Considero rasa a crítica pela qual só gente imaculada, livre das assimetrias da alma, tem o direito de rogar publicamente contra a corrupção. O sujeito não pode praguejar contra os políticos só porque levou uma multa de trânsito? Certamente, há um tanto de marketing pessoal nestas pregações pela moralidade em rede social. A pessoa desfia um rosário de lugares-comuns para soar mais inteligente aos olhos da multidão.
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Mas a imputação de culpa contra os mensageiros da ética de efeito publicitário, lembrando-os das pequenas vilanias cotidianas, termina por favorecer os bandidos. É bom que falemos disto, à exaustão, mesmo que não tenhamos tutano para ir muito além do senso comum.
A desgraça é que esta compreensão não alivia meu profundo mal-estar com um tipo que de uns tempos para cá germinou em nossa sociedade: os tietes do juiz Sérgio Moro. Não há corrosivo maior para a reputação intelectual do que aparecer com uma fotinho do magistrado no perfil do Feicebúqui. E isto nada tem a ver com a figura do Moro em si. Apesar da vaidade, dos vazamentos seletivos, da origem tucana que em tese compromete a neutralidade, o juiz de Curitiba trabalha duro e sério. Não é despropositada a admiração que lhe é confiada, com certa histeria, pela ala antipetista da sociedade.
O problema está na personificação da virtude, como se o sistema, sozinho, não fosse capaz de depurar as toxinas da corrupção. “Infeliz a nação que precisa de heróis”, ensinou Bertolt Brecht lá atrás, mas os brasileiros se fazem de surdos. A cada crise depositamos a esperança nas costas de alguém. O salvador da pátria é uma aspiração coletiva que nos infantiliza desde sempre.
Quando conferimos propriedades divinais a um ser humano escolhido para nos salvar, o pensamento começa a enfraquecer. O discurso fica ralo. Com um celular ligado à internet em mãos, não é possível escapar a sanha laudatória deste pessoal. Isto porque os tietes do Moro se adaptaram com notável sucesso no Uatizápi.
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Você está lá, num grupo de receitas saudáveis, tergiversando sobre as calorias de um pepino, quando aparece uma corrente cheia de emojis em louvor ao juiz. Você está lá, num grupo de futebol, revirando as dores de torcer para o Brasil de Pelotas, quando… tchan, tchan, tchan, tchan, tchan! Irrompe mais uma mensagem carregada de adjetivos elogiosos ao presidente da República de Curitiba.
Não considero inteligente a estratégia de saturação, porque a introdução do assunto em qualquer ambiente termina por esvaziá-lo. E a idolatria me parece ingênua, porque Moro, como qualquer servidor público, precisa ser igualmente fiscalizado. O tratamento de pop star, em resumo, atenta contra a credibilidade do próprio juiz. Porque, na histeria, não há seriedade possível.
Os caras estão me fazendo ver até na sopa o olhar altivo do Moro, daquela fotinho mirando o horizonte. Talvez seja ingênuo da minha parte, mas aspiro um país em que as instituições não precisem de um rosto para ser respeitadas. Se as tietes aliviarem a idolatria, quem sabe chegamos lá.