenção da empresa, a artilharia verbal deve ser inclemente.
É irônico, para não dizer poético, que gente aparentemente tão atenta a “processos organizacionais” formule uma escala de prioridades regida pela impaciência do consumidor. Não interessa quem chegou primeiro, se há fidelidade, se restam outros critérios de urgência: a atenção será canalizada para quem grita mais.
Continua depois da publicidade
Talvez por gastar toda a cota de urros com o sofrimento imposto pelo meu clube de futebol, sou avesso a conflitos travados em volume de voz incompatível com a civilização. Prefiro desistir do negócio a me comportar como um bárbaro para ser atendido. Mas às vezes você fica refém destas empresas movidas a grosseria.
Em setembro, tive meu carro abalroado (que saudade de usar esta palavra) num semáforo. Coisa de lataria, apenas. A companhia de seguros autorizou o conserto no dia 27 e, como o carro seguia andando, fiquei com ele. Mas ligava semanalmente para a oficina, fazendo uso do meu estoque de “bom dia”, “por favor”. Se o atendente não insistisse em me chamar de “senhor Fabrício“, diria que ficamos íntimos. A oficina culpava a montadora pela falta de peças. Até novembro chegou, perdi a paciência e fui ao limite da minha grosseria. Horas depois, o gerente me ligou, chamando para o conserto.
Humanismo, civilidade, crença no caráter alheio, tudo isto é papo de professor maconheiro de História. Os cidadãos de bem que venceram na vida, por mérito, nos ensinam diariamente que o mundo é de quem grita.
Preparem as cordas vocais, pois.